Tenho interesses diversos dentro das relações internacionais, que variam do estudo dos problemas globais, assuntos estratégicos, temas econômicos e comerciais, política internacional a história das relações internacionais. Embora, eu deva admitir aqui que este blog tem se tornado nos últimos tempos monotemático, o que eu pretendia ser uma sinfonia de temas e se tornou um samba de uma nota só.
A nota é a análise da política externa brasileira, ainda que alguns tenham a impressão que criticar essa política é fazer proselitismo partidário. Dessa forma é um risco enveredar por esse caminho, mas um estudioso não pode ter medo do seu objeto de estudo (a não ser que seja biólogo que lide com feras perigosas, ai o medo é saudável). O clima político é tal que as críticas são tomadas como ofensas pessoais e a defesa do governo é feita de maneira dogmática, acrítica.
Essa digressão é explicada pelo clima confrontacional que cerca certos debates acerca da política externa do governo Lula. Os índices de aprovação do presidente que são elevados podem em parte explicar a relutância em aceitar crítica a suas decisões. Contudo, quem se quer um analista cientifico (e por definição imparcial) deve buscar a isenção, isto é, tem que tentar depurar de suas análises elementos que não possam ser amparados empiricamente ou logicamente. Quero dizer, eu não posso deixar simpatias ou antipatias ideológicas suplantarem a objetividade. Não implica em ser desprovido dessas visões, implica sim em sustentar muito bem posicionamentos. O que busco fazer costumeiramente.
Esse fim de semana vimos uma profusão de editoriais e reportagens nos grandes veículos de imprensa levantando pontos de fragilidade nas estratégias de política externa que o Planalto tem adotado. Antes mesmo de refutar essas afirmações os mais ávidos e pouco criteriosos defensores do regime petista, acusam essa imprensa de ser golpista e coisas do gênero. O que não parece ser muito coerente, mas a política partidária é feita assim e é preciso ter ciência de como é o sistema a fim de analisá-lo. Em textos recentes tenho feito definições sobre o que é política externa é como se forma, além de analisar casos concretos e as conseqüências (inclusive as conseqüências indesejadas) que essas ações podem ter.
Em linhas gerais minha principal crítica ao chamado protagonismo (tão cantado em verso e prosa pela própria imprensa) é que por vezes o calculo dos formuladores e executores dão a interesses partidários a dimensão de interesse nacional, além de que no afã do protagonismo o Brasil tenha procurado caminhos ásperos em momentos em que isso não era necessário. A conseqüência obvia é que na hora em que a firmeza é necessária a posição brasileira estará enfraquecida por conflitos e por posições incoerentes e inconsistentes. Volta e meia lemos de autoridades do governo que escolhas controversas são fruto do pragmatismo, o que é sem dúvidas discutível.
Há uma linha um tanto tola de análise que dá como fato o discurso do “nunca antes nesse país” e pretendem apagar as linhas históricas de ação do Brasil, embora não haja paralelismo histórico no momento que o Brasil vive (sim já viveu antes períodos de expansão econômica e de relevância política, mas nunca conjugou democracia, crescimento econômico e relevância política externa) certas ações que se querem derivadas desse momento de avanço dos emergentes encontrem elas paralelos na história recente. Uma dessas ações é a tentativa de intermediar crises nucleares, podemos facilmente traçar o paralelo entre a atuação do Itamaraty, em 1998, que foi negociador de um acordo para distensionar as relações entre as potências nucleares Índia e Paquistão, essa posição foi conquistada pela ratificação do TNP, em 1997.
Grande parte do prestigio que o Brasil desfruta na seara internacional advêm de ter optado por ser um “bom cidadão global”, optou por ser um país que respeita as normas internacionais, busca executar sua política externa de maneira responsável e se alinhando a comunidade internacional. Isso não quer dizer que se submetia, mas que buscava uma inserção diplomática não abrasiva, a não ser a luz do interesse nacional.
O meu exemplo já deixa claro o cerne do grande tema do momento na agenda de política externa brasileira que é a questão nuclear, seja na frente que o Brasil se põe como defensor de Teerã, seja na frente que alimenta isso, ou seja, os velhos nacionalistas (e ai temos de direita, de esquerda, militares, diplomatas, cientistas, jornalistas, todos igualmente idiotas, devo adicionar) e sua tese de que a adesão ao Tratado de Não-proliferação Nuclear seria danosa ao interesse nacional ao limitar o progresso tecnológico nacional e o desenvolvimento de armas nucleares, além de ser como disse Samuel Pinheiro dia desses “uma humilhação” permitir que inspetores da ONU tenham acesso às plantas nucleares nacionais. Principalmente o famoso protocolo adicional que provoca as mais viscerais.
Esse nacionalismo de maneira muito hábil se disfarça de preocupação com a proteção de segredos industriais da Marinha do Brasil (que com muito custo conseguiu desenvolver métodos de enriquecimento de urânio), o que é verossímil, mas não resiste a um exame mais profundo, por que esse temor se baseia na desconfiança quanto a honestidade dos inspetores da ONU, um argumento que se parece muito com o de certos regimes autoritários que tem nos inspetores de armas, espiões. Essa desconfiança excessiva em organismos multilaterais e sua capacidade fiscalizadora é inconsistente quanto confrontada com a boa avaliação que se faz desse papel por parte da OMC, por exemplo. E outra coisa é tão fácil assim copiar as centrifugas? E é tão superior assim a tecnologia brasileira?
Há muita coisa em jogo e é claro que não é preciso correr e ceder a pressões para assinar rapidamente acordos adicionais, há espaço para conseguir vantagens. Contudo, a ambigüidade nuclear recente que tem sido adotada pode prejudicar gravemente interesses nacionais, como por exemplo, acesso ao mercado dos EUA para os bicombustíveis, ou alguém acredita que o apoio a Teerã será incólume agora que a não-proliferação é objetivo estratégico do governo Obama, um sinal claro é a ausência do Brasil no roteiro de visitas desse presidente no próximo ano. Ainda que seja razoável supor que o Departamento de Estado espera o resultado das eleições de novembro, afinal Lula é um presidente em fim de mandato.
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