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Os caminhos externos do Brasil, questões nucleares

Continuando uma série de reflexões sobre a política externa brasileira em termos mais filosóficos e genéricos a luz das declarações e acontecimentos dos últimos dias, são idéias ainda em formação, por mais que eu seja um analista já com alguma rodagem, julgo e não é falsa modéstia, que ainda me faltam décadas de leitura e reflexão para que possa ter opiniões mais permanentes. Como cientista e analista aceito como natural e benéfico que posições sejam revistas a luz de novas evidencias empíricas e argumentos convincentes, afinal muito do que escrevemos e analisamos do que dia-a-dia é limitado pelas informações disponíveis.

Nossa jovem república está em um desses momentos que definem como serão os próximos anos, que valores adotaremos. Não é uma encruzilhada institucional em que a própria democracia está em jogo, como foi durante o final (melancólico) do governo Collor de Melo. Dessa vez nosso estado vem de um período de quase 16 anos de estabilidade política, isto é, apesar de problemas de funcionamento de nosso sistema político que é dominado por escândalos e tentações nefastas como patrimonialismo, personalismo, censura e coisas assim. Mas, de fato o sistema tem funcionado, não se cogita seriamente qualquer outra alternativa a democracia.

E isso é algo importante a democracia se tornou um valor do sistema político aceito pelos atores, por convicção ou não, não importa. O ponto que quero chegar é que independente de que partido vença a eleição, não importa se PT ou PSDB e suas respectivas coligações. A questão é a mesma e a resposta tem que vir da sociedade. A pergunta é qual é o Brasil que queremos? E essa pergunta é obvio reverbera em todos os campos da vida social, de temas como saúde, educação, segurança pública a assuntos menos apreciados pela opinião pública como políticas de comerciais, industriais, externa e de defesa.

O fato de importar pouco nesse contexto quem vence as eleições se deve a pergunta especifica derivada dessa principal que apresentei acima, que é a pergunta de como o Brasil trata a questão nuclear e nesse particular a questão que polariza (a questão da adesão ou não ao protocolo adicional do TNP) é apenas um elemento, as resistências a compromissos maiores em área nuclear partem de vários setores e ressoam em todos os partidos. No cerne dessa questão está o nacionalismo. Os grupos se formam para tentar definir seu interesse como sendo o legitimo interesse nacional e nesse processo argumentos interessantes são levantados, portanto é um debate que deve sim ser travado, não só na esfera dos estudiosos de assuntos militares (que com freqüência vêem o resto da sociedade como ingênuos, ou coisa pior, a expressão vira-lata surge muito nessa discussão) e dos estudiosos de ciências sociais, dos cientistas, mas toda a sociedade deve participar.

A questão não está na legitimidade da pesquisa nuclear para fins pacíficos (o que inclui propulsão nuclear em veículos militares) e sim em manter ou não aberta a possibilidade de dominar o ciclo nuclear completo, incluso ai a capacidade de criar armamentos nucleares e seus vetores de uso.

Tradicionalmente o Brasil é um país pacifico que mantém relações amigáveis com seus vizinhos, embora com momentos mais incisivos, mas esse espírito geral de cooperação animou as estratégias que criaram o arranjo de inspeção bi-lateral que levou Brasil e Argentina a abandonarem seus onerosos programas de armas nucleares. O Brasil, inclusive é um dos artífices e principais negociadores do Acordo de Teltoloco (junto com o México, que é depositário do tratado, como fica claro em seu nome), esse acordo transformou a América Latina em uma região livre de armas nucleares, como sabemos a iniciativa tem inicio com o episódio da crise dos mísseis.

Ainda assim o Itamaraty por anos acusou o TNP de ser um tratado desigual, isto é, que era preconceituoso e que pretendia impedir o acesso a novas tecnologias. Isso por que os compromissos de redução de arsenais nucleares foi solenemente ignorada pelas potencias já nucleares, durante a guerra fria, é preciso, contudo por em perspectiva a necessidade estratégica por essas armas, por atores que se encontravam em ameaça existencial.

Os argumentos são válidos, afinal o tratado realmente congela o status nuclear e coloca compromissos, considerados intrusivos, nos membros que não tem a bomba. Mas até que ponto essa justifica é válida diante do terror e devastação causados por um artefato nuclear? É fato que com toda sua limitação o TNP impediu que membros proliferassem, a Coréia do Norte, por exemplo, antes de prosseguir com sua chantagem nuclear denunciou o TNP.

Existem elementos ligados as forças armadas que defendem que diante da possibilidade de intervenção militar direta dos EUA o Brasil deveria ter artefatos nucleares, argumentam que seriam bombas para fins pacíficos, não estranha que essa linguagem tenha chegado as mais altas autoridade da república, no caso o presidente Lula. Em resumo, essa doutrina pode ser vista como uma lição das Malvinas, a hipótese é que se a Argentina possuísse não só submarinos nucleares, como artefatos e vetores de emprego, teria rompido o bloqueio naval que sofreu, podendo prolongar sua campanha se valendo da proximidade as ilhas e teria desestimulado os Britânicos de enviarem a sua força tarefa para recuperar as ilhas. Como disse o Gal. Barros Monteiro: “Se tivéssemos um submarino à propulsão nuclear, estaríamos mais seguros. Se a marinha argentina tivesse um submarino à propulsão nuclear, a Inglaterra não teria atacado durante o conflito das Malvinas. Então, um país pacífico como o nosso, que não tem a intenção de agredir ninguém, tem todo o direito de se defender, porque cada vez fica mais rico e apetitoso”

Essa linha de pensamento se alimenta do nacionalismo de direita, que crê numa excepcionalidade da dotação de recursos naturais do Brasil que geram uma cobiça estrangeira e dos delírios de esquerda que crêem que os governos ditos progressistas estão a mercê de uma intervenção imperial, ambos tiveram suas luzes de alerta ligadas pela reativação da IV Frota da Marinha dos EUA.

Essa doutrina não obstante os expoentes militares e civis que a defendam parece mais uma hipótese de justificação que oculta o verdadeiro motivo do desejo por essas armas, que parece ser o desejo por projeção, por ter um Brasil forte. Pode ser por apreço excessivo pela pátria, por desejo de poder, por realmente crer que o futuro da nação depende dessa armas.

Algumas posições políticas do Brasil devem, também, ser examinadas e devo fazer nos próximos dias, entretanto fica uma questão importante, se o Brasil é um país com vocação pacifica, sem ameaças imediatas, vinculado a vários acordos de não-proliferação e com proibições constitucionais para isso, o que o país ganha com esse jogo ambíguo que dá a entender que tem interesse em construir artefatos nucleares e com um discurso contra inspeções da AIEA mais incisivas? Essas posições podem gerar desconfiança da chamada comunidade internacional, o que não me parece apropriado para um país que celebra a conquista de espaço e respeito na comunidade internacional, almejando o papel de líder regional e global player. 

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