Há muito entusiasmo entre analistas sobre esses esforços chamados de sul-sul, ainda que considerar a China, membro do Conselho de Segurança da ONU, como sul (tanto geograficamente, como no sentido “terceiro-mundista” da expressão) é uma estrapolação metodológica. As duas siglas que dão título a esse texto dizem respeito a Índia, Brasil, África do Sul, Rússia e China (não é difícil quem está em que grupo).
Ambos os grupos se reuniram em Brasília na semana passada imagino o transtorno no transito da área central da capital, que em ocasiões como essa, costuma ser fechado, com reforço de segurança, que por vezes incluí tanques e veículos militares blindados, helicópteros de combate e um exército de voluntários, em sua maioria estudantes de relações internacionais reforçando o quadro do Itamaraty e sendo tratados “bem que só”, e claro que esses valorosos universitários em busca do dinheiro que sempre se esconde dos estudantes, também trabalham como motoristas e guias bilíngües (testemunhando entranhas das relações diplomáticas e hábitos desses diplomatas estrangeiros que não convêm serem declarados aqui) de toda forma é uma experiência enriquecedora, mas creio que me desviei do assunto.
O tema aqui foram essas reuniões, comprimidas em vista da tragédia que abalou a China, e os objetivos que cumpriram, que tipo de coordenação resultou desses encontros em termos das grandes questões globais, como a administração da crise, o papel crescente do G-20, enfim resultados práticos e de coordenação política.
Há um efeito importante de reforço da aparência de unidade do bloco emergente, que seria uma força que estaria moldando a ordem mundial, alterando equilíbrio de forças (a fungibilidade do poder). É fato que o fenômeno das economias emergentes é algo que deve ter seu peso reconhecido, ainda que esse reconhecimento pressuponha escapar da armadilha da supervalorização e sub-valorização do fenômeno o que francamente é difícil de fazer, no calor dos acontecimentos e com acesso parcial a informações.
Nesse particular é sempre importante lembrar que apesar da aparente concertação dos emergentes, com simbólicos apertos de mão e troca de efusivos elogios há em campos como a Rodada Doha uma disputa acirrada entre eles que bloqueiam a rodada, um exemplo, são as Salva-guardas especiais, que opõem China e Índia ao Brasil. E que promessas de investimento já foram feitas antes e não se realizaram. Não prego desconfiança, mas realismo (sem conotações teóricas) na hora de avaliar essas promessas que encontram entraves em sua execução.
Chega a ser folclórico os itens que tratam de cooperação em matéria de Direitos Humanos entre Brasil e China, e cooperação entre partidos políticos, que como disse um comentarista com certa dose de ironia seria desproporcional já que a China é regime de partido único. São declarações genéricas pró-forma (estão lá para “ficar bonito”), mas que contem uma dose de realismo fantástico, digno de terem sido assinadas em Macondo (se você não entendeu, por favor, leia mais literatura).
O autor e diplomata Paulo Roberto de Almeida em seu blog coloca com certa dose de ironia e com as restrições que limitam a liberdade de opinião de um diplomata da ativa que “A visão oficial sobre as relações é obviamente positiva: esperemos que todos pensem assim. Claro, lutar por uma "nova ordem internacional" é uma missão grandiosa, que vale todos os esforços, sobretudo quando a globalização é assimétrica e disfuncional. Curioso que os chineses não tem reclamado da globalização assimétrica. Acredito, também, que eles estão contribuindo para um pouco mais de assimetria, ao "roubar", literalmente, empregos industriais dos demais países, inclusive do Brasil. Bem, mas isso é uma tarefa para os Brics resolverem, simetricamente...” Como prelúdio a uma matéria do jornal Valor Econômico.
O ponto levantado pelo diplomata é válido para nos fazer buscar uma análise que veja além do discurso eleitoral que a essa altura já norteia e permeia todas as falas dos políticos profissionais, cenário que se aprofundará com a aproximação do pleito de outubro. E o ponto é o de sempre quando se analisa política externa, essa ação serve ao interesse nacional? Qual a estratégia política por trás dela? Surtirá efeito? Qual a reação esperada dos outros atores envolvidos? Claro que responder a essas e outras perguntas proficuamente nos leva a uma vida inteira de pesquisas.
Pois bem nesse texto a pergunta principal que me motiva é até que ponto politizar, isto é, criar bandeiras de grande política para os grupos de países emergentes é uma estratégia apropriada. O grupo emergente tem força econômica comprovado em seu desempenho durante essa atual crise econômico-financeira. Contudo, o grupo não demonstra capacidade política de influenciar regimes internacionais de maneira a conformar uma pretensa multipolaridade. Pelo menos em médio prazo.
A reunião mostrou que há uma disposição em cooperar, mas faltam pontos em comum na agenda com posições semelhantes e bem trabalhadas, pode ser que o curto intervalo dos encontros não permitam que os grupos técnicos trabalhem e negociem posições, criando uma cooperação mais profunda que o voluntarismo da diplomacia presidencial.
Agora algo o Planalto e o Itamaraty podem aprender com os chineses sua capacidade de adiantar posições, de não se comprometerem antecipadamente, em suma de criarem problemas para sua política externa. Comportam-se como jogadores de poker que esperam até o ultimo momento possível para revelar o jogo que tem nas mãos (já que Lula e Amorim tem usado de metáforas esportivas, me contaminei). Essa atuação tem rendido a China uma vantagem, em relação ao Brasil, no caso Iraniano.
Claro que não posso deixar de destacar que há boas políticas de coordenação que resultaram, inclusive, em planos para o lançamento de satélites em conjunto com a Índia. Que é mais um argumento em prol da cooperação com objetivos claros e pautada em interesses comuns. Uma cooperação, verdadeiramente, pragmática. Afinal palavras e discursos são efêmeros são as ações que aproximam verdadeiramente povos e estados, em geral, por via do comércio e do intercâmbio cultural, esportivo e técnico-cientifico. Agora essas ações têm que respeitar a racionalidade política, econômica e reitero tem que ser pautada no interesse nacional e não em afinidades momentâneas de caráter político-ideológico.
Assim não me oponho de maneira alguma a chamada cooperação sul-sul, desde que nos moldes expostos acima, por que acordos desfavoráveis, financiamentos pouco transparentes, cessão em negociações sem contrapartidas adequadas não servem, obviamente, ao interesse nacional. Discursos apesar de efêmeros, ao menos não dão prejuízo ao Erário. Quer dizer algum prejuízo dá, por que encontros como esses não são baratos.
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