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Crise das “papeleras”

A Corte de Haia chegou a uma decisão sobre a crise que opunha Uruguai e Argentina por conta da instalação de fábricas de papel e celulose as margens do Rio Uruguai que atravessa o território dos dois Estados.

O direito internacional dedica muitos tratados para regular o uso das águas de rios que atravessam mais de um país, com vistas a não só a disciplinar a navegação, mas o uso da água, nesse particular há um instrumento comum de consultas entre Argentina e Uruguai esse organismo se chama “Comisión Administradora del Río Uruguay (CARU)”.

Por coincidência estava em Buenos Aires quando a crise começava a tomar vulto na opinião pública argentina, deixava de ser uma questão de ambientalistas e populações ribeirinhas da região de fronteira e se tornava uma causa política. Os ambientalistas argentinos a essa época montavam bloqueios nas estadas impedindo o comércio entre os dois países com conivência e estimulo do governo argentino, que tomou a causa como de “orgulho nacional” o que é sempre signo de mau agouro. Por que nesse caso soluções negociadas que envolvam cessão por parte de um Estado seria percebido como fraqueza do governo, aqui no Brasil, por exemplo, seriam chamados de vira-latas.

Não li ainda a decisão proferida por Haia, tampouco consultei minhas assessoras em Direito Internacional, por isso serei genérico no caráter factual da decisão e sobre a natureza dos argumentos utilizados. Pelo que me informei pela imprensa a Corte garantiu que as fábricas estão de acordo com normas e padrões internacionais ambientais e que por isso não há prejuízo aos argentinos por sua construção, além de ter constatado que muitos dos meios utilizados e/ou tolerados pelo governo argentino violavam o Direito Internacional. Ainda que a corte tenha declarado, também, que a decisão de Montevidéu de autorizar unilateralmente violou o acordo, contudo, sem maiores conseqüências para o futuro das fábricas.

A questão das papeleras se arrasta há alguns anos (desde 2003, para ser preciso, aqui você encontra uma cronologia que não inclui as manifestações populares) e é parcialmente responsável pela paralisia do MERCOSUL, já que era uma disputa amarga entre sócios que buscaram uma resolução extra-regional. O Uruguai procurou ter o Brasil como mediador o que foi inviabilizado pela recusa dos Argentinos e como sabemos a mediação tem que necessariamente ser aceita por todas as partes. Essa recusa serve de justificativa para o não envolvimento do Brasil na questão.

Quando eclodiu a crise Hondurenha e o Itamaraty invocou uma natural liderança regional Brasileira para embasar as atitudes da diplomacia que culminaram na “hospedagem” de Manuel ‘mel’ Zelaya em nossa embaixada, em Tegucigalpa. Quase que sozinho apontei a incongruência dessa ação a luz do “silêncio ensurdecedor” do Brasil diante da crise das papeleras. [Estão ai os arquivos do blog e postagens em fóruns e comunidades que não me deixam mentir].

Um Estado que se quer líder regional, não poderia abster-se de atuar na questão das papeleras, se não como mediador (por que as condições não eram preenchidas), de outras maneiras a disposição de um presidente que é sem dúvidas uma figura política carismática na região.

A essa altura meu leitor assíduo deve estar a se perguntar: “como assim, logo você que defende uma ação externa que não busque por caminhos abrasivos?” E respondo a isso sem nenhum problema. Afinal, como sempre digo, na consecução do interesse nacional, o caminho mais áspero, às vezes, é inevitável.

E mais é parte da estratégia nacional ser reconhecido como um líder regional, isso fortalece nossas posições em fóruns multilaterais e aumenta nossa capacidade de moldar regimes regionais que nos sejam favoráveis.

Outro ponto é que o MERCOSUL é espaço primário de influência do Brasil sua integridade e bom funcionamento é vital para demonstrar a capacidade de articulação política e concertação internacional. Pois se estávamos disposto a enfrentar uma situação delicada e complexa na América Central, (que trouxe bastante desgaste para o Brasil e ainda gera já que o Itamaraty busca por uma saída que nos permita reconhecer o governo de Porfírio ‘pepe’ Lobo, sem parecer que o país recuou de suas convicções iniciais), por que não estaríamos dispostos a nos desgastar em um conflito entre nosso vizinhos, que temos não só boas relações, como conhecemos os cenários políticos, os estilos de negociação, os métodos de tomada de decisão.

Ainda que a Casa Rosada (sede do governo argentino) e o Palácio de San Martín (sede da chancelaria), tenham se manifestado contra qualquer participação do Brasil na questão, não poderíamos ter nos omitido. O Ministro Amorim, o Assessor Especial Marco Aurélio Garcia e o próprio Presidente Lula, falam sempre que podem da liderança brasileira, de seu papel crescente numa eventual mudança do regime internacional, de seu protagonismo altaneiro, que não se curva. Por coerência deveriam ter agido para solucionar essa crise que não ficou contida a esfera bilateral. Ora se Lula é portador do “vírus da paz” no Oriente Médio, por que não o é em nossas cercanias, onde temos interesses concretos?

Essa atuação que se revela vacilante em ações concretas, cercada de grandiloqüência e com uma moralidade variante (que costumo chamar de moralidade ad hoc) é o cerne de minhas críticas a atual Política Externa Brasileira, que a meu ver e a luz de exemplos citados acima não serve o interesse nacional.

No âmbito regional essa decisão da Corte de Haia deve ser seguida de um esforço de aproximação entre Montevidéu e Buenos Aires, por que a animosidade gerada pelo grande envolvimento da opinião pública no caso, não será dissipado facilmente e restarão arestas importantes a ser aparadas. O que se conforma como oportunidade não só de restaurar boas relações bilaterais, mas de injetar novo ar no estagnado MERCOSUL. Contudo, essas trincas nas relações entre os dois estados e o atual estado de coisas na política interna argentina e o estilo do “Casal K” não sugerem um cenário tão positivo no curto prazo.

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