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Brasil e Caribe

Abri essa semana escrevendo criticas contundentes a gestão da política externa brasileira, como fica claro no post anterior e muitos dos erros e vícios que venho tratando aqui se repetiram nessa ocasião, contudo, nem só de erros táticos e estratégicos se faz a PEB. A aproximação em curso com o Caribe que já se vem desenhando há algum tempo, com o Brasil, participando do CARICOM e lentamente se envolvendo em assuntos da região que tradicionalmente não era foco da atenção da chancelaria.

Nesse contexto, temos a MINUSTAH, que serve não só como mecanismo de demonstração da capacidade de operação militar em um local afastado, superando os desafios logísticos embutidos nesse tipo de ação, além de reforçar a imagem brasileira de ser pró-multilateralismo, e ser uma demonstração de algum comprometimento brasileiro em arranjos de segurança coletiva, serve também para gerar boa vontade quanto ao Brasil nessa região.

O Caribe, todos nós sabemos, é zona de influência e interferência dos EUA, desde que a Doutrina Monroe foi estabelecida, portanto mesmo em períodos isolacionistas o Caribe continuava a ser zona de influência, poderíamos voltar aqui às guerras com o México e com a Espanha, mas creio ser desnecessário. Por que é fato a força e a influência dos EUA na região, a própria resolução da crise Hondurenha, mostra isso. Além dessa velha hegemonia americana na região a problemática das “Maras” [sei que sempre que falo da região falo isso, mas o problema é deveras sério] gera espaço e sinergias para cooperação estreita, principalmente e obviamente militar.

O crime transnacional e as pressões da OCDE contra os paraísos fiscais são praticamente as únicas coisas que vêem a mente das pessoas quando tratam da região numa análise de relações internacionais, por que de modo geral o Caribe lembra praia, lembra, por sinal, filmes clássicos do 007, com Sean Conery (como nasci velho é para mim, o eterno Bond, James Bond), a soberba velocidade do Usain Bolt e a poesia engajada de Bob Marley.

Nesse cenário o Brasil tem muito a ganhar estreitando o relacionamento com o Caribe, seja no campo do intercambio comercial, cooperação técnica, Investimentos Diretos de empresas brasileiras. De maneira geral a aproximação com o Caribe é também parte da política Sul-Sul que tem sido tônica da PEB, (e olha não é invenção de Amorim e Lula, os governos militares já haviam começado isso, com a aproximação com a África, por exemplo).

Sinceramente, não tenho conhecimentos suficientes para fazer um levantamento detalhado do histórico das relações entre Brasil e Caribe (por sinal, convido aos leitores para enviarem links e sugestões de bibliografia sobre esse assunto e até seus textos que podem até ser publicados aqui), contudo aqui vou tecer alguns comentários baseados em minha experiência.

Como consta em meu currículo resumido que está aqui apresentado participei como voluntário no cerimonial da Câmara dos Deputados, que a época era presidida pelo ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves, por sinal esse evento a Cúpula Parlamentar das Américas foi marco de encerramento da gestão dele a frente da “Casa do Povo”. Nesse evento nosso papel era basicamente de auxiliar os funcionários da casa (muito competentes e trabalhadores a despeito das críticas generalizadas) no trato com os dignitários estrangeiros, e os parlamentares. Nesse sentido, por falar apenas inglês e espanhol, trabalhei com deputados dos EUA e América do Sul. Mas, lembro de uma longa e interessante conversa que tive com um parlamentar jamaicano.

Antes de adentrar nos meandros dessa conversa, o clima geral do evento era para troca de posições e sondagem não só das chancelarias, mas como dos diversos partidos, sobre a ALCA que nessa época era pauta obrigatória em qualquer evento, aula ou conversa entre acadêmicos, estudantes e interessados em relações internacionais.

Desse modo lembro-me bem, que apesar de um discurso fortemente antiimperialista por parte dos políticos de esquerda e tendências de nacionalismo econômico nos direitistas os países caribenhos eram muito positivos aos tratados de livre comércio com os Estados Unidos e diziam que o Brasil não era presente na região e que a intransigência do Brasil bloqueava seus interesses, principalmente em acesso a mercados para seus bens agrícolas que bem ou mal já conseguem entrar no mercado do norte por meio dos sistemas de preferência – SGP.

Parecia claro a época que ambição de liderança regional brasileira esbarrava na natural liderança mexicana em suas cercanias e a hegemonia dos Estados Unidos no continente, apesar de movimentos políticos que se contrapõem e que alias constroem sua visão de mundo em torno do combate a influência americana. Portanto, essa estratégia de expansão de influência exigiria muito esforço, além de abrir várias novas embaixadas, ou seja, a estratégia nacional de ser global player exigiria esforço orçamentário, por que sem maior dotação, não seria possível ao Itamaraty expandir seus quadros.

O Caribe é mais uma faceta de um tabuleiro político mais complicado que o Brasil joga atualmente, ao gradativamente se envolver mais ativamente na política mundial, por isso que digo que concordo estrategicamente com o Itamaraty, ou seja, é favorável ao interesse nacional expandir sua participação política o que favorece o objetivo do desenvolvimento nacional e também, por isso sou tão critico ao “desperdício” desse capital política tão duramente conquistado, por motivos que não servem ao interesse nacional. E mais o crescente viés ideológico, pode prejudicar, acordos futuros, já que torna um esforço político consistente em manobras voluntarista de diplomacia presidencial que se fiam excessivamente em carisma de um líder que é temporário.

É louvável, portando, expandir a atuação e influência política no Caribe, contudo, temo que a ação em Honduras pode ter deixado em setores da opinião pública da região uma impressão de que o Brasil seria intervencionista, pecha que sempre pairou sobre nossa política externa e sempre alimentou desconfianças, mas com esmero e cooperação isso pode ser superado, com instrumentos de softpower e o Brasil tem suas telenovelas e seu futebol e não podemos menosprezar essas influencias culturais para criar boa vontade.

PS: O Caribe tratado nesse texto não inclui a política para Cuba e para o Haiti, que tem suas dimensões na agenda brasileira, bem maior que a região. Isso é claro, inclusive, para qualquer um que analisa os assuntos internacionais com mais esmero, ainda que eu tenha citado a MINUSTAH. 

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