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Negociação e fluxo de informação

Escrevi em um texto intitulado “Por que contratar um bacharel em relações internacionais?” que um dos principais motivos para fazê-lo é a capacidade negociadora desse profissional, que resumidamente decorre de sua capacidade de preparação para negociar já que é multidisciplinar por natureza, o que no caso comercial permite que ele se comunique muito bem com todos os setores da empresa e faça uma boa analise o que o leva a criar uma boa estratégia de negociação, contudo a experiência prática de negociação é importante ao permitir que o negociador rapidamente perceba as correções táticas necessárias.

É óbvio até para quem não é iniciado na área que é preciso tipificar a negociação, ou seja, se emprega mecanismos diferentes de acordo com objetivos que ser alcançar, afinal não se usa a mesma técnica para negociar um acordo do tipo “integrative” ou “distributive”. Integrative negotiations são as que as partes envolvidas almejam ganhos conjuntos. Distributive negotiations são as que as partes estão interessadas em maximizar seus ganhos individuais.

De maneira geral pode-se dizer que uma negociação é um processo que intenta criar valor comum e determinar como esse valor criado será distribuídos entre as partes. Por exemplo, em uma negociação de exportação as partes tentam criar um valor comum que é o acordo para negociar e competem pela distribuição dos ganhos, ou seja, quem vai arcar com seguros, transporte, impostos, qual será o prazo e o nível de lucratividade da operação. Nesse exemplo o valor é o negocio exportar e a distribuição deles determina como esse negócio é percebido pelas partes.

Negociações como essas do exemplo pressupõe que as equipes dos atores envoltos no processo se usam de métodos de negociação, ou seja, se parte do principio que estão preparados e tem suas previsões de ação pré-estabelecida, e tentaram maximizar seus ganhos e para isso não só as propostas técnicas serão avaliadas, mas os próprios negociadores.

Nesse processo uma parte importante da negociação, como não poderia deixar de ser é a troca de informação, ou seja, o valor é criado por meio da comunicação entre as partes, contudo quando exprimimos algo em uma negociação iniciamos um processo chamado “common knowledge” que nesse contexto significa o conhecimento que as parte dividem, esse conhecimento compartilhado é claro hierarquizado pelas partes. Esse fluxo de informações pode se mal conduzido inviabilizar um negócio ao gerar desconfiança entre as partes a ponto de rompimento dos negócios.

Os estudiosos em teoria dos jogos se ocupam da importância da informação, contudo, como mecanismo epistemológico fazem simplificações sobre a assimetria de informação que não abrangem a complexidade da situação negociadora, essa corrente assume que as informações ou são conhecidas por todos ou não são. Contudo, numa negociação a percepção que se tem da informação (e as informações adicionais que essa percepção gera) são tão importantes quanto saber se a informação é pública ou não. Isto porque essa percepção constrói parte da imagem que se tem sobre a contraparte durante a negociação.

O problema do fluxo de informação em questão não é a assimetria de informações, mas como já deve ter ficado claro o problema da interpretação dessa informação, dos juízos que esse intercâmbio negocial cria. Como ilustram Barry Nalebeuff e Ian Ayres em seu estudo “Common Knokedge as a barrier to negotiation”: “When we communicate one thing, we often unavoidably send other messages. To start with a simple example, imagine that Ian says to Barry, “My mother’s name is Karen.” From Ian’s communication, Barry learns more than just the underlying bit of information (mom’s name). The communication also lets Barry know that (a) Ian knows his mom’s name and (b) Ian knows that Barry knows Ian’s mom’s name.” Essa cadeia continua no estilo “ele sabe que eu sei que ele sabe”.

Essa cadeia continua criando uma hierarquia de informação que pode prejudicar a negociação, por exemplo, no decorrer de uma negociação você emprega uma tática eticamente ambígua, por exemplo, um ultimato. Você sabe que usou esse ultimato e a contraparte também sabe e você sabe que ele sabe e ele sabe que você sabe que ele sabe (não, não é uma anedota) nesse contexto você pode começar a desconfiar dele, afinal por que ele aceitou o ultimato ou começa a se pensar que ele costumeiramente faz acordos eticamente ambíguos já que aceitou o ultimato agora em breve dará um troco.

Como visto uma simples e clara troca de informações entre as partes se torna conhecimento comum e alteram o clima da negociação. Por que ao se tornarem conhecimento comum criaram percepções acerca das táticas empregadas. A essa percepção se chama costumeiramente de “higher-order beliefs” e é particularmente nociva em negociações nas quais as parte estão indispostas a ceder.

Essa pequena incursão pelas táticas de negociação nos mostra como a atividade exige muito mais que intuição e conhecimento técnico, um bom negociador deve ter controle de sua inteligência emocional e dos termos que utiliza, além de ter conhecimento suficiente para construir um plano de negociação, lógico e inteligente e ter algum grau de percepção para variações táticas. Embora, eu deva ressalvar que raramente se negocia sozinho portanto habilidade de gerencia de pessoas também são úteis. Isso nos mostra que mesmo atividades de “comércio exterior” exigem preparação intelectual que quanto mais elevada melhor, mesmo com a linguagem sendo completamente diferente da acadêmica as capacidades mentais são as mesmas.

Um conselho adicional para os que são estudantes de relações internacionais, tão importante quanto estudar os “position papers” e “backgrounds” para as simulações é estudar técnicas e táticas de negociação e empregá-las de acordo se familiarizando com mecanismos que podem ser essenciais para o seu crescimento profissional.  

Comentários

Anônimo disse…
Parabéns por mais um excelente post! É de extrema importância que o mercado de trabalho e atémesmo os aspirantes a internacionalistas entendam o papel da profissão.
Parabéns!

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