Uma cidade dominada por bandidos armados e perigosos que se infiltram em comunidades carentes onde se transfiguram em redentores da pobreza e do descaso, mimetizando discursos e táticas outrora usadas por revolucionários. Enraizando o crime a cultura local, corrompendo a moralidade estabelecida e até mesmo gerando ritmos musicais devotados a propalar e ‘glamourizar’ os atos criminosos. Enquanto autoridades corrompidas e acuadas não sabem como reagir a criminalidade que ameaça a romper a ordem estabelecida.
A cidade em questão é a Ciudad Juarez no México, mas poderia ser qualquer grande cidade da América Latina, (como o Rio de Janeiro, Bogotá, Caracas, La Paz , Quito), contudo a situação mexicana é mais grave o narcotráfico encontra nos milhares de quilômetros que unem esse país ao maior mercado consumidor de drogas do mundo números pontos de travessia e nos migrantes obrigados a cruzarem o Rio Bravo ilegalmente mão-de-obra (voluntária e involuntária) para sua nefasta empresa.
As famílias criminosas conhecidas como cartel de Sinaloa, cartel do golfo (que atua com infames zetas, ex-membros das forças especiais mexicanas que protegem as rotas de tráfico) entre outros aterrorizam as pessoas e intimidam testemunhas e têm lançado uma campanha de assassinatos contra autoridades policiais não só mexicanas, mas norte-americanas que atuam no México. Essa semana o presidente Calderón novamente exigiu maior cooperação das autoridades dos EUA para combater não só a demanda por drogas, mas o trafico de armas que flui no sentido inverso ao de drogas. Bem como a remessa dos lucros da venda de drogas. Vários encontros de alto nível entre autoridades dos dois Estados sinalizam que há espaço para uma cooperação mais intensa. Com a ressalva sempre feita por Calderón que a cooperação deva ser em inteligência e convergência de políticas públicas. Evitando sinalizar que permitiria a atuação de forças de segurança estrangeiras em seu território.
De certa maneira o caso mexicano ilustra uma discussão recente e muito profícua na América Latina que é o papel das forças armadas que foram (em certos países como o Equador e Bolívia) re-configuradas como forças de manutenção da ordem interna o que se chama de papel de polícia. Essa doutrina é debatida com vigor já que levanta mudanças legais para permitir esse tipo de ação das Forças Armadas, além de embates políticos e sobre violações de direitos humanos.
O emprego de forças armadas em combate ao crime é polemico não só pelas questões que enunciei acima, mas por que essa readequação das forças pode em ultima instância gerar dois problemas: o desvio do foco das FA que pode gerar problemas de segurança externa e corrupção e infiltração dos criminosos nas FA. O dois casos deixam a própria existência do estado em cheque, que pode até mesmo ser derrubado ou falir. A implosão de um estado como México não só desestabilizaria a América do Norte, como todo o continente americano.
Uma vez que uma interferência dos EUA seria imprescindível para sua própria segurança e não é difícil imaginar o clamor que uma invasão americana provocaria nos Estados Latinos. Claro que o quadro de falência do estado mexicano não parece estar em curso.
A questão mexicana ilustra bem o grau de coordenação internacional que se torna necessário para combater organizações criminosas que estão cada vez mais transnacionais e imersas em suas próprias disputas “geocriminosas” (uma versão corrompida da geopolítica), isto é, suas disputas por territórios que não coincidem com as fronteiras políticas, aliás, não só disputas como cooperação também, já que essas quadrilhas se ramificam e interagem entre si.
A questão toda vai além só do combate a criminalidade que por corrupção ou inépcia cresceu a ponto de se tornar uma ameaça a estabilidade de toda América Latina, basta ver o caso colombiano ou como esses bandos afetam a vida e a política das nações da América Central. A questão da criminalidade não só ameaça estados mais débeis como causa muitos problemas a países mais bem institucionalizados.
Cabe acompanhar de perto o caso mexicano (para um acompanhamento jornalístico recomendo o bom trabalho de cobertura que têm feito os britânicos da BBC) que potencialmente pode elucidar muitas duvidas etéreas dos teóricos e analistas de relações internacionais, política e criminalidade ao nos dar dados sobre o emprego das forças armadas no combate ao crime e como aliar o combate a direitos humanos e democracia. Espero que as lições da guerra mexicana as drogas ajudem a construir uma maneira efetiva de enfrentar a ameaça que é o narcotráfico.
Comentários
É realmente algo preocupante.