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Ler, Refletir e Pensar

Até hoje a paz nos tem aparecido como a supressão, mais ou menos durável, das modalidades violentas da rivalidade entre os Estados. Costuma-se dizer que “reina a paz” quando o intercâmbio entre as nações não se manifesta por meio de formas militares de luta. Contudo, como esse intercâmbio se efetua à sombra das batalhas passadas e sob o temor ou a expectativa de futuras batalhas, o princípio da paz (no sentido que Montesquieu emprega o termo, na sua teoria do governo), não difere muito do princípio da guerra. A paz se fundamenta na potência, isto é, na relação entre os diferentes graus da capacidade que têm as unidades políticas de agir umas sobre as outras.
Como em tempos de paz a relação entre as potências é a expressão mais ou menos deformada da relação de forças reais ou potenciais (sem chegar a ser o seu reflexo exato), os diferentes tipos de paz podem ser relacionados com vários tipos de relação de forças. Pode-se distinguir assim três tipos de paz: o equilíbrio, a hegemonia e o império: num espaço histórico dado, ou as forças das unidades políticas estão em equilíbrio, ou estão dominadas por uma dentre elas, ou então são superadas a tal ponto pelas forças de uma unidade que todas as demais perdem sua autonomia e tendem a desaparecer como centros de decisão política. Chega-se, assim, ao Estado imperial, que detém o monopólio da violência legítima.
Poder-se-ia objetar que, pela sua própria natureza, a paz “imperial” deixa de ser uma “conjuntura de política externa”, sendo impossível de distinguir da paz civil (a ordem interna do Estado). É uma objeção que poderia ser aceita se nossa tipologia fosse puramente abstrata, sem relação com os dados históricos. Se há casos em que a paz imperial não se distingue da paz nacional, a assimilação da primeira à segunda, em todas as circunstâncias, revelaria desconhecimento da diversidade das situações respectivas.
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ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Ed. UnB, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo. 2002 p.220.

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