Pular para o conteúdo principal

Contencioso do Algodão (Parte – IV)

A decisão de acionar as medidas compensatórias não é uma decisão que seja irreversível, como muitos especialistas declararam as várias redes de televisão e para os jornais. É uma ferramenta de pressão que visa diminuir o poder do lobby grassroots da agricultura americana.

Esse tipo de lobby é particularmente difícil de enfrentar por que ao contrário da pressão feita em gabinetes que sempre é mal visto pelas pessoas esse tipo de lobby movimenta as comunidades interessadas de um modo muito similar aos movimentos sociais, ou seja, se tornando uma causa. Esse tipo de levantamento une os produtores rurais em um bloco coeso, sejam eles grandes ou pequenos produtores que por sua vez exercem grande pressão em seus distritos, exigindo dos congressistas medidas de apoio. Ao mesmo tempo financiando aqueles políticos alinhados as suas demandas (não importa se alinhamento “de coração” ou “interesseiro”).

O Brasil tem suas mãos nesse momento boas oportunidades de barganha por força das condições econômico-políticas nos EUA que colocam em cheque a capacidade desse governo de financiar sua divida pública havendo um clamor por austeridade fiscal. Esse clamor, por sinal, tem sido um grande desafio para a aprovação da reforma do sistema de saúde proposto por Obama. Os movimentos conservadores têm usado o discurso da austeridade de maneira ostensiva e esse discurso foi em parte adotado pelo recém eleito Senador Scoot Brown. Nesse caso um prejuízo a setores produtivos pode ser associado a ação governamental e a pressão pode vir de um entendimento que os subsídios dão duplo prejuízo ao serem caros para o contribuinte e ao impedirem as empresas de exportar para o Brasil, gerando empregos (tão necessários) e renda que ajuda a mitigar os efeitos da crise.

Embora esse cenário seja possível é wishful thinking crer que a ação não terá repercussões que podem travar ainda mais a agenda bilateral que avançou recentemente, é verdade, com acordo tributário para prevenir a dupla tributação, um avanço que é a muito esperado pelos empresários dos dois países. Interessante notar que o Brasil conseguiu que Medidas Compensatórias cruzadas o que pode ser bastante eficaz para provocar a negociação, já que assuntos relativos ao GATS são muito sensíveis entre as autoridades e empresariado dos EUA.

O episódio é uma ótima demonstração de política externa que dessa feita não está escolhendo um caminho áspero ao largo do interesse nacional, essa disputa agrícola está no cerne do que considero como núcleo do interesse nacional que é a busca por meios que viabilizem o desenvolvimento sócio-econômico do país. E isso é uma diferença enorme de se opor aos EUA por motivos de solidariedade ideológica.

Além de ser uma disputa pragmática para cessar os danos aos produtos nacionais há ainda uma questão de princípio que é o livre comércio, esse princípio norteia o sistema multilateral de comércio. E a agenda multilateral é ponto fulcral da diplomacia brasileira bastante atuante nas negociações em Doha.

Claro que as medidas anunciadas trarão algum prejuízo aos consumidores que têm o hábito de consumir produtos americanos e os importadores e lojistas que os revendem que terão preços mais altos e a depender da elasticidade do produto terão uma redução do volume. Contudo, é o preço do processo e arriscando soar fatalista alguém terá sempre que pagar o preço.

Por isso mesmo medidas compensatórias são tão raramente utilizadas são uma ferramenta de barganha, ou seja, são utilizadas para pressionar e obrigar aos negociadores que sejam criativos e encontrem acordos. O lado negativo é que a própria natureza dessa negociação não garante que cessem os danos provocados pelos subsídios ilegais já que não raramente a solução encontrada é oferecer vantagens em outros setores em que as mudanças de legislação sejam mais fáceis de alcançar.

É provável, portanto que o setor algodoeiro não consiga se livrar dos efeitos nocivos das medidas que apresentei em posts anteriores, por isso mesmo pressionam para que o MDIC e o MRE não deixem de atuar no sentido de que cessem os subsídios. Como tudo em relações internacionais interesses conflitantes norteiam as questões.

Reitero que o caso do algodão a atual postura do governo brasileiro são exemplos de profissionalismo e integração dos setores produtivos e o governo. E nesses dias em que analistas nacionais e estrangeiros afirmam que o apoio ao Irã demonstra a elevação da autoestima da diplomacia nacional é revigorante ver que a diplomacia pode ser independe e altiva sem ter que se ver isolado do mundo apoiando regimes duvidosos, para dizer o mínimo. Como sempre nos resta agora aguardar os próximos passos que serão dados ou com sucesso da negociação ou com a implementação das medidas compensatórias. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Bye, bye! O Brexit visto por Francisco Seixas da Costa

Francisco Seixas da Costa é diplomata português, de carreira, hoje aposentado ou reformado como dizem em Portugal, com grande experiência sobre os intricados meandros da diplomacia européia, seu estilo de escrita (e não me canso de escrever sobre isso aqui) torna suas análises ainda mais saborosas. Abaixo o autor tece algumas impressões sobre a saída do Reino Unido da União Européia. Concordo com as razões que o autor identifica como raiz da saída britânica longe de embarcar na leitura dominante sua serenidade é alentadora nesses dias de alarmismos e exagero. O original pode ser lido aqui , transcrito com autorização do autor tal qual o original. Bye, bye! Por Francisco Seixas da Costa O Brexit passou. Não vale a pena chorar sobre leite derramado, mas é importante perceber o que ocorreu, porque as razões que motivaram a escolha democrática britânica, sendo próprias e específicas, ligam-se a um "malaise" que se estende muito para além da ilha. E se esse mal-estar ...

Fim da História ou vinte anos de crise? Angústias analíticas em um mundo pandêmico

O exercício da pesquisa acadêmica me ensinou que fazer ciência é conversar com a literatura, e que dessa conversa pode resultar tanto o avanço incremental no entendimento de um aspecto negligenciado pela teoria quanto o abandono de uma trilha teórica quando a realidade não dá suporte empírico as conjecturas, ainda que tenham lógica interna consistente. Sobretudo, a pesquisa é ler, não há alternativas, seja para entender o conceito histórico, ou para determinar as variáveis do seu experimento, pesquisar é ler, é interagir com o que foi lido, é como eu já disse: conversar com a literatura. Hoje, proponho um diálogo, ou pelo menos um início de conversa, que para muitos pode ser inusitado. Edward Carr foi pesquisador e acadêmico no começo do século XX, seu livro Vinte Anos de Crise nos mostra uma leitura muito refinada da realidade internacional que culminou na Segunda Guerra Mundial, editado pela primeira vez, em 1939. É uma mostra que é possível sim fazer boas leituras da história e da...