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Brasil protagonista no Oriente Médio? Devagar com andor

O Presidente da República (em fim de mandato) Lula chegou a Israel para seu mais novo giro pelo Oriente Médio, pela primeira vez um líder eleito do Brasil vai a região já que o ultimo que por lá esteve, esteve muito antes da existência do Estado de Israel, foi o Imperador D. Pedro II, portanto no século XIX.

Lula desembarca com pretensões negociadoras declaradas, a essa altura o leitor já tem conhecimento da pequena controvérsia acerca da ida, ou melhor, não ida do presidente ao tumulo do fundador do sionismo (movimento político que culminou na fundação do Estado de Israel). Não abordarei a questão das gafes nesse momento ainda me faltam elementos para avaliar o impacto que isso pode ter no campo da imagem. Politicamente creio que o impacto deve ser mínimo já que as relações diplomáticas são mais racionais e mesmo frias que as relações entre os políticos.

O foco desse texto é a atuação pretendida por Lula de papel protagonista nas negociações nessa região (tenho minhas dúvidas se os diplomatas profissionais compartilham dessa visão em sua maioria). É fato que o Brasil foi convidado a compor o grupo de negociadores e de certa maneira é um reconhecimento da ascensão política e econômica advinda da estabilidade monetária, tão duramente alcançada desde a redemocratização. 

Os entusiastas dessa participação defendem que isso é a cristalização do reconhecimento do prestigio pessoal de Lula e do status de líder com vocação global do Brasil, seria uma espécie de evidência espetacular da superação do chamado “complexo de vira-lata”. Poderia ser também a reparação da injustiça contra o sul, uma espécie de reparação dos poderosos quanto aos povos e nesse caso Estados oprimidos. Poderia se dizer jocosamente (ou não) que se trata de uma luta de classes vestfaliana.

De maneira prática os partidários do envolvimento maior afirmam que o Brasil possui neutralidade, coisa que outras partes não teriam notadamente os Estados Unidos, esse neutralidade legitimaria a mediação brasileira, que poderia agregar algo as negociações a partir de sua experiência interna conciliadora, isto é, estaria o Brasil legitimado pela convivência pacifica dos naturais da região e seguidores das religiões que compõem a disputa dentro de suas fronteiras. Nesse caso a legitimidade da participação se daria no fato de ter sido convidado.

Essa neutralidade pode ser contestada a luz das declarações claramente tendenciosas feitas por líderes do partido dos trabalhadores, pelo assessor especial Marco Aurélio Garcia que são na linha da chamada esquerda mundial que prega o apoio quase incondicional as demandas palestinas.

O engajamento brasileiro na região apresenta problemas operacionais que não podem ser ignorados como a falta de experiência nesse tipo de questão, sem contar as questões de caráter objetivo para o envolvimento maior que são as capacidades operacionais financeiras e humanas (por exemplo, capacidade de participar de uma missão de paz, ou missões de apoio técnico de larga escala).

Ainda mais grave para a tese da natural influencia brasileira é a sua conexão iraniana, ou seja, é apresentada a questão como se o Brasil pudesse ser interlocutor entre Teerã e Tel-aviv. Uma tese que só seria concebível se houvesse intenção de negociação entre esses atores, o que não consta estar na agenda do dia. Além disso, o apoio político do Brasil ao Irã que se manifesta não só na pública defesa do Regime (como no caso das eleições), mas também no histórico de votação do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU. No qual sempre que é possível o Brasil vota contra Israel e a favor de bloquear qualquer reprimenda aos grupos e Estados que se opõem a Israel, mesmo os que usam de táticas terroristas.

Não são poucos os analistas que sustentam que falta ao Brasil condições e experiência para lidar com uma questão tão delicada que envolve vários atores com agendas e conflitos distintos que são obviamente intercalados em que somente os mais inocentes agrupam os lados em Judeus e Mulçumanos. Mesmo que a componente religiosa seja habitualmente usada para justificar posições enraizadas que mais tem a ver com poder secular do que com aspectos religiosos.

Os defensores da atuação engajada e protagonista (como gostam de nomear) do Brasil costumam refutar as criticas as atribuindo ao complexo de inferioridade de alguns, inveja dos conservadores (sic), ou de “aposentadinhos do MRE” como se referem a diplomatas aposentados que livres de suas obrigações funcionais passam a analisar de acordo com suas consciências. E isso claro é uma posição falaciosa que não se atem ao debate, mas é comum e por incrível que pareça convence a alguns.

A meu ver o engajamento nessa região com protagonismo é um wishful thinking por que faltam ao Brasil elementos que possam fazer disso uma verdade, ainda que Lula seja um ser político conhecido no mundo e idolatrado em meios esquerdistas e entre alguns atores da região isso por si só não basta. É claro que o ufanismo, nacionalismo e partidarismo irão usar dessa viagem para se inflamarem, mas é preciso se perguntar se realmente o Brasil produzirá algum ganho concreto na negociação.

Por agora fico com o velho dito popular: “devagar com o andor por que o santo é de barro”. 

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