Em muitos textos aqui publicados tenho sido crítico com a diplomacia do governo Lula que vem sendo muito elogiada em setores da imprensa e entre analistas de relações internacionais, minhas críticas se constroem não só por objeções ideológicas, que como conhecedor da minha própria axiologia sei que fazem parte da crítica já que englobam minha cosmovisão, algo que pode ser descrito como o cenário ideal aquilo que “deveria” ser. Há um ditado entre os jornalistas que diz que não se deve brigar com a notícia. Portanto, embora eu tenha em mente um grupo de características ideais do que deveria ser o sistema internacional e o comportamento do Brasil. Prefiro o exercício de tentar conter ao máximo essa dimensão utópica e busca no espírito do ditado citado não brigar com a realidade. Ou seja, não faço analises buscando mostrar o caminho para alterar a realidade, mas analiso a realidade para tentar entendê-la, entender sua construção e os desafios e opções à frente.
Esse espírito anima as minas criticas e minhas análises e esse tipo de reflexão suscita em determinados momentos muito mais questões que respostas e ao longo do tempo exige o constante depuramento de suas conclusões (afinal o método cientifico é assim) e se acaba por mudar de opinião, por que a força irresistível dos fatos se faz sentir. Muito bem, feita essa pequena digressão (e clara violação das regras do bem escrever que dizem que se deve logo no primeiro parágrafo deixar claro sobre o que se escreve) vamos ao tema, que não é novo, na verdade é um debate tratado proficuamente aqui, é o tema da discrepância entre discurso e prática em política externa, mais necessariamente na política externa do Brasil.
Nessa semana tivemos a Cúpula do Grupo do Rio no México que tratou da atual grita da Casa Rosada e do Palácio San Martín acerca do enclave insular britânico que é disputado e já foi alvo de uma deflagração militar que deixou pouco mais de mil mortos em 1982, da grande complicação que é Honduras (já explico), da solidariedade ao Haiti e da criação de mais um organismo regional. O primeiro e o ultimo tema foram amplamente cobertos pela imprensa e tem sido alvo de análises interessantes e outras óbvias, a questão hondurenha foi tratada marginalmente, mas foi discutida é verdade.
As sonoras e citações do presidente Lula, do ministro Amorim e do assessor especial Garcia despertaram alguns questionamentos sobre as linhas da política externa, uma coisa é clara e inconteste, o Brasil almeja a liderança regional. O Brasil mantém a linha inaugurada com FHC de paulatinamente se tornar um global player e isso por definição exige um maior envolvimento nas questões regionais e extra-regionais, daí a preocupação de Amorim em sempre citar o convite recebido para fazer parte do grupo dos intermediadores de um acordo de paz entre israelenses e palestinos (ainda que hoje esse status tenha sofrido um baque como mostra essa reportagem do Estadão), por exemplo.
Fica claro que estrategicamente o Brasil age de maneira certa buscando como se espera de uma potência média reforçar a importância de organismos multilaterais e agir nesses fóruns para maximizar seu poder (lembrando que poder como dizia Morgenthau é avaliado relativamente, ou seja, sempre se tendo em conta o poder dos outros atores e por isso mesmo não estático e sim um contínuo), contudo as escolhas táticas têm exposto o Brasil a atritos em sua política externa. A natureza dessas escolhas é segundo as autoridades da república uma natureza pragmática. E isso é altamente duvidosa já que numa análise fria é sempre mais pragmático evitar conflito.
Por exemplo, a questão do Irã. É uma posição pragmática defender no Conselho de Segurança um regime que claramente viola os princípios democráticos que marcam a Carta de 1988. O mais pragmático a meu ver seria manter o relacionamento com o Irã, que é lucrativo e antigo, mas não trazer essas relações para o primeiro nível, poderia ser conduzida discretamente, sem visitas de mandatários, sem declarações sobre a plenitude da democracia iraniana ou relegando as manifestações contrárias ao regime ao jus espernandi de derrotados nas eleições.
O governo almeja uma posição de liderança na América Latina uma postura legitima de quem tem a maior população e PIB da região. Para quem tem essa aspiração é preciso sem dúvidas ser capaz de exercer liderança (poder) em suas cercanias e uma ótima possibilidade seria consolidar o MERCOSUL o que significa forçosamente a ser criativo nas negociações com o Paraguai e intermediar a ‘novela’ das ‘papeleras’ que opõem Argentina e Uruguai. O silêncio brasileiro nessa questão provavelmente se deve a aferição do Itamaraty do desgaste que essa mediação poderia trazer. Mas, a liderança tem seu preço.
A questão das bases militares colombianas cedidas aos Estados Unidos deixou a diplomacia e o governo brasileiro em polvorosa o que precipitou o plano conduzido pelo ministro Jobim (defesa) de construir no âmbito da UNASUL um conselho de segurança, o público desconforto do governo brasileiro escondeu a constatação que um líder regional não pode se furtar a participar dos esforços de pacificação das FARC, isto é a estratégia de reconhecer como beligerante e concedendo alguma legitimidade ou grupo guerrilheiro sob pretexto de que isso facilitaria a posição do Brasil como mediador do conflito e o isolamento do governo colombiano o colocaram numa posição em que a estreita parceria e cooperação militar com os EUA é a única opção da Colômbia. É como nas histórias de vampiro se os EUA são o mal, são o mal que convidamos para a nossa casa.
Ano passado escrevi uma série de textos sobre as relações entre China e África e fica patente estudando essas relações que a China em sua constante busca por fornecedores de matérias primas, recipientes para investimentos e parceiros comerciais, um perfil de relações próximo ao que é o Brasil almeja e uma marca dessa política, com exceção do assunto Tibet é seu low profile, ou seja, evitam atritos.
Assim me pergunto o que ganhou a política externa brasileira em seu recente ativismo vendido como altivez? O que ganhou o Brasil com discursos altamente moralistas sobre democracia em Honduras ao mesmo tempo em que dá braços efusivamente com ditadores, não só por ali mesmo no Caribe, mas na África, criando uma face hipócrita na política externa brasileira? Qual o ganho de defender o Irã quando esse declara um nível de enriquecimento de urânio muito superior ao necessário para uso pacífico? O que ganha o Brasil ao colocar valores do partido no poder como se fossem a vivida manifestação do interesse nacional?
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