Pular para o conteúdo principal

Mais um domingo, mais um leitor. Ou de volta a rotina

Recebi essa semana um e-mail com duvidas vindo da cidade do Rio de Janeiro de um leitor de 19 anos que já teve contato com área, o questionamento segue a linha da empregabilidade, além da dúvida o leitor tece elogios a esse blog, o que sinceramente agradeço já que como repito ad nauseam os leitores são a razão de ser desse blog. Abaixo transcrevo partes do e-mail como me foi enviado.

“Como muitos concluintes do ensino médio, fiquei na dúvida quanto a carreira a ser escolhida. Dentre as mais possíveis, optei por relações internacionais. Cheguei a cursar 1 período na Universidade Candido Mendes, no RJ, mas por assuntos de cunho financeiro tive que parar.
Entretanto, o que ficou bem lúcido, pra mim, nesse escasso tempo de ensino superior foi que a área de atuação do profissional de RI se baseia muito na pesquisa acadêmica. Percebi, basicamente, que se trata de um profissional que visa teorizar sobre os vários aspectos ligados a atuação dos países entre si e suas conseqüências no mundo como um todo, multidisciplinaridade.
Porém, percebi também que não sinto muita atração pela área estritamente acadêmica, talvez por ser uma pessoa muito prática e funcional, enfim. Muito se fala sobre a demanda em comércio exterior, mas receio que não passe de logística e da lida burocrática dos processos de importação e exportação, não sei. Fico triste pela falta de identidade como profissional de RI, como matéria lida em seu blog.
Penso em fazer cursos ligados ao mercado financeiro e estudar RI, mas não sei se é uma idéia coerente, mesmo que opte por comércio exterior na especialização. Também pensei em trocar RI por ciências econômicas, mas dela desconheço mais ainda, pois os tradicionais cursos de economia me parecem muito teóricos e pouco funcionais. O que mais me preocupa, sem dúvidas, é quanto ao mercado de trabalho, penso em que papel o internacionalista servirá dentro de uma empresa que não seja o burocrático.”
Bom [...] (como sempre suprimi o nome do leitor por respeito a privacidade) a definição que você vivenciou da profissão como sendo essencialmente acadêmica é verdadeira na medida que relações internacionais, como um todo e de forma pura (por falta de termo melhor) é objeto acadêmico, contudo o campo é amplo e comporta uma série de atuações que se utilizam de parte dos mecanismos analíticos aprendidos durante o curso. Essas subáreas de relações internacionais têm sido transformadas em áreas de concentração que alguns cursos utilizam para diferenciar seus egressos na esperança que uma carga maior de matérias, especialmente práticas, nesse campo forme um nicho de mercado.

É preciso lembrar algo que pelo seu e-mail sei que você sabe mas alguns leitores podem minimizar ou ignorar é que há um longo caminho antes que você esteja no lugar ideal de sua carreira, nós da chamada geração Y (não confundir com o excelente blog Generación Y, de Yani Sánchez), temos segundo muitos especialistas em RH uma enorme dificuldade de esperar, queremos como brincam esses mesmos especialistas, ser presidentes das empresas que trabalhamos em 5 anos. Fora o exagero a verdade é que se tem que lidar muito com trabalhos mais burocráticos, com tarefas menos “glamorosas”, viagens para destinos menos interessantes. Antes que se esteja em posição para tomar decisão, para agir livremente, isso em qualquer emprego.

No exemplo citado de comércio exterior, sei em primeira mão o quanto pode ser mentalmente desafiante e até criativo o trabalho com logística, com práticas e rotinas de comércio exterior, por um fato simples e complexo (sim é um paradoxo) de se lidar com seres humanos e com negociação. Não é tão ‘receita de bolo’ como parece de fora. Mas, de toda maneira antes que se possa desempenhar um papel de pensar a empresa, um chamado papel executivo, o qual um internacionalista a meu ver é talhado para desempenhar, é preciso ralar em papeis gerenciais operando o dia-a-dia da empresa.

No comércio exterior se tem a oportunidade de negociar com contrapartes uma atividade altamente enriquecedora para quem se pretende analista internacional, ainda que muitos egressos de prestigiosas universidades, alunos que por seus méritos são líderes das suas classes, olhem de cima para baixo para o comércio exterior, dizendo que não tem nada a ver com relações internacionais. Divaguei e generalizei, portando voltando ao fio da meada não dá para trabalhar sem lidar com burocracia, até artistas são obrigados a lidar com essa senhora complexa.

Por sinal burocracia não livra ninguém pergunte a um arquiteto ou outro tipo de profissional liberal que trabalhe em uma grande empresa e ele lhe dirá quantas horas ele gasta com relatórios, reuniões, orçamentos, etc. Para conseguir gerir um projeto que é essencialmente criativo.

O leitor fala em trabalhar com mercados financeiros aliando isso a relações internacionais, creio ser perfeitamente cabível ambicionar a isso, contudo, por força de lei, muitas das atividades ligadas a esse setor exigem formação em economia e cursos e certificados próprios definidos pelas autoridades reguladoras e/ou auto-reguladoras. Então cabe pesquisar esse campo e talvez seja um curso de economia, ou ciências econômicas uma opção condizente com suas ambições na vida.

Não conheço muito o dia-a-dia de um curso de economia, mas como uma ciência social aplicada tal qual relações internacionais, creio que o embasamento teórico forte e principalmente a capacidade de criar e utilizar mecanismos analíticos de rigor cientifico (com bases na econometria) são vitais para ser um bom profissional e esses conhecimentos que são de aplicação prática são adquiridos a partir da reflexão “abstrata” que é provida pelo estado da arte da ciência, ou seja, pelos desdobramentos e debates teóricos. Afinal sem essa reflexão nos tornaríamos autômatos e aplicaríamos acefalamente modelos.

Muito desse conhecimento prático, facilmente aplicável de uma rotina de trabalho que me parece ser o que você busca em um curso superior é conseguido em matérias avançadas, em estágios e ao longo de uma carreira profissional. No caso das relações internacionais, em especial, os dois últimos são particularmente verdadeiros, além é claro dos cursos de pós-graduação de caráter mais profissionalizante. Como especializações em comércio exterior, marketing, negociação, gestão de projetos entre outros.

Uma coisa sou obrigado a repetir o mercado de trabalho em relações internacionais é complexo e difuso, mas conheço inúmeras pessoas que trabalham em campos que em nada se parecem com o que se tem em mente quando se pensa em trabalhar depois de se formar em relações internacionais e contudo são pessoas realizadas estimuladas e o curso mesmo que marginalmente contribui para que essas pessoas sejam bons profissionais. Mas, há como é notório aqueles que se arrependem de cursar a decisão é individual, posso ajudar como eu faço apresentando elementos.

Seja qual for a decisão que você tome desejo toda sorte do mundo. Obrigado por ler meu blog e volte sempre (parece coisa de papel de padaria). 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Empregos em RI: Esperança renovada

“A esperança não é nem realidade nem quimera. É como os caminhos da terra: na terra não havia caminhos; foram feitos pelo grande número de passantes.” Lu Hsun. In “O país natal”. O tema empregabilidade domina os e-mails que recebo de leitores e os fóruns dedicados a relações internacionais. Não por acaso deve haver pelo menos 30 textos dedicados ao tema nesse site. E sempre tento passar minha experiência e as dos meus amigos que acompanho de perto. O tema sempre volta, por que sejamos francos nos sustentar é algo importante e vital se me permitirem essa tautologia. Pois bem, no próximo dia 19 de novembro ocorrerá uma grande festa que encerrará os festejos de 15 anos de existência do Curso de graduação em Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília. E como parte dos preparativos para essa data temos empreendido um esforço para “rastrear” todos os egressos de nosso curso. Nesse esforço temos criado uma rede de contatos e o que os dados empíricos me mostram é um tes...

O complicado caminho até a Casa Branca

O processo eleitoral americano é longo e complexo, sua principal característica é a existência do Colégio Eleitoral, que atribui aos candidatos uma quantidade de votos, que equivale ao número de senadores ou deputados (lá chamados de representantes) que cada estado tem direito no Congresso dos EUA. Esse sistema indireto de votação é uma fórmula constitucional enraizada no processo histórico da formação dos Estados Unidos, que buscava em um forte federalismo, criar mecanismos que pudessem minorar ou eliminar a possiblidade de um governo tirânico. Esse arranjo federalista se manifesta fortemente, também, na forma como a Constituição Americana é emendada, sendo necessário a ratificação de uma emenda aprovada no congresso pelos legislativos estaduais. São 538 votos totais no Colégio Eleitoral, a Califórnia tem o maior número de votos, com 55 e o Distrito de Columbia (equivalente ao nosso Distrito Federal) e outros 7 estados com 3 votos têm a menor quantidade, o censo populacional é usa...