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Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos. Ou nasce uma nova burocracia regional

A reunião do Grupo do Rio, sob presidência do México, por ocasião da II CALC, na paradisíaca e turística Playa Del Carmen, os membros desse Grupo (exceto Honduras) oficializaram o que já era apontado fartamente pela imprensa à fundação de um organismo regional latino em um simbólico ano se lembrarmos que é data do bicentenário das independências da América do Sul espanhola.

Sem dúvidas a renovada questão das ilhas Falklands/Malvinas dividiu a atenção da imprensa por ser a “crise da vez” além das visíveis fraturas deixadas pelo tratamento da querela hondurenha, além da tensão quase permanente entre Venezuela e Colômbia (com mais uma confrontação entre Chávez e Uribe). 

Ainda não há documentos que contenham os estatutos, regimentos e carta da nova organização que nos dêem uma compreensão de seus objetivos declarados e como esses objetivos se coadunam ou não com os interesses e estratégias dos membros, bem como os blocos, as alianças e as disputas de bastidores. Além da análise do perfil dos principais burocratas dessa organização.

A nova organização parece redundante ante a existência da Organização dos Estados Americanos e se tem especulado que sua criação é fruto do fracasso da OEA em defender sua carta democrática essa tese sofre um baque importante quando confrontada com declarações dadas ao final da primeira cúpula realizada em Salvador-BA, que davam conta do interesse em se criar um ente regional puramente latino. Portando nos resta a hipótese um tanto óbvia de que a nova organização é uma tentativa ostensiva de separar a região da enorme influência dos EUA. Que pode ter uma motivação pragmática ou ideológica, ainda que indícios apontem para a segunda hipótese. 

De um ponto de vista brasileiro e pragmático a organização seria um espaço de maior protagonismo  brasileiro em sua campanha de aumento de influência na América Central e Caribe, objetivando uma liderança regional que embase o pleito brasileiro por um assento permanente no Conselho de Segurança.

A Organização regional a ser criada serve indubitavelmente a audiência interna das esquerdas latinas por hora no poder que tem na chamada luta antiimperialista uma de suas mais públicas bandeiras, que animam inclusive a supracitada rusga entre Uribe e Chávez que tem a atual escalada provocada pela instalação de bases americanas em território colombiano. Chávez atribui a presença dessas tropas a uma iminente intervenção em sua "revolução" ou seu assassinato. 

Uma questão oportuna é sobre a validade e necessidade de se criar uma organização regional formal o que implica em gastos e alocação de pessoal ainda mais por que o Grupo do Rio parece ser um grupo de articulação bastante ativo e funcional. Mas, novamente será preciso aguardar como será o desenho institucional de tal comunidade para que se possa analisar.

Parece claro não obstante as ressalvas acima mencionadas que o novo grupo cumpre um objetivo de reforço da liderança brasileira levada a cabo pelo Itamaraty que reflete não só de uma ambição da política externa brasileira, mas também de um objetivo pessoal do presidente Lula que vem apostando em uma agenda de integração ainda que em quase 8 anos de governo não tenha alcançado avanços na integração física tão alardeada como estratégia.

Embora isso não abale a imagem e tampouco a popularidade do presidente Lula que deixa a reunião no México com muitos afagos no ego na bagagem e como o “líder indiscutível da América Latina” nas palavras do presidente mexicano Felipe Calderón. 

É também uma vitória de Cuba, que estava em uma difícil posição desde que sua entrada na OEA fora autorizada já que entrar nessa organização pressupõe a adesão a Carta Democrática o que poderia trazer embaraços ao regime autoritário da ilha. Dessa forma Cuba volta ao seio do sistema, por isso mesmo vemos um papel ativo de Raul Castro nessa cúpula.  

Apesar dos discursos triunfalistas e otimistas sobre a integração latina um árduo caminho deve ser percorrido para que a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos – nome provisório – possa realmente ser um organismo que cumpra os objetivos delineados, ainda mais com as flagrantes disputas políticas na região (algumas mencionadas acima). E muito desse trabalho caberá ao presidente-eleito do Chile Sabastián Piñera, já que esse país passa a ter a presidência pró-tempore do Grupo do Rio até 2013.

Fica a questão se sua existência é realmente necessária e se ira realmente facilitar o objetivo da integração ou se será apenas mais uma arena de disputa política sem resultados concretos e consumindo dinheiro dos contribuintes. E você leitor que opinião tem? (plagiando respeitosamente o estilo Caos RI)

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