Pular para o conteúdo principal

Identidade Profissional do Bacharel em Relações Internacionais

A caixa postal desse blog recebe constantemente dúvidas de leitores no que tange a empregabilidade na área de relações internacionais. A maioria são leitores que estão a pesquisar o curso e suas características de mercado. Outros são graduandos da área, esse segundo grupo levanta em mim algumas questões.

Esse texto é bom que fique claro não é resposta a nenhum questionamento que me chega e sim uma reflexão (que é constante, por sinal) sobre o campo e seus profissionais (aqui em termo amplo incluindo estudantes, docentes, pesquisadores, profissionais do setor público e privado e do terceiro setor). E por isso que o segundo grupo expresso acima suscita uma preocupação em mim.

A preocupação está correlacionada a aparente dificuldade de um grande grupo de graduandos e graduado em relações internacionais manifesta em definir claramente uma identidade profissional. Muitos deles não sabem como podem colaborar em uma empresa privada e em entrevistas não se mostram confiantes em defender suas habilidades, isso por que crêem não ter nenhum conhecimento especifico e por que não vislumbram aplicação prática do que aprenderam na universidade.

Nesse sentido lembro-me de alocuções que assisti ainda no século passado, durante o V Conesul, Encontro de graduando e graduados em relações internacionais do Conesul, realizado em outubro de 1999 em Brasília, proferidas pelo professores Eiiti Sato (UnB) e Shiguenoli Miyamoto (Unicamp) publicadas no ano 2000 pela Editora Universa (UCB) no livro “Relações Internacionais e desenvolvimento regional”.

Os dois professores trataram nesse certame do ensino das relações internacionais e da empregabilidade a luz de um fenômeno que a época estava em seu nascimento: a multiplicação dos cursos de relações internacionais. E já estava lá presente o assunto mais discutido em graduandos a empregabilidade e a dificuldade de acesso a vagas no mercado de trabalho.

E as duvidas eram muito parecidas com as que leio agora como bacharel e profissional da área. Giravam em torno da multidisciplinaridade e da crise de identidade que isso gera em duas frentes acadêmica e profissional.

A acadêmica se manifesta na ilusória percepção que o campo de relações internacionais não é um campo autônomo ou que ele é por demais dependente de outros campos ou ainda que o campo seria um amalgama de disciplinas com o nome ‘internacional’ de outros campos, como economia, por exemplo. O que pode ser rapidamente refutado por um estudo epistemológico mais esmerado.

A profissional deriva de fatores complexos relacionados a aplicabilidade do que é ensinado, de dificuldades de absorção no mercado, de não haver um epíteto especifico, de não haver uma reserva de mercado e de muitos professores não terem formação especifica em relações internacionais ou não terem atuado no mercado de trabalho ‘não-docente’, e em uma instancia mais nova deriva também da profusão de ênfases nos cursos (criadas para facilitar a empregabilidade é verdade).

Quanto a aplicabilidade do que é ensinado a percepção disso, a meu ver, depende muito da vivência do graduando e da qualidade do ensino e do extra-classe que lhe é ofertado, por exemplo, se ele tem ou não um professor capaz de apresentar a ele uma experiência concreta de uso do ‘rationale’.

As dificuldades de acesso ao mercado de trabalho são naturais em um curso relativamente desconhecido dos profissionais de RH já que apesar de não ser tão novo o seu ‘boom’ é bastante recente. Além disso, encontramos as dificuldades estruturais de uma economia em desenvolvimento e com taxas de crescimento baixas.

A questão do epíteto parece ser uma questão menor, quase anedótica, mas em certa maneira corrobora para o desconhecimento acima mencionado, já que falta uma marca para fixar, como gostam de falar os profissionais de branding. Sendo usado comumente o epíteto internacionalista que apesar de relativamente aceito na comunidade epistemológica das relações internacionais é vago e ambíguo e impreciso. Admito porem que as alternativas que vislumbro são verbalmente horrorosas de pronunciar como ‘internacionalogo’ ou algo nessa linha.

Reserva de mercado, na figura de regulamentação profissional, suscita uma discussão acalorada já que de um lado estão os que lamentam uma pretensa desunião da classe (?) de outro os que não vislumbram a possibilidade de se abarcar toda a gama de atuação profissional, nessa lei de regulamentação profissional, e assim acabariam as possibilidades de inserção congeladas. Além de que há uma discussão embutida acerca dos benefícios ou não que essa reserva traria para a sociedade.

A questão dos professores é um debate em andamento desde a fundação da Comissão de Especialistas em Relações Internacionais da Sesu do MEC. E compete a esse ministério, dentro dos limites legais impostos pela autonomia universitária, definir os padrões e fiscalizar o cumprimento dos mesmos. Posso dizer que um equilíbrio entre professores vindos de outros campos e os com formação em relações internacionais é fundamental para uma formação sólida e é preciso, também, haver um predomínio desse segundo grupo. É um fator a ser observado e cobrado pelos estudantes.

A questão das ênfases é particulamente complexa para os que estão a decidir por uma carreira, por que para esses vestibulando a escolha por uma ênfase significa uma escolha vinculativa a um tipo de atuação. O que claro não é verdade.

A ênfase surge do pensamento que o problema de empregabilidade em relações internacionais deriva de uma falta de formação especifica, não é nociva a idéia de complementar o núcleo básico de formação acadêmica em relações internacionais com conhecimentos práticos como já observava em 1999 o diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida:
“uma trading, por exemplo, ou seja, uma empresa de comércio exterior não se dispõe a contratar um profissional em virtude de um brilhante currículo acadêmico, mesmo se ele for egresso de uma conceituada faculdade pública. Ela é bem mais propensa a valorizar o conhecimento prático da nomenclatura aduaneira, da regulamentação de comércio exterior, das normas técnicas em vigor nos mercados estrangeiros”
Há, portanto, campo para conhecimentos específicos que são duramente conquistados não só na universidade, mas em estágios, cursos de curta duração.

O que é maléfico é que em nome de dotar o aluno com esse conhecimento se prive o mesmo dos rigores de uma formação sólida no núcleo duro que consiste o campo das relações internacionais, sob pena de privá-lo de uma capacidade analítica que se espera que ele tenha em algum ponto de sua carreira.

Sei que há entre os estudantes de relações internacionais (não todos é verdade) uma aversão injustificada aos conhecimentos técnicos ligados ao comércio exterior, que nascem de uma visão de que esse campo não seria pertencente as relações internacionais. Uma besteira já que a experiência prática de lidar com entraves legais, procedimentais e negociais do comércio exterior ajuda em muito na construção de uma analise internacional, mais calcada na realidade.

A crise de identidade entre os graduandos e graduados em relações internacionais é um tema complexos de raízes diversas que não pesam sob as instituições de ensino superior e professores, mas tem sua raízes também no graduando ou graduado. Sei ficar a distribuir culpas, já que é mais eficaz que cada um faça sua própria analise sobre sua realidade e concepções.

A superação dessa crise envolve muitas etapas e não sei se possuo a receita para isso, mas posso propor que cada um de vocês que lê esse texto faça uma reflexão profunda acerca desses temas que podem até parecer um tanto abstratos e a partir disso possamos achar respostas para perguntas simples e incomodas como o que fazemos profissionalmente?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Crise no Equador

Sob forte protesto das forças policiais e parte dos militares, que impedem o funcionamento do aeroporto internacional de Quito. Presidente Correa cogita usar dispositivo constitucional que prevê dissolução do Congresso e eleições gerais. Mais uma grave crise política na América do Sul. Numa dessas coincidências típicas de se analisar as coisas internacionais discutia semana passada numa excelente postagem de Luís Felipe Kitamura no laureado blog Página Internacional a situação equatoriana. A postagem tinha como título Equador: a instabilidade política e suas lições . Na qual o colega discorria sobre o péssimo histórico de conturbação política do país andino e sobre como o governo Correa parecia romper com isso usando a receita da esquerda latina de certo pragmatismo econômico e políticas distributivas. Mas, justamente a instabilidade política que parecia a caminho da extinção volta com toda força em um episódio potencialmente perigoso, que contundo ainda é cedo para tecer uma análise

Meus leitores fiéis, pacientes e por vezes benevolentes e caridosos

Detesto falar da minha vida pessoal, ainda mais na exposição quase obscena que é a internet, mas creio que vocês merecem uma explicação sobre a falta de manutenção e atualização desse site, morar no interior tem vantagens e desvantagens, e nesse período as desvantagens têm prevalecido, seja na dificuldade na prestação de serviços básicos para esse mundo atual que é uma boa infra-estrutura de internet (que por sinal é frágil em todo o país) e serviço de suporte ao cliente (que também é estupidamente oferecido pelas empresas brasileiras), dificuldades do sub-desenvolvimento diria o menos politicamente correto entre nós. São nessas horas que vemos, sentimos e vivenciamos toda a fragilidade de uma sociedade na qual a inovação e a educação não são valores difundidos. Já não bastasse dificuldades crônicas de acesso à internet, ainda fritei um ‘pen drive’ antes de poder fazer o back up e perdi muitos textos, que já havia preparado para esse blog, incluso os textos que enviaria para o portal M

Extremismo ou ainda sobre a Noruega. Uma reflexão exploratória

O lugar comum seria começar esse texto conceituando extremismo como doutrina política que preconiza ações radicais e revolucionárias como meio de mudança política, em especial com o uso da violência. Mas, a essa altura até o mais alheio leitor sabe bem o que é o extremismo em todas as suas encarnações seja na direita tresloucada e racista como os neonazistas, seja na esquerda radical dos guerrilheiros da FARC e revolucionários comunistas, seja a de caráter religioso dos grupos mulçumanos, dos cristãos, em geral milenaristas, que assassinam médicos abortistas. Em resumo, todos esses que odeiam a liberdade individual e a democracia. Todos esses radicais extremistas tem algo em comum. Todos eles estão absolutamente convencidos que suas culturas, sociedades estão sob cerco do outro, um cerco insidioso e conspiratório e que a única maneira de se resgatarem dessa conspiração contra eles é buscar a pureza (racial, religiosa, ideológica e por ai vai) e agir com firmeza contra o inimigo. Ness