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Haiti, ONU, Brasil e EUA ou ajuda humanitária uma questão de poder

A Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo desse domingo trazem reportagens que dão conta de um ‘desconforto’ (para ser contido) das autoridades brasileiras diante da massiva ajuda americana e envolvimento político dessa nação na reconstrução do Haiti, que valeu as forças armadas dos EUA o controle (e de fato com esse controle um aumento da capacidade) do aeroporto do Porto Príncipe.

Logicamente que a única superpotência restante tem uma capacidade operacional incomparavelmente superior a capacidade de um emergente, aspirante a líder regional, como o Brasil. Isso é uma constatação que não se converte em demérito do envolvimento e das capacidades das forças brasileiras nessa zona de desastre.

A ajuda humanitária no campo teórico das relações internacionais é vista de maneiras distintas de acordo com o ‘DNA’ teórico do analista, como toda cooperação internacional o grupo ligado as teorias de matriz realista vêem a cooperação em termos de ganhos absolutos e o de matriz institucionalista (ou idealista, liberal e outros epítetos) que vê a cooperação como uma questão de ganhos relativos.

As diferenças entre os grupos, também, se encontram na definição e importância dada ao poder; realistas têm uma definição refinada é verdade dos preceitos dos primeiros estudiosos dessa corrente como Morgenthau, onde todas as relações são baseadas no poder e o sistema internacional se estrutura em torno desse elemento. O segundo grupo prescreve que a organização do sistema internacional e suas normas em prol de um equilíbrio são as forças que moldam o sistema.

A análise e a prática das relações internacionais são atividades políticas que claro podem ou não serem mais guiadas ideologicamente, mas são de fato orientadas pelo interesse nacional e pelo poder. Dessa maneira não é espantoso que mesmo em momentos imediatamente posteriores a uma tragédia dessa maneira, os atores do sistema internacional estejam se movendo de modo a solidificar suas posições.

A constante prática da observação do fenômeno internacional cria um certo cinismo no analista, que sempre busca conhecer o que ganham e perdem todos os envolvidos em qualquer ação no sistema internacional.

Nesse sentido é preciso observar que historicamente, mesmo no período em que o isolacionismo era a norma da política externa americana e o sistema internacional era dirigido pelo Concerto Europeu, os EUA mantinham como zona de influência primária a região do caribe.

Por isso mesmo muito da política das pequenas e instáveis republicas da região sempre se comportou e se definiu em torno das decisões do Departamento de Estado dos EUA. Esse histórico de relações não foi sempre harmônico e alguns episódios de intervenção ativa e violenta na região que contudo sempre se manteve como zona primária de influência por isso mesmo a questão cubana sempre foi desproporcional a importância real de Cuba no sistema interamericano.

O Brasil por sua vez sempre teve uma política mais voltada aos vizinhos imediatos, a relações com os EUA e como o esperado para potências médias dá ênfase em sua política externa ao multilateralismo, buscando aumentar seu poder ao agir como mediador entre potências e países de menor poder.

Contudo, nos últimos anos aparados pela estabilidade econômica interna e um crescimento de prestígio internacional o Brasil tem buscado implementar uma agenda mais ampla, com uma nova política de poder que busca firmar o país como líder regional por vocação e excelência. Essa aspirada posição de liderança regional é claro serve para substanciar as tratativas de evolução do status brasileiro com uma cadeira permanente, com poder de veto, no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Essa expansão da atividade política e econômica internacional do Brasil se cristaliza no papel ativo da política externa brasileira nas negociações comerciais no âmbito da Rodada Doha. Claro a liderança da parte militar da MINUSTAH é um aspecto importante dessa política de expansão de prestígio visando o mencionado status de membro permanente do Conselho de Segurança.

Um repórter da rede americana Fox News, que não lembro o nome disse nesse domingo com muita propriedade que os haitianos são hoje, na prática, refugiados em sua própria capital. O que dá a mostra do tamanho de desamparo dessa nação e de seus cidadãos.

Logo ficou claro que os desafios logísticos iriam necessitar de coordenação internacional para serem superados, uma vez que o terremoto acabou com a capacidade de coordenação da ONU (ao lamentavelmente matar a cúpula dessa organização no solo haitiano), além de atingir duramente o governo haitiano, que mesmo debilitado já dá mostras de reação.

A atitude da diplomacia dos EUA pelo que pode ser depreendido das entrevistas da Secretária de Estado Hillary Clinton e de seus auxiliares e na fala do Presidente Obama tem sido a de reforçar o papel do governo haitiano, ou seja, mesmo sabendo da destruição que se abateu sobre esse governo já limitado em capacidade os EUA, talvez para evitar a pecha de imperialista que naturalmente os acompanha nessa parte do mundo, buscou por reforçar que respeita e trabalha para o restauro da vida dos haitianos e de seu sistema político.

Esse papel de preservar o que ainda resta de instituições haitianas, também, corrobora para que as ações dos EUA sejam respalda legalmente e que possam contar com um governo local ao longo do tempo quando naturalmente as populações locais começam a se ressentir da maciça presença de estrangeiros. Além de servir para marcar a diferença da ação desse Estado no Iraque e no Afeganistão.

A diferença brutal de capacidade entre as forças multinacionais da ONU e as forças norte-americanas serve como um lembrete de como a tão propalada decadência dos EUA e ascensão dos emergentes devem ser lidas com muito cuidado para que não se subestime um e superestime outro

Como serão superadas essas desconfianças e desconfortos de membros da MINUSTAH e do governo brasileiro ainda fica para ser observado, mas não antevejo ruptura nas relações por que tanto a ONU, como Brasil, como o próprio governo local precisam das máquinas e pessoal norte-americano. A meu ver o episódio todo relembra uma lição antiga, que diz que tudo em relações internacionais se define em termo de poder. Nesse caso não só o poder político, militar e econômico, mas a própria definição da palavra que tem entre suas acepções os seguintes enunciados: "Ter a faculdade de; Ter a possibilidade; Possibilidade, recursos; Capacidade, aptidão".

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