Em meio a noticias e imagens da tragédia do Haiti e a uma discussão sobre a conveniência ou não da participação brasileira, com protagonismo, frente à parte militar da MINUSTAH.
Deparamos-nos naturalmente com um desafio de analisar racionalmente uma tragédia humana bastante grave na qual acabamos por ter duas reações primais: 1) falta de fé diante do tamanho da tragédia; 2) e a inspiração que vem dos exemplos daqueles que se transformam em heróis nessa hora mais crítica. Esses heróis anônimos ou não despertam o desejo de sermos seres humanos melhores, nesse intento há uma coincidência das datas, hoje 15 de janeiro de 2010 seria aniversário de 81 anos do pastor e ativista por direitos civis Martin Luther King Junior.
Dr. King é reconhecidamente um dos símbolos da luta pela igualdade racial nos EUA, seu enfoque (que desagradou e desagrada ainda muitos ativistas) foi o caminho calcado na ética cristã e assim buscou a não-violência como meta e como mecanismo principal de trabalho.
Foi lançado a vitrine e a frente do movimento durante o boicote aos ônibus em Montgomery iniciado com a manifesta injustiça da prisão de Rosa Parks, por ousar se sentar em uma cadeira reservadas a brancos em um ônibus.
Sua característica mais marcante depois da opção consciente e corajosa pela não-violência era sua oratória eloqüente, profunda e contagiante. Que até hoje passados 42 anos de seu assassinato provocam sentimentos positivos (tão necessários nesses dias) e entraram definitivamente no seio do que se chama de cultura ‘pop’.
Reproduzo abaixo trechos de meu discurso preferido desse líder, proferido em 3 de abril de 1968, um dia antes de seu assassinato no templo Bispo Charles Mason, em Memphis, Tennesse, o discurso é intitulado: "I've Been to the Mountaintop". Recomendo ouvir o original em inglês na voz do próprio. A versão que transcrevo foi retirada do livro: Os melhores discursos de Martin Luther King: Um apelo à consciência. Organizado por Clayborne Carson e Kris Shepard, com tradução de Sérgio Lopes. Jorge Zahar Ed.
“[...] E agradeço a Deus, mais uma vez, por me permitir estar aqui com vocês. Vocês sabem que há alguns anos eu estava na cidade de Nova York, autografando o primeiro livro que escrevi. E, quando autografava, apareceu uma mulher negra com problemas mentais. A única pergunta que ela me faz foi: “O senhor é Martin Luther King?” Enquanto escrevia, de cabeça baixa, eu disse que sim.
No minuto seguinte, senti algo atingir o meu peito. Antes que eu pudesse perceber, havia sido esfaqueado por essa mulher desequilibrada. Fui levado às pressas para o Hospital Harlem. Era uma escura tarde de sábado. A lâmina penetrara fundo, e a radiografia revelara que sua extremidade quase tocara a aorta, a artéria principal. Se a lâmina a perfurasse, eu me afogaria em meu próprio sangue; seria o meu fim. Na manhã seguinte, deu no New York Times que, se eu tivesse espirado, teria morrido.
Bom, cerca de quatro dias depois, permitiram-me, depois da operação, depois que meu peito fora aberto e a lâmina fora retirada, circular pelo hospital em uma cadeira de rodas. Permitiram-me ler um pouco de correspondência enviada para mim. De todos os estados e todo o mundo chegavam cartas gentis. Li algumas, mas uma jamais esquecerei. Recebi uma do presidente e do vice-presidente, mas esqueci o que esses telegramas diziam. Recebi uma visita e uma carta do governador de Nova York, mas também esqueci o que dizia.
Mas, houve uma carta, enviada por uma menina, uma menina de 10 anos que estudava em White Plains High School. Li essa carta e jamais a esquecerei. Ela simplesmente dizia: “Querido Dr. King: Sou aluna de White Plains High School. Embora não devesse importar, queria mencionar que sou uma menina branca. Li no jornal sobre o seu infortúnio e o seu sofrimento. E li que, se o senhor tivesse espirrado, teria morrido. Escrevo simplesmente para lhe dizer que estou muito feliz que o senhor não tenha espirrado”.
E quero dizer nesta noite, quero dizer que estou feliz que eu não tenha espirrado. Pois, se eu tivesse espirrado, não estaria aqui em 1960, quando os estudantes de todo o sul começaram os sit-ins nos balcões de lanchonetes. E sei que quando eles se sentavam, eles na realidade se punham de pé. Em nome do que há de melhor no sonho americano, e levavam toda a não de volta aos grandes poços da democracia que foram escavados profundamente pelos Pais Fundadores na Declaração da Independência e na Constituição.
Se eu tivesse espirrado, não estaria aqui em 1961, quando decidimos viajar pela liberdade e pôr fim à segregação nos transportes interestaduais.
Se eu tivesse espirrado, não estaria aqui em 1962, quando os negros de Albany, Geórgia, decidiram levantar a cabeça. E, sempre que homens e mulheres ficam de pé, eles vão a algum lugar, pois ninguém poderá montar-lhes as costas a menos que se curvem.
Se eu tivesse espirrado, não estaria aqui em 1963, quando a população negra de Birminghan, Alabama, despertou a consciência desta nação e trouxe à luz a Lei dos Direitos Civis.
Se eu tivesse espirrado, não teria tido a chance de, em agosto do ano seguinte, tentar contar à América um sonho que eu tivera.
Se eu tivesse espirrado, não teria testemunhado o grandioso movimento de Selma, Alabama.
Se eu tivesse espirrado, não teria vindo a Memphis para ver a comunidade se mobilizar em nome de seus irmãos e irmãs que sofrem. Estou muito feliz de não ter espirrado.
E eles me diziam: agora não tem importância. Realmente agora não tem importância. Deixei Atlanta esta manhã, e, quando embarcamos no avião, o piloto disse no sistema de som: “Lamentamos o atraso, mas temos o senhor Martin Luther King a bordo. E para ter certeza que todas as malas fossem revistadas e para ter certeza de que nada sairia errado, checamos tudo com cuidado. E o avião esteve sob proteção policial toda a noite.”
Então cheguei a Memphis e começaram a me falar das ameaças ou comentar as ameaças que vieram à tona. O que poderiam me fazer alguns de nossos doentes irmãos brancos?
Bem, não sei o que acontecerá agora. Dias difíceis virão (Amém). Mas não me importo. Pois eu estive no topo da montanha (sim). E não me importo. Como qualquer pessoa, gostaria de viver uma vida longa. A longevidade tem o seu lugar. Mas não me preocupo com isso agora. Apenas desejo obedecer aos desígnios de Deus (sim). E ele me levou ao topo da montanha, olhei ao redor e contemplei a Terra Prometida. Posso não alcançá-la, mas quero que saibam, que nós, como povo, chegaremos à Terra Prometida. Estou tão feliz; não me importo com nada; não temo homem algum. Meus olhos viram a glória da presença do Senhor.” [Grifo meu]
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