Devo atrair muitas críticas para mim por causa das palavras que vou traçar nessa coletânea de impressões acerca da tal propalada reunião para “salvar o mundo”. Não vou entrar no mérito das causas antropogênicas das mudanças climáticas, por que não sou especialista nisso (nem a maioria dos chamados especialistas) e mesmo entre eles há uma bela controvérsia com alguns renomados pesquisadores contrariando a tese do tal aquecimento global.
Isso posto (e creio que a essa altura muitos já abandonaram a leitura ou já se irritaram sobremaneira comigo) vamos a análise dos eventos de negociação, já que essa é minha seara.
Escrevi aqui que as negociações do clima respeitam a mesma lógica das negociações multilaterais sobre qualquer outro tema, inclusive se conduzem sob a norma do “single undertaking” (princípio negocial pelo qual todos os pontos em negociação devem ser acordados de uma vez, em uma única empreitada).
Ontem assisti uma entrevista do presidente da Comissão Européia Durão Barroso concedida a Mirian Leitão no canal pago Globo News (link aqui), em que ele se ressentia desse fato e esperava que a chegada do chefes de estado pudesse alterar esse panorama (jogando pra torcida em minha opinião).
Essas declarações se coadunam com o que chamei de Blitzegrieg ambientalista que elevou as expectativas acerca das negociações acima de uma previsão que seria realista, claro que isso não se deve a ingenuidade ou “utopismo” dos ambientalistas e sim numa tática de pressão, criando um movimento Grass Roots, ou no mínimo mimetizando um.
A minha percepção é que os ambientalistas dominaram todas as análises acerca da reunião e praticamente pautaram os jornalistas, além de uma presença física maciça no tumultuado Bella Center (ironicamente emitindo gazes estufa por conta do deslocamento). E por conta disso vemos tantas manifestações categóricas falando em fracasso, por sinal, com a mesma rapidez com se decreta o fracasso de rodadas comerciais.
Não posso atribuir isso exclusivamente aos ambientalistas, afinal os lideres e negociadores fizeram de tudo para usar a imprensa e uma pretensa pressão popular para empurrar e/ou legitimar suas teses. A despeito de todo um clima de urgência, o que vimos foram negociações pautadas em interesses nacionais mais amplos, (eu já esperava por isso, e creio muito de vocês também) com todo o tipo de tese sendo levantada até o velho enxofre do Hugo Chávez foi levantado de seu tumulo retórico.
Hugo Chávez inclusive é emblemático do uso dessa conferência em prol de suas linhas normais de política externa ao voltar a acusar o acordo de antidemocrático (uma pérola vindo desse democrata tão apaixonado que nunca deu golpe de estado), que é uma tecla retórica que vem sido tocada a exaustão por esse chefe de estado.
Outro ponto digno de nota foi que mais uma vez ficou claro a ambivalência e divisão no corpo das potencias emergentes que usam comumente a tática de exigir atenção e reconhecimento de seu status de emergentes, ao mesmo tempo na hora de assumir compromissos mais fortes advogam que necessitam de tratamento especial e diferenciado (o tratamento que se dá aos menos desenvolvidos em todos os acordos internacionais).
Tese cada vez mais difícil de emplacar e nesse sentido o Brasil, ao contrário do que falou a Negociadora-Chefe Dilma (merece um texto aparte) concordou em participar colocando dinheiro no fundo de mitigação. Ao contrário da China que não aceita isso, nem a exigência dos EUA que o fundo seja auditado (uma medida contra o desvio de propósito desse dinheiro).
Entre os mais pobres, também, não há uma postura uniforme já que os interesses são heterogêneos e por vezes conflitantes.
O ambiente negocial foi conturbado o que prejudica muito um acordo e foi conturbado por falta de organização por parte Dinamarquesa, problemas de liderança do acordo e o vazamento de position papers, drafts e working papers. Além de que para frustração dos ambientalistas, o foco foi o de poder e a política e por isso vimos os velhos argumentos norte contra sul, Europa contra EUA, um antiamericanismo também apareceu exigindo que a Secretária de Estado Hilary Clinton atuasse na busca por corações e mentes, como gostam de dizer por lá.
Voltando a organização uma coisa foi elogiável a atuação firme das forças de segurança dinamarquesas que aparentaram uma dureza excessiva, mas conseguiram (até agora) evitar cenários como os de Seattle ou seja nenhuma vida foi perdida, o que não deixa de ser um ponto positivo dado o clima que se instaurou com os excesso de credenciamento.
Barack Obama mais uma vez frustrou o mundo ao se comportar como presidente dos EUA, sim um contrasenso eu sei, mas as expectativas em torno dele são demasiadas, não sou um “obamista” nem nunca me deixei seduzir pelas bonitas palavras vazias do “Yes, we can”, entretanto reconheço que as expectativas sobre seus ombros são assombrosas. E nem seu esforço para vincular a China a um compromisso mais robusto não são reconhecidas.
Ironicamente são os mesmo que carregavam a bandeira “obamista” que agora se ressentem das ações dele, que justiça seja feita são compatíveis com o que ele afirmava na campanha.
Enquanto escrevo essa coleção de impressões ainda não há um acordo ou não-acordo decidido e negociações de última hora se dão para conseguir um acordo, por isso mesmo esse texto é uma espécie de brainstorming e não um balanço dos acontecimentos. Posso antecipar que a grande figura da conferência foi o Presidente Francês Nicola Sarkosy transfigurado em líder do movimento de tentativa de “salvamento” da conferência.
De acordo com a liberação dos documentos e testemunho dos negociadores voltaremos a esse tema para traçar um mapa coerente e mais analítico das negociações
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