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As crônicas de Copenhague: A histeria, a ideologia e a política.

Teve inicio as rodadas de negociação conduzidas sob o mandato da COP-15, convocada pela ONU, com vistas a debater e criar regimes internacionais acerca das mudanças climáticas, dando curso às negociações que começaram com a RIO-92, passando pelo Protocolo de Kyoto.

É preciso ter em mente uma enorme obviedade que por vezes é esquecida ou tem sua retumbante realidade de algum modo diminuída. A obviedade que me refiro é o fato que o regime oriundo dessas negociações respeita as condicionantes de qualquer negociação internacional multinacional que é colocar sob o mesmo guarda-chuva os mais diversos e por vezes contraditórios interesses. Por essa natureza todo tratado multilateral representa o padrão mínimo possível, ou seja, ele representa a área de intersecção de todos os interesses em disputa.

A luz disso é de se esperar que todo regime internacional avance a passos lentos, duramente negociados em um processo que constantemente exige compromissos de todas as partes. O que por vezes pode gerar um desconforto em quem espera resultados que sejam uma espécie de salto ou de avanço. Um exemplo prático são as negociações comerciais, em especial o sistema GATT que evoluiu lentamente e em um processo sempre truncado. Portanto, assim é preciso moderar as esperanças quanto ao resultado dessas rodadas de negociação.

Essa moderação é claro convêm aos que de nós são apenas analistas, por que sem duvida pressionar, usando os meios de comunicação é ferramenta básica de quem defende seus interesses, seja organizações ambientalistas, sejam aqueles que são chamados de “céticos” do aquecimento global. Isso é outra coisa que sempre deve estar clara para quem analisa, são raros os que se manifestam na imprensa que não tenham agendas e isso não é uma crítica, ou acusação de manipulação, afinal se espera que o representante de uma ONG ambientalista apareça em publico para advogar em nome de suas crenças.

Cabe ao analista filtrar isso, filtrar os “talking points” dos interessados e começar a ver e compreender as agendas tanto as claras como as mais escondidas. Causas bonitas como “salvar o planeta” são excelentes candidatos a cavalo-de-Tróia.

Nos últimos meses assistimos uma verdadeira blitzkrieg por parte dos ambientalistas que brilhantemente trabalharam para converter suas causa em um movimento de “Grass roots” usando todo tipo de tática publicitária, assim elevando a pressão e a margem de manobra visando a criar constrangimentos que obriguem aos governos a se comportarem como essas organizações desejam.

As causas ecológicas ganharam espaço e ressonância nas diversas correntes de opinião que compõem as diversas sociedades que são representadas na reunião, contudo é patente que o grau de preocupação dessas causas variam bem como as respostas que são vislumbradas pra lidar com o tema. Ou seja, o tema que era reduto de ambientalistas até algum tempo atrás agora é parte da agenda política e cada lado dos espectros de pensamento e partidário apresentam respostas.

Ainda que grupos ambientalistas apoiados em cientistas (que são ambientalistas em uma maior parte dos casos) queiram monopolizar a miríade possível de respostas não invalida a controvérsia já que não há suficiente consenso para que só uma via de ação seja possível. Isso se reflete de maneira mais palpável no fato de que todos os maiores atores da questão apresentaram propostas distintas com metodologias distintas e aqui vejo atores de maneira ampla incluindo os chamado atores não estatais.

Há um grau de histeria inegável que é subproduto (ou mesmo produto intencional) da campanha de sensibilização muito eficazmente conduzida como já coloquei por grupos ambientalistas, que conseguiram que as negociações tenham o senso de urgência e de importância que faz com que um acordo seja atentamente esperado por muitos setores da opinião pública.

A negociação como já coloquei mais acima se prende a lógica corrente das relações internacionais assim não são dissociadas da disputa por aumentar ou preservar os níveis atuais de poder. Assim, todos os atores pretendem obter ganhos que corroborem as suas agendas de política externa. Não é de se estranhar que o Brasil em campanha agressiva de busca de maior poder relativo tenha feito uma oferta e ao mesmo tempo defenda que os menos desenvolvidos não ofertem compromissos reforçando a imagem de quem agirá em nome desse grupo se investido com um assento permanente no conselho de segurança, por exemplo.

Ao mesmo tempo em que adota essa postura o Brasil e os outros BRICS pressionam os desenvolvidos por compromissos maiores e se pressionam mutuamente, o que é natural, afinal são concorrentes diretos.

No grupo do menos desenvolvidos, também chamado de G-77, há divergências que são demonstráveis em questão de como esses estados percebem a questão se muito urgente como os países insulares, ou não tão urgente, esse segundo grupo busca ideologizar a questão, buscando não um acordo do clima, mas declarar o fim do capitalismo e os velhos ( e cansativos) bordões.

Um acordo é possível que seja alcançado, mas será um acordo possível pautado na realidade econômica e política, provavelmente não será um acordo que adense juridicidade, isto é, um acordo que seja vinculante legalmente é provável que seja um acordo de compromissos abertos. Ou seja, oferecidos pelas partes, algo mais palpável deve surgir na questão de financiamento, mas uma coisa posso adiantar a batalha será agressiva e a mídia será muito utilizada como mecanismo de pressão entre as partes. Assim é de se esperar que nos próximos dias ouçamos ultimatos, declarações de fracasso, notas suaves de reaproximação e no final algum tipo de acordo e de regime deve emergir.

E veremos, também, muito maniqueísmo leremos muito coisas do tipo eles não querem salvar o planeta, eles não querem permitir nosso desenvolvimento econômico ou isso é culpa dos ricos, brancos de olhos azuis. Gerando uma cortina de fumaça, mas cabe ao analista ver além disso, espero ser capaz.

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