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Na contramão da euforia

Não objetivo aqui a escrever um texto contra o governo ou ser um “contrarianista” (como se auto-intitula o Diplomata, pesquisador e profícuo escritor Paulo Roberto de Almeida) só pelo bel prazer de contrariar. As críticas e pontos de vista são como sempre nesse blog fruto do meu juízo e compromisso com minha honestidade intelectual.

O governo federal (a menos no nível do discurso e das entrevistas), a imprensa brasileira, a despeito do que digam altas autoridades da república, e muitos analistas estão em uma fase de ufanismo que tem consistentemente superdimensionado o poder relativo do Brasil, nos fóruns de decisão mundial. E mais o país está a desperdiçar uma boa oportunidade de diminuir os efeitos do nocivo custo Brasil.

Ao superdimensionar a capacidade brasileira de ação o Itamaraty é forçado com recursos pecuniários e de pessoal limitados a lidar com múltiplas crises que desgastam a imagem e a capacidade do país. E claro retirando os recursos citados de objetivos e agendas mais cruciais a consecução dos objetivos nacionais.

Posso citar o imbróglio em Honduras, que expôs o Brasil em uma região de muito pouco interesse e essa situação é de alto risco, nos colocou perto de dar uma demonstração de falta de capacidade, pois o próprio Ministro da Defesa já havia afirmado que o Brasil não responderia militarmente a qualquer violação da Embaixada em Tegucigalpa.

E não pensem que se trata de uma posição pacifista multilateral do Brasil, na verdade é pela falta de capacidade operacional das Forças Armadas, não que não seja uma decisão acertada recorrer a resolução pacificar, afinal não há motivos para jorrar o sangue de nossos jovens em um conflito sem sentido, mas em Relações Internacionais nunca se afastam completamente a sombra da agressão militar e capacidade militar é componente do que se chama poder.

Além disso, há o desgaste que pode se fazer sentir no longo prazo do rompimento da neutralidade e da intromissão direta em assuntos internos de outros Estados. A não-intervenção serve como norte a diplomacia brasileira desde os tempos do Barão do Rio Branco e seu abandono ainda que temporário possa munir aqueles que crêem em um potencial ou efetivo imperialismo brasileiro. Nos setores mais nacionalistas de nações vizinhas creio que essa ação acionou uma luz amarela, senão vermelha.

Outro desgaste foi expor o que chamo de “moralidade ad-hoc” da diplomacia brasileira que justificou a presença de Zelaya com o argumento da defesa da democracia, que cai por terra olhando o posicionamento brasileiro na mesma América Central, no que tange a Cuba. Isso sem falar na política africana que excluí completamente qualquer caráter moralista.

A galhardia postulada aos quatro ventos pelo Presidente da República e pelo Chanceler Amorim não é totalmente benéfica ao interesse nacional, por vezes a criar pontos de tensão desnecessários, somente para enfatizar uma independência quanto a potências maiores.

Outro ponto que sou obrigado a divergir de muitos (e concordar com tantos outros) é no que tange ao comércio exterior brasileiro que apresentou nos últimos anos resultados exuberante e não pode restar dúvida não só pelo efeito China, mas por que se beneficiou da farra de crédito e de consumo que levou a crise atual, portanto grande parte da pujança econômica do Brasil se deve aos banqueiros “brancos de olhos azuis”.

A indústria nacional (como define a OMC) se valeu de um bom momento sem par na história recente do país para crescer em volume e valor de vendas externas, contudo esse cenário externo positivo mascarou a deficiências internas que agora se fazem sentir com toda força, mormente estrutura tributária, infra-estrutura de transportes, educação e pesquisa e desenvolvimento.

Essas valentes do custo Brasil não foram atendidas pelo governo em todos os níveis e em especial o federal no período de bonança e incrementos de qualidade nesses setores destravaria grande parte dos problemas logísticos e burocráticos que encarecem nossas exportações.

O recrudescimento do cenário internacional não só expôs uma crise de oferta de crédito, mas acirrou a competição pelos poucos mercados que já demonstram melhora e não foi só pelo aumento do protecionismo, mas fatores macroeconômicos inclusos taxas de juros e câmbio.

No caso brasileiro o afluxo de dólares pelo bom comportamento da economia aprecia o câmbio diminuindo as vantagens comparativas dos exportadores brasileiros o que já se faz sentir na diminuição de volume e valor de exportações. E nesse cenário as reformas não realizadas pesam, por que uma das soluções para esse problema seria o incremento de produtividade que só é possível como resultado de melhorias estruturais.

E se forma uma armadilha por que o câmbio deve se manter apreciado por que de fato a economia brasileira é atraente para investimentos, tanto os famosos Investimentos Estrangeiros Diretos – IED e os investimentos financeiros (Hot Money) armadilha por que o Brasil precisa desse volume de poupança externa para fazer frente aos compromissos impostos pelos mega eventos no horizonte da próxima década e ao mesmo tempo é preciso exportar para não sofrer uma estagnação tecnológica e além de que as exportações evitam dependência exclusiva do setor financeiro.

Por todos esses motivos vejo com apreensão esse período em que muitos estão “cegos” pela euforia é preciso se preparar para os desafios que à medida que o Brasil escala posições no mapa político do mundo tornar-se-ão cada vez mais intricados e complexos e mais a diplomacia será exigida e menor será a manobra de discurso dos líderes por que agora o mundo está a ouvir.

Como analistas não podemos deixar de ver erros e acertos e ainda mais antecipar cenários que muitas vezes são atropelados pela política partidária e pelas ideologias que são passageiras enquanto o núcleo duro dos interesses nacionais é perene. Portanto, a meu ver, euforia e ufanismo não combinam com análise e ciência.

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