Claro que não estou falando de “Mel” Zelaya, acabo de assistir o pronunciamento de Shimom Peres em Sessão Conjunta do Congresso Nacional, realizada no plenário do Senado Federal.
O mandatário israelense, primeiro em 40 anos a visitar o território brasileiro, veio com uma agenda política pautada por uma suavidade patente no discurso e uma agenda de cooperação propositiva em setores que muito interessam o Brasil, em especial, na área de defesa.
Não só equipamentos, mas parcerias mais profundas já que o Ministério da Defesa começa a calcular que a chamada guerra de quarta geração, uma realidade vivenciada pelas forças de defesa de Israel – IDF (Sigla em Inglês, comumente usada na literatura sobre o tema).
Sem duvidas o discurso de Peres foi escrito para marcar visivelmente o contraste entre o estilo espalhafatoso de declarações fortes e temerárias do Presidente Iraniano (ou alguém acredita que não existam homossexuais no Irã, como ele afirmou em uma palestra na Universidade de Columbia nos EUA). Usou palavras suaves e conciliadoras e ignorou solenemente no discurso a predisposição anti-israelense demonstrada pelo governo brasileiro, tanto nas votações na ONU, como no fato de Lula ter visitado a região e não ter ido a Israel.
O discurso foi em sua maior parte pro forma seguindo uma receita simples de louvação ao povo, aos traços culturais brasileiros, aos laços históricos que unem os dois povos e claro como não poderia deixar de ser a luz dos índices de aprovação do presidente Lula, um especial “carinho” com palavras efusivas para descrever o líder brasileiro.
Ainda que tenha escolhido o caminho da “doçura” protocolar Peres foi enfático ao tratar do Irã, repetindo a linha que já vinha traçando em entrevistas, de que não há animosidade entre o povo de Israel e o povo iraniano, muito menos entre judeus e mulçumanos (a não ser a causada por extremistas de ambas as partes). E de maneira muito bem disfarçadas entre as palavras protocolares de afeição colocou sobre o Brasil o desafio a ser um elo de comunicação e mediação (ainda que auxiliar) das relações entre os dois Estados, implicitamente fica claro que Israel espera que o Brasil não deixe a visita do presidente iraniano se tornar um palco para a campanha de ofensiva verbal e de opinião pública de Ahmadinejad.
Uma pressão a mais para a diplomacia brasileira já que Peres até o momento tem sido um convidado bem comportado e com uma “persona” austera e propositiva, que pode ter sido muito cativante junto à opinião pública do Brasil, o que diminui a margem de uma manobra mais assertiva em prol do lado iraniano. Por sinal essa visita pode servir para reforçar uma neutralidade de fato que pode habilitar o Brasil a ter um papel maior que observador, ainda que com limitações internas e externas a essa atuação.
A estratégia é clara tentar neutralizar o avanço iraniano na região tanto junto aos governos quanto na chamada batalha por corações e mentes. Ainda que o contraste seja evidente, já que quando se trata de ações do Estado de Israel, esse sempre é predisposto a ignorar pressões internacionais e agir unilateralmente se preciso considerar. Por sinal a questão dos assentamentos demonstra bem isso.
Ao Brasil interessa manter boas relações na região, não se deixar ser tragado pela ideologização da questão e acabar por isso escolhendo um lado, agindo como defensor de uma causa. O pragmatismo e neutralidade podem ser bons “asets” políticos, ainda mais quando se tem uma cadeira permanente no Conselho de Segurança como um objetivo quase obsessivo.
Claro que grupos ativistas não vão gostar dessa atitude, vão cobrar do governo que denuncie um lado ou outro, mas nem sempre o que serve a grupos motivados ideologicamente serve ao interesse nacional, pilar de uma política externa responsável.
O Brasil ao receber um líder como o iraniano contestado no mundo ocidental por suas posições preconceituosas e revisionistas e ainda mais estigmatizado depois dos episódios que seguiram as denuncias de supostas fraudes nas eleições presidenciais assumiu grandes riscos políticos e se colocou numa posição que vai exigir tato e habilidade política, por que o propalado crescimento de importância do País, tem um custo, o que se diz aqui é ouvido.
Cabe-nos agora observar e analisar como o Itamaraty, o Planalto (temporariamente transferido para o CCBB de Brasília) vão lidar com a oportunidade que se apresenta de ser o que na teoria das redes se chama de ‘brooker’, ou seja aquele que negocia entre atores que não se conectam diretamente. No proverbial, não é agir como garoto de recados, mas servir de mediador, oferecer a mesa e as condições de negociação e se envolver nas tratativas de acordo.
Há a possibilidade muito real de que uma suposta solidariedade entre a esquerda e a chamada causa palestina acabe por permear o espírito da visita do presidente do Irã o que pode colocar o Brasil querendo ou não, no olho do furacão da polarização o que pode ter conseqüências muito negativas em um país de fronteiras tão porosas, não custa lembrar que atividades financeiras e de compra de armas por grupos radicais do Oriente Médio já foram registradas na região conhecida como tríplice fronteira.
Voltando ao discurso após essa pequena digressão foi interessante e de certo modo esperado que a única parte do discurso que falou dos problemas regionais de Israel com mais veemência tenha sido a condenação ao Hamas e uma tentativa de colocar outro que nos visitará em breve, em uma posição mais fortalecida o presidente da Autoridade Nacional Palestina Abbas, que foi retratado como um líder que sofreu um golpe de (quase) Estado na faixa de Gaza.
Reitero minha confiança (esperança, também, por que não?) que o profissionalismo do Itamaraty impeça que a Política Externa Brasileira seja dragada para uma discussão apaixonada no Oriente Médio, ainda que o partido no poder e o próprio Presidente da República nutram um claro alinhamento com a chamada causa palestina.
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