Pular para o conteúdo principal

Reflexão sobre análises, analistas e aplicações teóricas

Há algum tempo publiquei um texto sobre a análise das relações internacionais com base em redes. Sinteticamente, pode-se dizer que esse modelo análise a quantidade e a qualidade dos laços entre diversos atores do sistema internacional. A medição da posição relativa dos atores no sistema (se centrais ou periféricos) se dá pela quantidade de laços entre os atores e a natureza desses laços.

Esse modelo permite que se veja as relações internacionais de uma maneira dinâmica admitindo que a fungibilidade de poder e a localização de cada ator varia de acordo com a estrutura e a natureza da rede. O que pode ser observado, por exemplo, ao se analisar o comércio internacional, onde os países emergentes são mais centrais no sistema e jogam como forças de conciliação fazendo a ligação entre atores da orla exterior do sistema com os centrais, já que muitas vezes não há laços entre esses dois grupos.

Essa metodologia de análise é muito perspicaz para tentar compreender o papel de potências médias no sistema internacional, claro como advogo há uma dificuldade de aplicação completa de modelos. Isso por que questões axiológicas por muitas vezes fazem com que as escolhas arbitrárias dos formuladores dessas teorias refletem preocupações e cosmo-visões muito particulares tanto do próprio pesquisador, como do seu meio acadêmico e cultural.

Entendam, não quero dizer que esses pesquisadores ou teóricos assim o fazem por má-fé, ou por que seriam agentes de dominação cultural imperial, tenho ciência que essas falhas são inerentes de sua própria condição humana e que acontecem a despeito de enorme esforço pessoal com vistas a evitar isso.

Por isso mesmo sou caudatário da proposta defendida pelo eminente pesquisador Amado Cervo que se propõe a uma agenda de pesquisa que se utiliza dos conceitos sem adotar teorias universalistas, por uma impossibilidade de que sejam ontologicamente universais.

Contudo, isso não significa uma “tropicália teórica” ou um “atropofagismo” de idéias, mas sim o emprego crítico e muito bem ponderado desses conceitos amarrados pela lógica e com possibilidade prova empírica. E como todos sabemos a história é o laboratório das ciências sociais, por isso mesmo tenho apreço pelos pesquisadores que se dedicam a fenomenologia, ou seja, analisam e esmiúçam fenômenos das relações internacionais, esse tipo de análise é vital para o teste de teses.

Escrevo essas linhas com o objetivo pouco claro (defeito grave de escrita por sinal) de demonstrar como construo a argumentação que defendo. A constante reflexão e teste dos meus métodos é algo característico meu, talvez por trabalhar no mercado e ter que constantemente quantificar e avaliar as metas de trabalho, corrigindo caminhos e assim garantindo o melhor serviço possível ao cliente sem receio de testar novos métodos e mecanismo, sem apegos irracionais ao que se mostrou errado ou ineficaz.

Obvio isso não implica em ser volúvel, mas sim flexível, como sempre defendo aqui há de se ter convicção, mas há de se ter humildade de uma vez convencido por fatos ou argumentações de modificar suas posições. Avançar em direção a um melhor conhecimento das coisas internacionais, ou pra usar a metáfora que ilustra esse blog, descobrir o encaixe correto das peças do quebra cabeça das relações internacionais.

O leitor assíduo sabe que sou dado a essas reflexões teóricas que a primeira vista parecem estéreis ou pouco aplicáveis, contudo isso não poderia ser mais o contrário a chave analítica das relações internacionais está em justamente entender os conceitos (que acabam por gerar posições políticas e ideológicas), entender como se formam as posições e para o analista como suas próprias crenças e idiossincrasias afetam sua análise.

Seja em um trabalho de fim de semestre, seja numa monografia, seja num texto para blog, numa consultoria, num relatório. Independente do uso que se dará ao texto e a análise o rigor analítico e a honestidade intelectual devem pautar a conduta do analista, ainda que seja ele altamente ligado a partidos ou grupos ideológicos não pode perder essa capacidade. Por que digo isso, por que assim ele contribui melhor para o entendimento e não acirramento, além de que entender a posição e a origem da posição de alguém com quem se negocia pode ser uma vantagem, ao permitir que se use isso a favor da causa que se esteja a defender na ocasião, seja uma causa ou um acordo empresarial.

Tudo bem o leitor deve estar a coçar a cabeça e pensar: Tudo bem, mas pra que esse texto? Respondo. Por que é sempre bom parar pra pensar em como fazemos nossas análises, ainda mais com toda penumbra que a mídia e a ideologia colocam em diversos assuntos. E mostrar que a teoria e a prática da análise são indissociáveis sob risco de repetirmos “talking points” de grupos e não o nosso próprio entendimento sobre esses assuntos.

Desculpem se não fiz jus ao título ambicioso que propus, mas uma reflexão no contexto desse blog se propõe muito mais a suscitar questões do que respondê-las.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Empregos em RI: Esperança renovada

“A esperança não é nem realidade nem quimera. É como os caminhos da terra: na terra não havia caminhos; foram feitos pelo grande número de passantes.” Lu Hsun. In “O país natal”. O tema empregabilidade domina os e-mails que recebo de leitores e os fóruns dedicados a relações internacionais. Não por acaso deve haver pelo menos 30 textos dedicados ao tema nesse site. E sempre tento passar minha experiência e as dos meus amigos que acompanho de perto. O tema sempre volta, por que sejamos francos nos sustentar é algo importante e vital se me permitirem essa tautologia. Pois bem, no próximo dia 19 de novembro ocorrerá uma grande festa que encerrará os festejos de 15 anos de existência do Curso de graduação em Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília. E como parte dos preparativos para essa data temos empreendido um esforço para “rastrear” todos os egressos de nosso curso. Nesse esforço temos criado uma rede de contatos e o que os dados empíricos me mostram é um tes...

O complicado caminho até a Casa Branca

O processo eleitoral americano é longo e complexo, sua principal característica é a existência do Colégio Eleitoral, que atribui aos candidatos uma quantidade de votos, que equivale ao número de senadores ou deputados (lá chamados de representantes) que cada estado tem direito no Congresso dos EUA. Esse sistema indireto de votação é uma fórmula constitucional enraizada no processo histórico da formação dos Estados Unidos, que buscava em um forte federalismo, criar mecanismos que pudessem minorar ou eliminar a possiblidade de um governo tirânico. Esse arranjo federalista se manifesta fortemente, também, na forma como a Constituição Americana é emendada, sendo necessário a ratificação de uma emenda aprovada no congresso pelos legislativos estaduais. São 538 votos totais no Colégio Eleitoral, a Califórnia tem o maior número de votos, com 55 e o Distrito de Columbia (equivalente ao nosso Distrito Federal) e outros 7 estados com 3 votos têm a menor quantidade, o censo populacional é usa...