O tema MERCOSUL bastante presente na agenda de debates e pesquisa de especialistas e estudantes em relações internacionais nem sempre tem a mesma atenção na imprensa brasileira ou por parte dos políticos. Claro essa condição se interrompe sempre que há alguma escaramuça comercial ou alguma polêmica. Por parte da impressa creio ser natural, já por parte dos políticos creio ser um sintoma de uma doença que a política brasileira sofre que a doença do esplendido isolamento, mas isso é tema para outra análise. Afastando-nos da digressão voltemos ao tema em análise.
Muito se diz sobre o papel que o MERCOSUL desempenha na política externa brasileira, uma corrente defende que a integração aprofundada com os vizinhos cria estabilidade e reforça a liderança regional brasileira, além de criar cadeias produtivas integradas, diminuindo a dependência de mercados mais desenvolvidos. Outra linha defende que atrelar a PEB aos parceiros diminuiu nossa capacidade de acordos bi-laterais que poderiam ser mais proveitosas para expansão do comércio sem o peso e o desgaste político de acomodar parceiros tão heterogêneos quanto Argentina, Paraguai e Uruguai.
E uma nova linha de críticas quanto ao MERCOSUL tem se aberto que é sobre a sua natureza e sobre a divisão de seus custos e benefícios. É verdade que não é uma linha, mas várias que agrupo aqui para evidenciar que são críticas novas. Particularmente, acentuadas com a adesão da Venezuela, o que é visto por muitos como uma politização do bloco comercial, ou seja, esse bloco estaria se afastando do caminho da integração comercial como mola propulsora passando a ser guiado pela promoção de valores político-ideológicos.
Como integração aduaneira o MERCOSUL é sobre qualquer ponto de vista uma integração imperfeita, longe de ser o Mercado Comum, que seu nome pressupõe, para concluir isso basta que façamos a comparação com a evolução da União Européia e nos valermos do marco teórico amplamente divulgado e conhecido dos estudantes de relações internacionais advindos dos escritos de Bela Balassa.
Nesse sentido a profusão de produtos nas chamadas listas de exceção mostram a fragilidade da integração comercial, mesmo com bons números de comércio pode-se perceber uma tendência de concentração entre os pólos industriais de São Paulo e da Província de Buenos Aires.
Há instrumentos muito interessantes no MERCOSUL, desde a dispensa de passaporte para viagens entre os membros, passando por fóruns empresariais e universitários, institucionalmente o maior avanço do MERCOSUL é político é a Carta de Ouro Preto, ou cláusula de manutenção democrática, que cria um mecanismo de intervenção legitima quando um dos sócios estiver em um processo que pode levar a regimes de exceção.
A luz disso e de arranjos institucionais como o Parlamento do MERCOSUL há de se pensar que a vocação do bloco é a integração política mais que a econômica. Mas, ao proceder assim pode-se estar pulando etapas no processo em uma região carente de emprego e renda como é o cone sul, seria muito interessante aumentar o volume de comércio e a complementaridade das cadeias produtivas, distribuindo assim benefícios à população da região, o que poderia criar condições para um aumento da via política da integração.
Outra crítica que se constrói é que o processo é pouco institucionalizado para lidar com questões comerciais, sendo seu mecanismo de solução de controvérsias, por exemplo, solenemente ignorado em prol do mecanismo da OMC. É aceito por muitos pesquisadores que esse desenho institucional esquálido é de interesse do Brasil que pode assim fazer seu peso ser mais decisivo do que se estivéssemos em um processo com uma juridicionalidade mais adensada.
Toda essa discussão sobre os efeitos comerciais do bloco tem sido relegada a segundo se não terceiro plano desde que a adesão da Venezuela entrou em processo de ratificação pelos sócios. Claro que muito dessa discussão tem a ver com a personalidade do presidente venezuelano Hugo Chávez Frias, que sempre esta a difundir sua revolução bolivariana e já se pronunciou sobre mudanças de paradigma contra um suposto “neoliberalismo” que motivou a fundação do referido bloco.
Comercialmente observando a expansão rumo ao norte do MERCOSUL que começa com a adesão da Bolívia (não como membro pleno) é natural para o Brasil que procura entre outras coisas uma saída para o Pacifico que permita um papel maior no atraente mercado asiático além de conseguir dar uma maior dimensão nacional ao comércio como bloco conseguindo escoar a produção da região norte além de fornecimento a essa região que sofre com a falta de infra-estrutura de transporte plenamente nacional no Brasil.
O grande óbice a presença da Venezuela é justamente a visão que esse país enquanto estiver sobre a liderança de Chávez o bloco estará sobre o risco de se tornar plataforma política de maneira que possa inviabilizar ou dificultar negociações comerciais com a UE ou com os EUA.
É nesse contexto que vimos a vinda de um líder oposicionista ao Senado hoje, o prefeito de Caracas, que defendeu que a Venezuela seja aceita, mas condicionada plenamente as regras do Acordo de Ouro Preto. É claro que as forças políticas tentaram dizer que a aprovação da Venezuela deve ocorrer já que nem o prefeito oposicionista obsta a ela, o que é primário já que ser oposição não significa ser “do contra”.
A história nos mostra que o Congresso em raríssimas ocasiões (eu não me recordo nenhuma agora) não ratifica um acordo internacional assinado pelo Executivo. Por sinal o debate entorno da entrada da Venezuela é em si um fato raro. E sem duvida ligado ao fenômeno do chamado socialismo de século XXI e questões partidárias. Não que não sejam legítimos motivos para discutir a entrada desse país, por sinal, seria alentador que a agenda internacional do Brasil entrasse permanentemente em discussão política e social, deixando um pouco o confinamento atual entre a academia, governo, algumas grandes empresas e organizações setoriais.
Não deixo de pensar que como sociedade poderíamos estar a debater quais são os objetivos internacionais do país, os objetivos perenes não os que mudam ao variar do jogo político interno, como alcançá-los e se o MERCOSUL faz parte desses objetivos e de que forma, e como harmonizar isso com os interesses dos demais sócios?
Quanto ao tema, quanta a Venezuela eu tenho muitas reservas ao modo de fazer política desse “novo” socialismo, principalmente, o meio como as coisas são colocadas de forma a criar uma polarização política profunda em que o contrário passa a ser algo a ser eliminado do jogo político. Não gosto também do pouco respeito pela liberdade de imprensa que advêm dessa polarização. Quanto ao MERCOSUL a meu ver tem que resolver todas as pendências que ficam antes de se aprofundar ou de criar mais estruturas jurídicas ou institucionais, sobre o risco de ser um gigante sob pernas de menino.
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