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MERCOSUL: O elefante na sala – I

Uma breve introdução misturada com digressão

Um excelente debate sobre a adesão da Venezuela ocorreu no sempre muito bom Globo News Painel. Que contou com quem considero a maior autoridade em integração regional na América do Sul, o Embaixador José Botafogo.

Ao assistir o programa e os debates concatenei alguma idéias que estavam a maturar no meu cérebro já alguns dias, que são questões concernentes ao método de adesão da sócios no MERCOSUL. Em um post recente tratei do assunto MERCOSUL em que algumas dessas inquietações já estavam presentes.

Publicarei uma série de textos, provocativos que podem até serem contraditórios, precederei assim, por que quero deliberadamente provocar uma reflexão, no mesmo sentindo que tenho refletido, e ao final de colocar todos esse elementos que com sorte serão enriquecidos com seus comentários para tentar construir uma análise mais profunda e embasada do bloco seus desafios.

Que a elucubração continue...

O bloco é estratégico para o Brasil em suas aspirações de liderança já que vincula o desenvolvimento econômico dos parceiros ao sucesso e ao peso econômico do Brasil, portanto, o bloco se encaixa no tabuleiro brasileiro para reforçar o papel brasileiro de “brooker”, além de ser um construto que tem sua raiz na busca de estabilidade regional ao encerrar uma corrida nuclear entre Brasil e Argentina.

Portanto, como qualquer processo de integração o MERCOSUL é uma atividade multifacetada que abriga dimensões diversas igualmente importantes, mormente as dimensões políticas, culturais, normativas e comerciais.

Politicamente é seu papel estratégico em negociações multilaterais e ao amarrar todos os sócios em um futuro comum.

Culturalmente existem aspectos de turismo (que é comercial) de reconhecimentos de diplomas, cinema, facilidade maior de trocas culturais, além de criar uma cultura menos voltada para dentro, mas adaptada ao que se chama de mundo globalizado.

Na esfera normativa um processo de integração estimula uma harmonização legal, uma aproximação em tipos de formulários burocráticos e outros arranjos institucionais que visam tornar mais factível e simples o aprofundamento comercial, além da cooperação maior, inclusive policial, com base de dados conjuntas e investigações conjuntas para coibir crimes transnacionais.

A face comercial é o motor de tudo isso, mas seu sucesso depende de segurança jurídica em investimentos, facilitação de circulação de mercadorias, alongamento além das fronteiras de linhas de produção (usando as vantagens comparativas, em favor dos consumidores e produtores). A face livre-cambista desse acordo é que impulsiona ao gerar empregos, ou acesso a bens melhores e mais baratos, e é uma das áreas que mais visíveis.

O MERCOSUL é um projeto de integração altamente heterogêneo que vincula países pequenos e médios e o Brasil, esse ultimo usa claramente de seu peso para modelar as instituições do bloco e também há na diplomacia brasileira uma clara intenção de manter o bloco institucionalmente pouco aprofundado, mantendo uma margem de manobra grande para o governo brasileiro que não se mostra disposto a arcar com os custos políticos de avançar a integração o que dado aos múltiplos interesses em jogo geraria muita pressão sobre o Itamaraty, pressão essa interna e externa e em todos os sentidos.

Claro que toda essa discussão é apenas uma centelha perto da verdadeira fogueira de festa junina que são os interesses políticos vinculados a um processo de integração, por que indubitavelmente um processo desse se calca no que um Estado (e o governo no poder) entendem que seja o seu futuro, seu lugar no mundo e a natureza das suas alianças. Logo, é vital que o processo não seja conduzido de cima pra baixo, mas que faça parte da discussão política e que as pessoas, os cidadãos tenham a oportunidade de serem bem informados sobre as opções (seria a obrigação social dos bacharéis em relações internacionais?) e tomarem uma decisão. A integração a meu ver deve ser democrática e por isso tem que ser parte ativa da agenda política.

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