Ao abrir a página principal do portal UOL me deparei com uma notícia que dizia: “Senado aprova acordo com Vaticano que consolida o ensino religioso no Brasil”. Imediatamente cliquei a matéria de mesmo título é do portal Ultima Instância, que faz cobertura, como o próprio nome evidencia de legislações e atos jurídicos.
Ao ler a chamada da matéria já imaginei as calorosas discussões com as tradicionais acusações a Igreja Católica, pensei comigo, serão dias quentes. Nessa hora lembrei que já havia lido esse acordo na época de sua assinatura e não havia nele esse elemento consolidador do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras. Cheguei a pensar será um novo acordo? Um memorando de entendimento?
A própria matéria, curiosamente, deixa claro que o acordo não institui obrigação nenhuma nesse sentido, a redação é bastante vaga, como é comum em acordos internacionais como bem sabe que acompanha as calorosas argumentações nos painéis abertos na OMC.
Não é questão d’eu ser católico ou não como alguns leitores devem pensar, mas sim uma questão de informação acerca de acordos internacionais que me leva a escrever agora. Lembro muito bem das primeiras aulas de Direito Internacional Público, onde se repete a exaustão quase em forma do jogral: “Quem são os sujeitos do Direito Internacional? Estados, Organizações Intergovernamentais Internacionais e a Santa Sé.
Pode ser até uma tecnicalidade com é relevante lembrar que o acordo foi assinado entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, ou seja, um acordo entre dois Estados soberanos. Portanto acordo celebrado por entes capazes, assinados por plenipotenciários.
A Constituição Federal deixa claro que o Brasil é um estado laico, o que não corresponde em ser um Estado anti-religioso, já que a mesma Carta Magna em concordância com a Declaração Internacional dos Direitos Humanos reconhece o legítimo Direito Humano a liberdade de culto (e de apostasia) incluso culto público. A lei, também não proíbe a cooperação entre o Estado e entidades religiosas em vários casos como permitir assistência religiosa as Forças Armadas, aos detentos e cooperação, também, em obras assistenciais de caridade, por exemplo. Assim pode-se afirmar que o objeto do acordo é possível e legal.
Seguindo a trâmite normal em Tratados o mesmo foi enviado para apreciação do Congresso Nacional para sua ratificação nesse processo o tratado é escrutinado pela opinião pública e em especial pelos membros da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal. Ao proceder assim e aprovado como foi o acordo é publicado, dando conta da exigência legal de transparência nos atos públicos. E como acordado nesse caso concreto o referido acordo entra em plena vigência ao se trocarem os instrumentos de ratificação.
Em bom “juridiquês” a luz do que foi elencado acima tem-se um ato jurídico perfeito, mas claro a controvérsia midiática se concentra no ensino religioso como se isso fosse algo ilegal o que anularia, obviamente o acordo por que perderia essa condição de ato jurídico perfeito.
A matéria citada trás em si o elemento que encerra esse debate por que segundo o professor de direito constitucional consultado não há na lei brasileira qualquer tipo de proibição ao ensino religioso de caráter opcional em escolas públicas.
O artigo que trata da tal consolidação do ensino religioso diz apenas que em caso de adoção de ensino religioso será resguardado o ensino católico sem prejuízo a diversidade cultural e religiosa brasileira. Assim não há preferência ao ensino católico apenas um compromisso do Brasil que em adotando o ensino religioso não excluirá o ensino católico.
O resto do tratado versa sobre questões de reconhecimento e proteção aos símbolos e templos católicos, bem como a patrimônio cultural (as igrejas de Ouro Preto e Salvador, por exemplo), que mesmo pertencente e sob guarda da Igreja tem também status de patrimônio cultural brasileiro (algo como garante o respeito a Igreja, e se garante que a mesma dará acesso a turistas ou pesquisadores a depender do caso e ressalvo nos termos da lei brasileira).
Poder-se-ia achar muito mais polêmico, a meu ver, o artigo 13 do referido acordo que reitera o direito do sigilo profissional dos sacerdotes em especial o sigilo de confissão. De todo jeito esse é um dos muitos exemplos que podemos dar de que às vezes a imprensa polemiza sobre o nada ainda mais em assuntos internacionais. Sem contar certo sentimento e pensamento anti-religioso por parte de alguns jornalistas.
A controvérsia capenga que esse acordo gera e o título da reportagem lembraram-me imediatamente dos versos de Cazuza que dão título a esse texto. Os convido a ler o tratado (aqui) e usando a boa e velha hermenêutica o analisarem.
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