Pular para o conteúdo principal

Yes nós temos banana

Creio que essa pequena frase inicial do clássico de Braguinha imortalizado na voz da pequena notável Carmem Miranda nos remete a um Brasil caricato de filmes do período da Segunda Guerra Mundial e em cada um de nós essa lembrança desperta algum tipo de emoção e sentimento, para alguns é até mesmo a materialização do preconceito. Mas, isso não vem ao caso, me lembrei da frase pelo comportamento e declarações brasileiras que repercutem na mídia hoje.

Primeiro temos o Ministro da Defesa expressando que não tem planos de enviar soldados a Honduras em caso da violação da embaixada, uma declaração que mostra bem a dificuldade do Brasil nessa questão não que sejamos pequenos como “o rato que ruge”, mas temos capacidades limitadas de projeção de poder, por isso mesmo sempre colocamos grande ênfase em nossa diplomacia e nos arranjos de segurança coletiva.

Outra declaração é do presidente que não cederá a golpistas. Muito bem, em um primeiro momento parece extremamente racional que um mandatário eleito e soberano declare isso, mas quando nos lembramos que com nossa ajuda para entrar ou não, nós abrigamos e demos a plataforma para que Manuel Zelaya retornasse a Honduras clandestinamente, mas também, incitasse seus apoiadores internos e externos (temos que lembrar que há muitos estrangeiros bolivarianos em Tegucigalpa engrossando as fileiras de apoiadores de Zelaya).

O ultimato tão ofensivo ao Brasil foi feito na mesma linguagem que o Brasil tem usado para tratar com o governo interino. Suas exigências fazem sentido, pedem para que o Brasil se decida, por que esse construto, esse ‘jeitinho’ de dizer que Zelaya está abrigado é uma interferência indevida nos assuntos Hondurenhos.

Celso Amorim declara está preocupado e estarrecido com o que classificou de surdez do governo hondurenho, governo que ele não reconhece que reiteradamente chama de golpista e que age formalmente para derrubar ao “abrigar” Zelaya.

Sem duvida o desenrolar dos acontecimentos em Honduras é o pior possível é o cenário que eu particularmente previa como o mais provável e ainda assim esperava que alguém teria o bom senso de evitar isso, esse alguém era o Departamento de Estado, mas o medo irracional de ser confundido com ações passadas dos EUA na região levou Obama e Clinton a paralisia, poderiam estar sob influencias do thinks tanks que viam o Presidente Lula como moderado e podem ter contato com o desejo brasileiro de um papel maior na região confiando que o Brasil poderia ser o ator a resolver a questão. Claro esse cenário não passa de uma especulação não há elementos que nos permitam, por hora, saber as estratégias em jogo.

Cercado, acuado e sem poder contar com interlocutores ou mediadores neutros o governo interino tem se tornado cada vez mais irritadiço, as forças de segurança estão desgastadas e sob forte stress, assim estamos em um momento muito perigoso, pois com esse tipo de pressão pode-se evoluir a quadro de violência. Essa pressão indubitavelmente está corroendo as possibilidades de negociação, criando rompimentos graves de uma situação que poderia ter sido resolvido com um pouco de bom senso e muita diplomacia.

A OEA seria o lócus perfeito para isso, mas desde a primeira hora da crise o Secretário-Geral dessa organização tratou o assunto com ultimatos, o que minou a chance de negociação bem sucedida.

Hoje o Embaixador dos EUA na OEA decidiu criticar a postura irresponsável de Zelaya de retornar do modo que fez, será o inicio de algum tipo de ação do Departamento de Estado para resolver essa questão.

É fato que podemos mapear dois pecados originais nessa questão: Primeiro a maneira como retiraram Zelaya do país, talvez, incentivado pela deposição de Aristide no Haiti. Segundo o esvaziamento da legitimidade do processo eleitoral que está em curso em Honduras, que seria a saída natural, institucional e democrática para a crise.

Agora nos vemos no olho de um furacão em que o Brasil poderia estar confortavelmente agindo como potencia regional e fazendo o que o Itamaraty tem como posição mais confortável que é oferecer os bons ofícios do Brasil. Poderia estar o Itamaraty a desempenhar um papel importante para estabilizar e preservar a democracia e a segurança do povo hondurenho.

Se a versão veiculada pelas autoridades brasileiras é verdadeira e fomos pegos de “calças curtas” com a chegada de Zelaya, deveríamos ter condicionado sua entrada em nossa embaixada ao aceitamento do mesmo a condição de asilado, segundo passo seria garantir um salvo-conduto e retirado o presidente deposto de Honduras.

Muitos são os que querem comparar um decreto de estado de sítio que é constitucional com atos de governo de exceção como se fora uma ditadura. Racionalmente temos que analisar que as condições de agitação dão margem a essa medida.

A situação piorou muito e o envolvimento do Brasil é sem dúvida lamentável na mesma semana que conquistamos uma importante vitória no campo econômico tendo o status dos emergentes formalmente reconhecidos transformando o G-20 no lócus de decisão, mas ao patrocinar essa questão, nos comportamos a meu ver como uma típica república bananeira. (Imagino que essa declaração vai colocar-me em rota de conflito com inúmeras pessoas, mas não posso abster-me da minha consciência) Para fechar esse texto recorro novamente a Braguinha.

“Somos da crise, se ela vier

Bananas pra quem quiser”

. Braguinha- Alberto Ribeiro. Yes nós temos banana, 1937.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Colômbia – Venezuela: Uma crise previsível

A mais nova crise política da América do Sul está em curso Hugo Chávez o presidente da República Bolivariana da Venezuela determinou o rompimento das relações diplomáticas entre sua nação e a vizinha Colômbia. O fez em discurso transmitido ao vivo pela rede Tele Sur. Ao lado do treinador e ex-jogador argentino Diego Maradona, que ficou ali parado servindo de decoração enquanto Chávez dava a grave noticia uma cena com toques de realismo fantástico, sem dúvidas. Essa decisão estar a ser ensaiada há tempos, por sinal em maio de 2008 seguindo o ataque colombiano ao acampamento das FARC no Equador. Por sinal a atual crise está intimamente ligada aquela uma vez que é um desdobramento natural das acusações de ligação entre a Venezuela e os narco-gueriilheiros das FARC. Nessa quarta-feira o presidente da Colômbia (e de certa maneira o arquiinimigo do chavismo na América do Sul) Álvaro Uribe, por meio de seus representantes na reunião da OEA afirmou que as guerrilhas FARC e ELN estão ativas...

Bye, bye! O Brexit visto por Francisco Seixas da Costa

Francisco Seixas da Costa é diplomata português, de carreira, hoje aposentado ou reformado como dizem em Portugal, com grande experiência sobre os intricados meandros da diplomacia européia, seu estilo de escrita (e não me canso de escrever sobre isso aqui) torna suas análises ainda mais saborosas. Abaixo o autor tece algumas impressões sobre a saída do Reino Unido da União Européia. Concordo com as razões que o autor identifica como raiz da saída britânica longe de embarcar na leitura dominante sua serenidade é alentadora nesses dias de alarmismos e exagero. O original pode ser lido aqui , transcrito com autorização do autor tal qual o original. Bye, bye! Por Francisco Seixas da Costa O Brexit passou. Não vale a pena chorar sobre leite derramado, mas é importante perceber o que ocorreu, porque as razões que motivaram a escolha democrática britânica, sendo próprias e específicas, ligam-se a um "malaise" que se estende muito para além da ilha. E se esse mal-estar ...

Fim da História ou vinte anos de crise? Angústias analíticas em um mundo pandêmico

O exercício da pesquisa acadêmica me ensinou que fazer ciência é conversar com a literatura, e que dessa conversa pode resultar tanto o avanço incremental no entendimento de um aspecto negligenciado pela teoria quanto o abandono de uma trilha teórica quando a realidade não dá suporte empírico as conjecturas, ainda que tenham lógica interna consistente. Sobretudo, a pesquisa é ler, não há alternativas, seja para entender o conceito histórico, ou para determinar as variáveis do seu experimento, pesquisar é ler, é interagir com o que foi lido, é como eu já disse: conversar com a literatura. Hoje, proponho um diálogo, ou pelo menos um início de conversa, que para muitos pode ser inusitado. Edward Carr foi pesquisador e acadêmico no começo do século XX, seu livro Vinte Anos de Crise nos mostra uma leitura muito refinada da realidade internacional que culminou na Segunda Guerra Mundial, editado pela primeira vez, em 1939. É uma mostra que é possível sim fazer boas leituras da história e da...