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Um democrata

Permitam-me uma quebra da boa norma da escrita, que diz que se deve no primeiro parágrafo deixar claro do que se trata o texto, pistas sobre a argumentação e as bases da conclusão que se chegará. Começarei esse texto com digressão, mas que me inevitável quando escrevo a frase: “um democrata”, afinal como muitos da minha geração fiquei com subconsciente impregnado com o jingle eleitoral do candidato a presidência pelo PSDC, José Maria Eymael, que dizia entre seus versos: “Ey, Ey, Eymael um democrata cristão”. Como candidato Eymael, não conseguiu suas pretensões presidenciais, mas seu jingle é um caso de sucesso.

Feita essa digressão que em nada tem a ver com o tema vamos ao texto, ao ler os jornais hoje, como te hábito, me deparei com uma notícia que me fez pensar, eis ai um democrata, (com uma dose aguda de ironia, caso não fique claro) me deparei com as fotos da visita do Líder Venezuelano e da ALBA, Hugo Chávez Frias, como convidado de honra nos festejos que comemoram os 40 anos do golpe na Líbia em que Muamar Khadafi ascendeu a condição de ditador desse país.

Sim, tenho ciência que a Política Externa é composta por um grau constante de descompasse entre ideais, discursos e ações práticas, alguns chamam a isso de pragmatismo. Mas, há limite para tudo. O presidente Venezuelano que com ardor estudantil tem posto toda sua figura política e os meios que dispõe para denunciar o golpe e Honduras e clamar (até com ultimatos) o retorno do líder hondurenho deposto “Mel” Zelaya.

Como pode um democrata tão fervoroso, comparecer e com muito orgulho a celebração de uma ditadura, que recentemente organizou uma recepção de herói (ou campeão olímpico) para um terrorista condenado, e que é uma ditadura fechada há 40 anos.

É claro não é só Chávez que visita efusivamente Khadafi, outro dia foi o presidente Lula, que o tratou como irmão e outras palavras de apreço. Um paradoxo que se desfaz rapidamente, para aqueles que defendem a mesma tese que eu de que a resistência ao golpe em Honduras por parte desses grupos não se trata da defesa a democracia ou a ordem constitucional e sim uma reação a primeira resistência veemente ao modelo que tem sido aplicado de mudanças constitucionais para perpetuação no poder aliado ao uso clientelista de programas sociais, intimidação de adversários e diminuição gradativa da liberdade de imprensa. E como não podia deixar de ser, também, há centralização do papel do Estado na economia.

Essa visita é só mais uma evidencia para corroborar essa tese, por que não há política externa, por mais voltada a interesses e pragmática que comporte uma distância tão avassaladora entre discursos e gestos. Distância, claro, se tomarmos os discursos como padrão, ao analisar mais de longe vemos que há uma coerência nessa incoerência (outro paradoxo), a ideologia, que tem sido o grande norte orientador de políticas de certa maneira tem influenciado todos os grandes conflitos e tensões nas Américas, desde as compras militares e formação dessas doutrinas, até as concepções de integração regional, que tem deixado a parte comercial, em segundo plano, mesmo que para o público essa parte é descrita como motivadora das agendas de integração.

E a componente ideológica mais distinta, mais facilmente averiguada é o antiamericanismo, isso explica uma compulsão por parcerias ditas estratégicas que nações distantes e que são claramente hostis, ao que se costuma denominar como ocidente. Muito interpretam como uma estratégia de diversificação e de diminuição da dependência quanto aos EUA, o que é desejável e parte da agenda de muitos estados da região, para outros, esse alinhamento visa à sustentação interna de um modelo calcado no enfretamento do “império”, um modelo de inimigo externo unificador, que polariza esses estados entre nacionalistas e “entreguistas” ou agentes do império, oligarquia decadente, e qualquer nome que se queira dar.

A Venezuela cada vez mais dá provas que está nesse segundo grupo já que sua agenda mundial é toda construída a partir de um discurso hostil aos EUA. Ai incluso até exercícios militares com a Rússia (ao melhor estilo guerra fria).

O Brasil nesse grupo parece ter uma divisão em sua agenda, há uma tentação política dos líderes de aderirem ao discurso antiamericano e que culpa os países desenvolvidos por tudo (como no lastimável episódio em que o Presidente Lula, culpava aos brancos de olhos azuis, pela crise mundial, como se não tivéssemos ganhado muito dinheiro com o consumo alimentado pela bolha imobiliária dos EUA). Por outro lado há um forte grupo de pressão que parte do agronegócio e das indústrias e suas entidades de classe que impulsiona o Brasil ao pragmatismo, a buscar acordos comerciais, a ter um papel preponderante em Doha, claro não só grupos de pressão extra-burocracia, como dentro da burocracia estatal, grupos que têm a idéia de tornar o Brasil um “global player” sua meta de política.

Assim há uma aproximação com os BRICS, com a África do Sul, mesmo países árabes, que visa aumentar a influencia e as capacidades brasileiras de agir globalmente e atuação brasileira nesse rumo e típica de potencias médias, que é a preferência pelo tratamento multilateral dos assuntos internacionais, e de ser representante de um grupo de países, ser um líder nos blocos que se formam nessas reuniões. E nas diversas organizações multilaterais.

Em outro texto tratarei mais detalhadamente sobre o Brasil e essa agenda que é segundo estudos, uma agenda percebida como desejável por grande parte das correntes de opinião que formam o que se trata genericamente como opinião pública.

São muitas as agendas e intenções simultâneas que constroem uma política externa, todos nós iniciados na área sabemos dessa complexidade que gera posições diversas, natural e até desejado numa democracia que se pretende plural, como o Brasil. Agora há riscos inerentes em se ideologizar uma política externa como tem feito a Venezuela, por que se vai criando resistências, polarizações, que se mantiverem em escalada constante podem ter resultados muito negativos, além de acordos comerciais e empréstimos que podem ser lesivos ao contribuinte, posso ser romântico, mas uma política externa deve refletir o interesse nacional.

E o que é o interesse nacional? Respondo boa pergunta!

O conceito que utilizo é que esse interesse é o somatório dos diversos interesses de diversos grupos de opinião, que por meio do jogo democrático, conseguem encampar suas teses com sucesso. Assim se constrói uma delimitação do que seria o interesse nacional, nem todos concordariam com tudo, mas lidar com essas frustrações faz parte de lidar com a alternância de poder, liberdade de expressão, em resumo aceitar a democracia como um valor e construir a política externa a partir desse ambiente de embate de idéias, tendo a lei, a Constituição como limite e como norte moral podemos ter um valor altamente aceito, como a defesa da vida, por exemplo.

E já que comecei violando o que se tem como prática de boa redação termino fazendo algo semelhante, convidando cada um de vocês a terem suas conclusões sobre o assunto e sobre “o democrata” em questão.

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