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Um balanço de impressões sobre os últimos dias

Equívocos em política externa já foram cometidos pelo Brasil e a rigor por todos os Estados, erros de calculo e posicionamentos não oportunos, são coisas comuns, fazem parte do ônus de conduzir política em ambiente de assimetria de informações e que as projeções para o futuro, são apenas projeções de cenários, que podem ou não se concretizar.

Surpreendente é o volume que vimos nos últimos dias desses erros de cálculos por parte do Itamaraty que goza de um status e com grande respeito e deferência pela opinião pública, por grande parte da imprensa e pelos meios acadêmicos, por sinal nesse ultimo há muita interação já que grande parte da produção acadêmica ainda é feita por diplomatas de carreira, ou por pesquisadores que foram orientados ou alunos de diplomatas (como eu, para citar um), contudo esse status pode estar em cheque com as ações dos últimos dias, não somente em Honduras, mas declarações jocosas fora de hora e as inconsistências como ser categórico contra um golpe de Estado e defender uma ditadura, a mais longa do continente, logo em seqüência.

Consistência e previsibilidade são em quase todos os modelos teóricos disponíveis pontos positivos e que geram estabilidade no sistema, portanto, provêem uma reputação desejável aos estados, romper com isso é algo delicado que deve ser feito de maneira calculada em com o interesse nacional (ou no mínimo a percepção desse manifesta pelo grupo político dominante) e levada a cabo quando o custo-benefício apresentar uma correlação positiva.

A Política Externa Brasileira em sua dimensão do discurso sempre que teve oportunidade, na era Lula – (Amorim-Marco Aurélio Garcia) condenou a intervenção em assuntos internos, principalmente na era Bush, quase sempre duvidando abertamente da posição manifesta de defesa e expansão da democracia. Por sinal recentemente tivemos um exemplo com o caso do terrorista condenado Batisti, em que o interesse italiano por sua extradição e um possível lobby ou pressão desse país para que o Supremo Tribunal Federal tome uma decisão no sentido da deportação do terrorista, esse ato foi sempre classificado pelo Ministro da Justiça como intervenção de “potência estrangeira”, sem mencionar nominalmente a Itália, mas fica claro.

O que diria Tarso Genro se alguma representação diplomática em Brasília recebesse um ator político da oposição e que protegido pelo estatuto da inviolabilidade da Embaixada para atuar politicamente e veementemente incitando algum tipo de levante ou protestos violentos?

Agora temos o G-20 prestes a começar e temo pelas declarações que serão feitas, que podem diluir a credibilidade do mandatário brasileiro que podem colocar em cheque a dura batalha por maior poder e representatividade regional e global do Brasil.

Claro que posso estar colocando um peso demasiado em discursos, mas nesses últimos dias os mesmo tem se convertido em políticas e nessa frente de liderança regional, podemos ter fortalecido nosso papel entre os países que se querem ou intitulam “progressistas”, contudo a intervenção direta e flagrante em Honduras pode diminuir muito a capacidade de projetar o chamado “Soft Power”, já que aumentas as desconfianças ante o Brasil, nos interlocutores mais próximos.

Afinal se o Brasil ingere nos assuntos internos de uma pequena nação de uma região que não lhe é estratégica. O que fará nas que são? Muitos pesquisadores, formuladores e forças políticas da região devem estar legitimamente se perguntando a esta hora.

Mais acima falei de consistência, pois bem, o Brasil se opunha a política de Bush, por que esse interferia por vezes militarmente com agendas ocultas usando falsamente a bandeira da Democracia e agora vemos o Brasil usando o mesmo argumento da defesa da democracia, mas da mesma maneira que condenava a administração Bush, o presidente Lula, também fala entusiasmadamente da defesa da democracia ao mesmo tempo em que dá apoio político a ditaduras. Fidel e khadafi são o Pervez e a família Saudi de Lula.

É por causa dessas coisas, que em matéria de relações internacionais o velho adágio da língua inglesa “the Devil is in the details” é mais que verdadeiro, e por vezes uma análise cientifica e desapaixonada é contra-intuitiva (os analistas ou mesmo estudantes, que já discutiram assuntos internacionais, com leigos em uma mesa de bar, por exemplo, sabem bem disso, não que eu me julgue superior a um leigo, mas é uma questão de maneira, métodos e rigor de análises).

Dias difíceis para o Itamaraty serão os próximos, terão que mostrar e de certa maneira provar que sua boa reputação e status são atribuídos de maneira justa a esse corpo diplomático. Por que dessa vez não foram apenas declarações infelizes ou que dão margem a controvérsias (como a dos brancos de olhos azuis responsáveis pela crise), dessa vez temos um problema real na mãos e que a atuação do Brasil é indispensável para uma solução, no momento em que foram escancarados os portões da representação diplomática brasileira entramos no “olho do furacão” da crise hondurenha.

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