Desde fins de junho que um assunto tem permanecido relevante nas discussões sobre relações internacionais, em especial, no âmbito das Américas, a deposição de Manuel Zelaya da presidência hondurenha, já gastei aqui centenas de bytes, sobre esse assunto, mas a história parece não se esgotar. É notório que considero a maneira como foi deposto o presidente Zelaya, desastrosa e incompatível com o devido processo legal, o império da lei, que é ponto basilar de qualquer regime que se julgue democrático.
Embora, também seja basilar de uma democracia, dispor de meios institucionais para sua própria defesa, ou seja, uma democracia, por meio de sua carta magna, contém meios para que ela seja preservada, já que ninguém, nem com ou sem apoio popular tem o direito de solapar a constituição e desobedecer a uma decisão judicial, sendo esse alguém uma autoridade eleita, maior e mais nociva é essa desobediência. Posso dizer que sou contra a maneira como Zelaya foi retirado do poder, mas não os motivos.
Isso tudo eu já escrevi aqui muitas vezes, a questão é que pensar relações internacionais e analisa-las não é só um exercício de contrapor o resultado teórico hipoteticamente ideal contra a realidade e a partir daí determinar o que deve ser alterado na realidade. É parte do oficio, aceitar que algumas coisas serão relativizadas no processo, no ponto de vista de um negociador essa visão de alteração da realidade pode ser contraproducente ao gerar posições negociadores inalcançáveis e pior em um caso como esse, por que a irredutibilidade tenciona ainda mais a situação, criando caminhos para radicalização e violência.
Chamo constantemente a atenção para isso, por que a democracia na minha escala de valores é um bem muito querido e precioso, tão importante quanto à paz, mas a vida humana tem seu lugar inconteste como a maior das preocupações e sua preservação é o norte que guia uma negociação. Não que eu tenha ilusões kantianas com a paz perpétua, mas cada vida poupada ao se evitar conflitos armados é uma pequena vitória do que há de mais nobre em cada ser humano.
A questão hondurenha, não terá resposta fácil e não satisfará completamente a fragmentada opinião pública, tampouco as correntes políticas, será se alcançada como todo acordo dessa natureza uma série de concessões, será um compromisso das partes envolvidas em achar uma solução que resguarde a democracia hondurenha e, sobretudo os próprios hondurenhos.
As negociações, embora, para qualquer observador imparcial sejam a melhor e mais factível e realista (realista empregado sem filiações teóricas) solução lógica desse impasse. E ainda assim, essas negociações são bombardeadas, negligenciadas e sabotadas, por uma insistência quase patológica de forças alheias a Honduras na volta incondicional de Zelaya. Vou me repetir mais uma vez, (se me permitem?), o homem foi deposto, pelas Forças Armadas, com apoio do Parlamento e da Corte Suprema. A reação popular a deposição foi dividida, mas longe de vermos protestos vultosos e incessantes como no Irã, sem contar a presença confirmada de muitos estrangeiros na massa manifestante, bem como nacionais pagos para tanto, não quero dizer que não haja vozes de apoio a Zelaya, mas não são tantas assim, isso tudo somado mostra que não há condição de governabilidade para Zelaya, sem que o grupo que comanda interinamente Honduras, componha um governo de coalizão nacional, ou algo do gênero.
Os discursos uníssonos de condenação ao chamado golpe, escondem motivos e agendas variadas para isso, o que já exploramos aqui em alguma medida, a novidade da semana, por assim dizer está na expulsão da Embaixadora Hondurenha acreditada na belíssima capital portenha Buenos Aires, que mesmo indicada ao cargo por Zelaya se mostrou favorável ao regime interino, uma prova que mesmo nos cargos mais altos da burocracia hondurenha, o presidente deposto encontra resistência.
O presidente deposto continua sua peregrinação em busca da recondução ao poder, visitando aliados latinos e acusando, como não podia deixar de ser, os EUA, de arquitetarem e darem apoio ao golpe. Isso por que o presidente Obama tem feito de tudo para condenar o golpe, mas claro, ciente das repercussões de um acirramento de ânimos, tem patrocinado esforços diplomáticos e pedido prudência a Zelaya que vez ou outra ensaia entrar vitoriosamente “nos ombros do povo” em território hondurenho.
Minha preocupação continua com o desenrolar desse impasse, é preciso prudência e capacidade política para alcançar um acordo satisfatório, mas a ingerência de interesses estrangeiros e projetos ideológicos expansionistas estão a minar os esforços nesse sentido. Como analista percebo essas forças, os interesses e agendas em jogo e consigo vislumbrar os cenários possíveis. E mesmo treinado para não emitir juízos de valores, me permito os emitir, em parte por que a mídia blog assim permite, e por que esse texto não é um construto acadêmico, e minha opinião transborda pelo texto (afinal cada adjetivo é um editorial em si mesmo).
E caso não tenha ficado claro o que penso, acho uma temeridade, uma verdadeira sandice, qualquer resultado que não seja negociado e que não restaure a normalidade institucional, o que é bem factível, já que é ano eleitoral e esse processo eleitoral, devidamente supervisionado por observadores internacionais, com a campanha livre de qualquer restrição, ou seja, um processo levado nas condições que a lei local estabelece, elegerá lideres, legítimos e legais, o que põe fim ao impasse sobre a legitimidade e normalidade legal de Honduras, mas já circulam, em alto nível, discursos que não aceitam essa saída, esses discursos cumprem um papel duplo mantém o fantasma da solução violenta em pauta e mostram que o apoio à democracia definitivamente não é o motivo da condenação ao chamado golpe.
Em caso do pior dos cenários que vislumbro (levante popular, seguido de intervenção estrangeira, reação militar, desestabilização das instituições, guerra civil) se concretizar, todos os líderes latinos, europeus, asiáticos, africanos, de organizações multilaterais, terão suas mãos sujas de sangue, cada gota, cada mililitro. Por que há uma solução pacifica, possível, factível a disposição, claro que essa solução exige muita engenharia política e negociação, mas isso não diminui a obviedade que é preferir sempre a solução pacifica. Reitero sem ilusões, afinal “si vis pacem para bellum”.
Por fim, só me resta observar, analisar e interpretar as ações diplomáticas. E enquanto assim o faço fico em meu intimo, e aqui nesse meu espaço virtual, a torcer (mesmo que possa parecer um exercício fútil) que uma solução pacifica se faça.
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