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Por que Honduras? (versão Coisas Internacionais do “por que Mogi?”)

O título é baseado na piada recorrente do programa humorístico do canal pago SporTV, (que por alguma razão sempre usa o time e a cidade de Mogi Mirim, para suas piadas, inclusive é recorrente a piada de auto-referencia “Por que o Mogi?”. Explico por que desse título, desde o começo da crise me espanta como já deixei retratado aqui o tamanho da cobertura dada a Honduras e sua situação e não só isso, mas a falta de reflexão mais profunda na imprensa, e salvo nobre e raras exceções.

Atentei também em uma nota curta que previa uma escalada das ações em Honduras para empurrar da mídia internacional um escândalo recente que eclodiu no Equador, quanto a dinheiro Venezuelano usado na campanha que elegeu Rafael Correa, presumi que isso ocorreria por que parece haver uma clara coordenação das ações dos membros da ALBA, coordenada por Hugo Chávez. E como vemos com as idas e vindas de Zelaya até a fronteira, incitação de insurgência, e assim por diante, tudo com a conivência e incentivo do governo da Nicarágua, a despeito do processo negociador aberto e em curso na Costa Rica.

As propostas a mesa na Costa Rica, como já pontuei aqui são não só factíveis, como realistas e restauradoras da ordem, e ainda satisfazem a chamada “comunidade internacional” (há que se provar que isso existe), uma análise mais vigorosa e interessada dessas propostas deixa claro que o projeto de consulta popular e reeleição do deposto Zelaya, são condições básicas para um governo de coalizão, além claro do que tem sido difícil para o governo interino aceitar a anistia a Zelaya e seus apoiadores, é uma solução difícil, mas exeqüível.

A veemência da negativa de Zelaya e o assunto ter tomado a centralidade da vida diplomática da região é um fenômeno compreensivo do ponto de vista, que para o projeto político do presidente deposto ter alguma esperança de progresso, sua volta ao poder tem que ser total, ou seja, sem nenhum tipo de concessão as forças políticas que o depuseram. Naturalmente temos um impasse, já que os dois lados têm seu futuro político, atrelado ao resultado dessa queda de braços, podendo o governo interino ainda ter uma posição de vantagem mesmo aceitando o retorno de Zelaya ao poder nos termos propostos, já que eliminariam sua possibilidade de reeleição e sua aura de defensor da democracia e injustiçado (quase um excluído) alimentada pela imprensa, que se transferiria a Alba, quase por osmose, com uma poderosa mensagem, consigo ver até o Presidente Chávez em uma camisa vinho tinto em um eterno discurso, vangloriando como a união dos povos latinos deteve as elites e o império.

A situação é delicada politicamente, por que uma saída negociada transformaria as bravatas e ultimatos dos aliados de Zelaya em folclore, e os seus créditos seriam certamente colhidos não só pelo Mediador Presidente da Costa Rica Ária, mas pelo governo de Washington, que por pressão do congresso pode começar a amaciar ainda mais seus discursos contra o regime interino.

Um fato novo, contudo, pode tornar a situação ainda mais complicada, como muitos de vocês já sabem (quem não souber pesquise na internet), rumores sobre apoio logístico, material e bélico do governo venezuelano para as guerrilhas da FARC, circulam desde o episódio do ataque em solo equatoriano, e da apreensão de computadores que ligam os membros do Secretariado (corpo coordenador das FARC) com generais do circulo próximo a Chávez, incluso o chefe de sua inteligência militar. (Revista colombiana a Semana, principalmente, é uma das fontes dessa história)

Esses rumores foram de prontos rechaçados e tratados como delírios ou fabricações do governo Uribe, que a época se encontrava isolado no continente. Nem mesmo as declarações dos peritos criminais da Interpol, que os dados não foram adulterados, serviram para que a história deixasse de ser tratada no período condicional, ou seja, os jornais e analista continuavam a tratar, como teriam sido repassadas as FARC, mas uma nova incursão militar das Forças Armadas Colombiana descobriu lançadores de granadas propelidas por foguete, de alto pode destrutivo. Essas armas são da fabricação sueca e a fabricante e a Suécia garantem terem sido vendidas ao exército da Venezuela, segundo revistas colombianas, o governo Uribe, tratou do assunto com discrição junto à Venezuela, afinal é difícil provar, que contrabando de armas necessariamente implica em um plano governamental e não em “simples” corrupção de funcionários públicos e traição no caso dos militares envolvidos.

Aparentemente, Bogotá não recebeu uma resposta satisfatória e decidiu tornar a coisa pública, no que será sem duvida mais um embate pessoal entre os dois líderes, a cobertura da imprensa mesmo sendo dura com a pessoa do Hugo Chávez, é leniente com seus intentos políticos e tende a amplificar suas respostas e diminuir as acusações com o bom e velho tempo verbal condicional.

Ok. Esse é um site de relações internacionais e não de análise da mídia, mas como analistas sabemos e em grande parte graças aos ensinamentos sobre regimes internacionais da convergência “neo-neo”, e das linhas de análise derivadas da Historiografia, que identificam como uma das forças profundas que moldam as ações políticas dentro dos estados e do próprio sistema internacional, na opinião pública e suas correntes, portanto é importante entender como a mídia interpreta os fenômenos internacionais e como as diversas correntes e tendências tanto nacionais como transnacionais de opinião pública percebem esse mesmo fenômeno, como o avaliam e como projetam isso, nas sociedades, ou seja, como essas correntes de opinião se organizam e o impacto que eles podem ter em formação de políticas, esse mecanismo pode não ser simples, mas permite criar cenários analíticos mais precisos.

Por isso tudo acima que é preciso estar atento a cobertura feita pela mídia, e pelas análises subseqüentes, já que estudos aprofundados e relevantes sobre esses fenômenos só serão possíveis, quando dados suficientes estiverem a disposição e mais sejam analisados de forma rígida, cientifica, com método e seus resultados publicados, o que sabemos não é algo que se faz no curto prazo.

Esse é inclusive o risco maior que um analista assume quando decide apresentar suas percepções e análises, já que quando feitas no calor dos acontecimentos não apresentam a profundidade nem a sustentação necessária das conclusões, por falta de acesso a dados, e por que naturalmente, mesmo sendo algo indesejável, há um posicionamento pessoal acerca de assunto, que é mais facilmente suprimido em um longo estudo, que necessariamente implica em inúmeras horas dedicadas a leitura e reflexão sobre o assunto.

Mas, por que Honduras? Bom com as evidencias que tenho até momento, acredito que Zelaya intensificará sua campanha, monopolizando os poucos minutos e poucas páginas dedicadas a América Latina nos jornais.

Esse é um momento impar nas relações políticas interamericanas em que há coesão entre todos na condenação ao golpe o que de certa forma contribui para o crescimento e propaganda da ALBA, uma vinculação clara de seu represente - mor a um grupo guerrilheiro pode derrubar a imagem de protetores da democracia, além de forçar o Presidente Barack Obama a se engajar na região, re-equilibrando forças, além da pecha da vinculação com o terrorismo, ainda que administração Obama, queira se distanciar da imagem, da percepção que se tinha do governo Bush, será difícil que ele não seja obrigado a agir na região. Ainda mais com a política antidrogas, sendo tão importante para os EUA, principalmente no México que eles temem que possa ser tornar um Estado-Falido.

Por que tudo isso é muito difícil de resolver, que acredito que as diplomacias focarão na questão hondurenha e assim tentam tirar da discussão pública assuntos espinhosos, que estão entrelaçados com outros ainda mais complicados, que por sua vez se conectam com outros ainda mais difíceis, ainda mais por que essas questões podem atingir fortemente a imagem das Esquerdas Latinas. Que se sustentam em grande parte com a imagem de luta pela democracia. E podem se ver envoltas em manobras que claramente não democráticas, por isso Honduras, por isso as dificuldades de negociação. E enquanto isso o povo hondurenho tem sua realidade política em suspense, com uma névoa de ameaças e insurgências.

Devo acrescentar que torço desejo, que esses assuntos não estejam entrelaçados, por que sem sombra de dúvidas se assim não for há possibilidades de sucesso na negociação, há possibilidade de que sangue, na maioria de gente pobre, será poupado. Hoje completa um mês desse golpe, veremos como as coisas serão conduzidas, pelas diplomacias, pelos presidentes e pela imprensa.

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