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Percepção das atitudes internacionais dos estados

Os não iniciados na história e nas disciplinas de relações internacionais são surpreendidos vez ou outra por atitudes por parte dos Estados que parecem contraditórias e até hipócritas. Eu não consigo classificar um Estado como hipócrita, por que, como já escrevi aqui, vejo nesse discurso antropomórfico (que visa tratar o estado como se fosse uma pessoa) uma ferramenta analítica inadequada, por que não corresponde a verdade e um discurso político perigoso, que transforma tudo em questão de honra nacional, humilhação da pátria, o que acaba por ser sempre usado como justificativas para ações internas, que sem essa cobertura provavelmente encontrariam resistência maior.

O Estado justamente por ser esse ente não corpóreo, mas ao mesmo tempo onipresente em nossas vidas, desde o registro de nascimento ao atestado de óbito, é complexo de analisar as teorias das relações internacionais, se desdobram sobre esse assunto, seja assumindo a difícil tarefa de entender a conformação institucional e como ela define e restringe a formulação de política externa, bem como efeitos de restrições externas, os famosos regimes internacionais (tão presentes na convergência teórica neo-neo), ainda há a questão dos níveis de análise, que se levada a cabo pode tornar uma análise mais complicada e intricada de desenvolver e descobrir e provar correlações ao incluir aspectos pessoais dos decisores, ainda há as correntes ligadas a historiografia que buscam desvendar a ação do estado, identificando ao longo do tempo as forças profundas, suas correlações, suas interpretações pelas correntes de opinião e seu impacto na formação de uma política externa.

Ao analisar profundamente acabamos ver que além de padrões de ação que podem ser verificados ao longo do tempo, há em muitos casos, uma espécie de resolução ad hoc dos problemas que a política externa de determinado país enfrenta, isso quer dizer que embora muito se fale em princípios norteadores a maioria das vezes são as condicionantes do momento, as conveniências e os grupos de pressão que acabam por determinar a ação do Estado. Não quero dizer que não há uma estratégia nacional, na verdade ela existe e é ligada ao interesse nacional, mas como esse se determina varia muito, além de que mesmo com objetivos estratégicos colocados, variações de ordem tática são comuns, principalmente se cumprirem o papel de alcançar ou resguardar o interesse nacional.

Há um certo grau de cinismo na política internacional, há um espaço para compromissos não tão vinculantes, isso é verificável acompanhando a redação de muitos acordos internacionais, que muitas vezes privilegiam, cartas de intenção a compromissos claros e com prazos, já que o inadimplemento desses compromissos pode gerar desgaste político interno e externo, além, claro da opinião pública mais transnacional que nunca.

Claro que esse duplo tratamento dado a situações semelhantes gera grande controvérsia na opinião pública, entre políticos, nos editoriais dos jornais e revistas e nos dias atuais nas comunidades virtuais, redes sociais e blogs. E isso pode se tornar em breve um fato complicador novo da formulação da política externa. Por que se por um lado a aproximação da sociedade civil dos decisores e formuladores dão uma mais precisa visão do que é o interesse nacional naquele determinado momento. A pluralidade de visões, por outro lado, abrem frentes de críticas e de uma fiscalização inéditas sobre a atividade diplomática, principalmente por aqueles que são caudatários de que valores morais devem guiar a execução da política externa de um país. Não que eu discorde que nortes morais sejam precisos, mas como analista, compreendo que a política internacional acomoda tantos interesses contrastantes que é preciso uma margem de manobra para uma política externa. Porém também como analista do assunto vejo que há um desgaste menor quando essas situações ambíguas de dois pesos e duas medidas não são feitas pela chamada diplomacia presidencial.

Um exemplo é muito negativo além de enfraquecer a imagem a e mensagem do chefe de Estado, quando num dia ele se manifesta veementemente contra um brutal golpe de “gorilas” e no outro é tratado como afeto e deferência por vários ditadores. Isso torna uma ambigüidade digna dos salões acarpetados das chancelarias e dos organismos multinacionais muito a mostra, muito ostensivo. Ainda mais por que políticos dependem, quer eles gostem ou não, dá opinião pública. Claro que falo do Presidente Lula, mas não é privilégio dele esse comportamento, o Presidente Obama, se negou a receber a comissão hondurenha que tentava ir a Washington para defender seu caso, expor os motivos da destituição do presidente Zelaya, mas hoje nessa terça-feira abre negociações com Cuba sobre imigração.

Não é a toa que os não iniciados não compreendem esse jogo político internacional que é ainda mais complicado e dissimulado que o interno, conseqüências da anarquia hobbeseana, quer aceitem ou não os adeptos da Escola inglesa. E o jogo político internacional se torna hipócrita aos olhos dessas pessoas, justamente por que não percebem quão caótica é a formação e a percepção do interesse nacional, e é justamente como esse interesse é definido, visto e percebido que norteia as decisões, e esse interesse é muito variável. Há, contudo, outra versão do interesse nacional que temos que perceber que são as causas dos Estadistas. Por isso é sempre condizente com uma análise mais profunda observar as idiossincrasias dos líderes mundiais e como eles se percebem, por que por mais fútil que isso parece influencia e muito as relações entre os estados, principalmente nas cúpulas.

Mas, é preciso que os observadores percebam, que nem tudo é feito com frieza de cálculos de interesse nacional, nem o outro extremo onde tudo é feito por ideologia, perceber isso depende de informações disponíveis e sensibilidade analítica. E desse balanço, somado a leitura intensa que cria a bagagem necessária para a análise, acaba por nos dar instrumentos que permitem analisar o mundo sem se escandalizar com as diferenças táticas caso a caso.

Não se escandalizar, entretanto, não significa aquiescer com essas táticas, aceitá-las passivamente. Por que antes de tudo somos analistas e cientistas, sei que há entre nós aqueles que acham tudo feito pelo MRE errado, ou sempre certo. Quando poderíamos usar a mesma metodologia da prática política e analisar cada caso, dentro de suas condicionantes, isso não nos impede a apontar outras soluções, mas é também uma linha de pesquisa interessante e que cabe ser decodificada as pessoas não iniciadas, essa linha é entender como se deu a decisão adotada.

Assim mantemos a nossa integridade intelectual ao não concordar com qualquer situação, mas mantemos, também, a honestidade intelectual ao compreender como se deu a decisão contestada e ai criticar ou suportar com base. Ou seja, usar dos métodos que a ciência nos dá. Para ajudar a informar a sociedade, ou nossos clientes, chefes, não importa, e lhes dar também elementos que permitam que formem sua opinião.
Por essas e outras que cada vez mais me convenço que há espaço e necessidade de mais profissionais de relações internacionais nas redações. E aproveito para reiterar, não duvido da capacidade dos jornalistas, como um todo, mas seria bom pra sociedade mais pluralidade de formações nas redações.

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