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O dom da Prudência, ou Honduras, imprensa e negociações

O assunto tem monopolizado as linhas que tracejo para esse blog, mas creio que não há nada mais interessante na política interamericana no momento que acompanhar os acontecimentos em Honduras, seus desdobramentos e suas cobertura, que alias abaliza minha idéia de uma nova esperança quando do trato de temas internacionais por jornais, que foi aberto pelo fim do monopólio do diploma de jornalista. Desde o primeiro momento que tratei do tema aqui sugeri aos meus colegas analistas e a vocês leitores que exercessem o saudável dom da prudência, ao avaliar o assunto, que é denso, com vários níveis e é tratado muito primariamente, mesmo por jornalistas experimentados de grandes jornais, isso sem levar em conta a auto-proclamada mídia independente e/ou alternativa.

Pior que isso é a pouquíssima prudência daqueles que deveriam se guiar por ela, os líderes regionais e os formuladores de política externa da região. Que tem contribuído para tencionar uma situação em nome de um princípio, em nome da Carta Democrática da OEA, que é mais que desrespeitada, aliás, todos os principais líderes que enchem a boca para julgar os golpistas têm laços profundos de amizade, ideologia e política com ditaduras que já completam décadas. Isso mesmo décadas.

Leiam corretamente o que vem a seguir a democracia é para mim o valor máximo da sociedade ocidental e um sistema que permite, facilita e estimula, a liberdade individual, coisa que preso muito. Sistema que nos permite coisas simples, como expressar uma opinião contrária a autoridades, sem sermos inimigos do Estado ou inimigos do povo como gostam de chamar as ditaduras. E não transijo na defesa da democracia, que não pode ser solapada, nem por referendo, plebiscito, aclamação, etc. Muito menos por golpes. E é nesse ponto que é preciso usarmos da prudência antes de nos posicionar sobre a questão hondurenha, por democracia, não é só direito a vota e direitos a minorias, democracia pressupões estabilidade de regras, portando, respeito a Carta Magna, mesmo em processos de mudanças da Constituição têm que ser feitos constitucionalmente.

Há como é de conhecimento de todos em todas as Constituições pontos sob os quais elas são construídas, não sou constitucionalista, mas são aqueles pontos que são responsáveis pelo espírito da constituição como dizem alguns juristas, pela vontade dos legisladores. Assim, respeitar a democracia é sim e de maneira inegável interligada ao respeito da Constituição vigente em dado país.

Por isso convido a prudência, pois a mídia, talvez ainda rescaldada pelo período militar respondeu histericamente a deposição de Zelaya, automaticamente chamada de golpe militar, de retrocesso, de uma reação das elites ao desvio para esquerda do Presidente Zelaya. E minimizam o fato dele ter desobedecido a uma decisão judicial, e ainda ter dado ordens ilegais as Forças Armadas daquele país, que são em ultima instancia guardiães da Constituição e é assim em todo mundo incluso o Brasil.

Pode surpreender há alguns, principalmente meus leitores não iniciados nas relações internacionais, mas as Forças Armadas, não podem agir à margem da lei, o que significa que não importa se o Comandante em Chefe ordene algo, não há quebra de hierarquia se tal ordem for ilegal. E ao dar uma ordem ilegal perde ainda seu status de Comandante em Chefe.

Um golpe militar é por definição um ato de subversão da cadeia de comando e ruptura da situação legal e das instituições estabelecidas, e até o momento, não podemos afirmar que isso ocorreu em Honduras, que como venho lembrando desde o primeiro dia estava em situação ilegal. E mais grave ainda deu uma ordem inconstitucional e ilegal ao Exército e afastou seu comandante, por esse se recusar a fazer o que a Corte Suprema, afirmou que era flagrantemente ilegal, por isso mesmo Zelaya, dias antes a deposição recuou da medida de exonerar o comandante.

Há um claro embate ideológico contaminando as análises por um lado, por outro há por parte da imprensa um horror automático só de ouvir a palavra militar. Por isso convidei aos meus leitores que recorressem à lógica ao observar a questão. Por que a lógica ajuda a nos guiarmos em um ambiente obscurecido pelas sombras ideológicas. Ainda ajuda a perceber a falta de coerência de posições dos países da região. O que gosto de chamar de moralidade ad hoc.

Percebemos ao ler a situação com calma, lógica e prudência, que há em ação um velhíssimo jogo geopolítico que mimetiza o funcionamento da Guerra Fria, só que com o Hugo Chávez como exportador da revolução. E agora parece não enfrentar resistência explicita do governo dos Estados Unidos, a tática de Obama parece objetivar esvaziar o discurso anti-imperialista da ALBA, mas há o risco nessa política, de que cada vez mais países capitulem ou sigam ao exemplo do modelo Chavista, que se torna cada vez mais virulento em seus discursos, o que pode ser visto como fanfarronice por especialistas e analistas de Relações Internacionais, mas têm impacto inegável sobre as massas, criando instabilidade.

Portanto esse pequeno pedaço de terra na América Central se converteu em um campo de batalha vital, por que uma derrota do modelo chavista, nesse país pode levar a intensificação da resistência que os bolivarianos encontram em seus próprios países, e uma vitória do modelo chavista ou um resultado assim percebido, ou difundido, pode fazer com que forças bolivarianas ganhem força, no Paraguai, Peru e mesmo na Bolívia onde têm esbarrado em dificuldades mais veementes.

Por isso mesmo, pelo potencial de rompimento da estabilidade da região que a Costa Rica, ofereceu seus bons ofícios, para intermediar negociações, que acalmem os ânimos nas ruas, que vêm sendo insuflados de fora para dentro, por discursos e ameaças intervencionistas. Reitero, é dever de qualquer chefe de estado zelar por seus cidadãos e não incentivar manifestações violentas, ainda mais quando negociações se abrem. Mas há quem se interesse pelo fracasso dessas negociações, o que justificaria uma escalada de ações e de discursos, principalmente o controverso por natureza Hugo Chávez, que tem sido onipresente nessa crise desde a cessão do jatinho com o qual Zelaya tentava voltar a força. Mesmo com pedidos de várias organizações para que ele não assim o fizesse, e insuflasse a situação. O sangue do morto nos arredores do aeroporto, não está só na mão dos militares hondurenhos, mas também, nas mãos de Zelaya e Chávez.

As negociações pelos relatos que temos tem sido difíceis, mas com esse grau de polarização não era esperado que um dia de negociações promovesse avanços, ainda mais com vários atores buscando resultados que lhes interessam a revelia do que é melhor para o povo hondurenho, mas sim o que é melhor para a causa, seja ela qual for.

Resta-nos como sempre acompanhar e analisar os resultados e o clima dessas negociações que podem ser a diferença, o fiel da balança, para o retorno da plena normalidade institucional e democrática a Honduras e motivar um recrudescimento ou não dos aliados internos e principalmente externos de Zelaya. Em certo nível se levadas a sério bravatas ditas nos últimos dias, até mesmo a própria integridade e inviolabilidade do território hondurenho.

Leitores, acima de qualquer ideologia, ou cosmo-visões políticas é preciso que se análise a questão com a profundidade que ela requer, levar em conta, desde fatores políticos internos, que tornam o governo Zelaya insustentável internamente, fatores legais, institucionais, regionais.

Vou ser enfático para que não haja má interpretação não há nada que justifique um golpe de Estado, o desrespeito a constituição e a subversão das instituições estabelecidas. Mas, antes de qualificarmos como golpe, devemos ter todos os elementos a disposição, uma leitura neutra dos acontecimentos, e principalmente devemos manter o ceticismo e principalmente a prudência, para que não nos deixemos enganar no calor dos acontecimentos. E como sempre devemos ter a tão repetida aqui honestidade intelectual. Não obstante a conclusão que se chegue é preciso saber que nela se chegou com o uso de suas faculdades mentais em um pleno, que permita uma leitura abalizada e uma análise crítica. Concordar ou não comigo é detalhe. Mesmo por que apresento meus pontos de vista e tento substanciá-los, e é só isso que peço em eventuais discordâncias que sejam embasadas.

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