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Honduras. Um editorial em prol da autodeterminação de um povo

Eu não sou jornalista, como vocês sabem, e em um blog todo texto é um editorial, por que afinal é a expressão de uma opinião, contudo esse texto é diferente do que faço normalmente, são raras as ocasiões que como analista você pode se permitir tomar claramente um partido, pelo menos a meu ver, me cabe explicar o mundo o deixar a conclusão por parte dos leitores, ou dar a minha opinião de uma maneira cientifica, assim, com o tipo de argumentação, que sustenta a opinião. Imagino que no texto a seguir acabarei perdendo alguns leitores ou adquirindo inimigos, ainda assim, sou um defensor de manter a honestidade intelectual e isso implica não calar por medo de certa reação.

A situação em Honduras e os desdobramentos que nesse exato momento se desenrolam nesse pedaço de terra que em condições normais de temperatura e pressão ninguém nem se lembraria, ninguém saberia, exceto alguns poucos, que Tegucigalpa existe ou acharia no mapa (capital hondurenha). A imagem no máximo era a do país que sofre com o tráfico de drogas, quadrilhas de rua e os infames esquadrões da morte e as guerras sujas da CIA e da KGB.

Por isso, a Constituição de Honduras é tão energética contra a possibilidade de reeleição, chegando ao ponto de tornar um crime cogitar isso. É uma constituição que podemos ver em seu conteúdo foi escrita para garantir a não personalização do poder, a alternância de poder, o equilíbrio e a normalidade institucional do país. Podem-se fazer julgamentos sobre se seus artigos são ou não apropriados, mas como toda constituição, contem em si o gérmen de sua revisão ou da criação de uma nova constituição que são procedimentos descritos e previstos, nesse caso específico não suportam a via do referendo, consultar popular para que isso ocorra.

Naturalmente a Corte Suprema de Honduras, rejeitou a inclusão da consulta que deu inicio a atual crise. Uma democracia é muito mais que eleições diretas, uma democracia pressupões o império da lei, a divisão e o equilíbrio entre os poderes, não havendo preponderância de um sobre outro, mas sim atribuições especificas, a democracia pressupões também, que essas instituições dentro dos limites da lei, mantenha os outros poderes em cheque.

Mesmo em um regime presidencialista, super-presidencialista como alguns cientistas políticos gostam de classificar o chefe do executivo não tem autonomia para agir de nenhuma maneira que não seja proibida por lei, por sinal, o presidente tem a responsabilidade moral, ética, legal e política de defender e fazer cumprir a Constituição, mesmo papel que cabe a todas as figuras políticas e aos militares que em ultima instancia são os guardiões da ordem constitucional.

A lealdade e a linha de comando das Forças Armadas tornam o presidente seu comandante-em-chefe, com uma importante ressalva, suas ordens não podem de maneira alguma ferir a constituição, por isso mesmo o Comandante das Forças Armadas de Honduras fez várias consultas sobre a legalidade da ordem que recebeu de garantir que a proibida consulta popular fosse levada a cabo.

E comunicou ao Presidente que não cumpriria a ordem, e isso deu inicio a crise de governabilidade que levou a atual situação de impasse e deposição. Temos que saber que as raízes da crise estão na guinada de Zeleya para a via da ALBA, sua aproximação com Chávez acendeu as luzes de alerta na sociedade hondurenha que tem como base esse tácito arranjo entre as forças políticas de alternância de poder e não personalismo.

A forma de atuação de Chávez é conhecida e se baseia na quebra de conceitos, na exploração de sentimentos de exclusão, demonização das classes mais abonadas, culto a personalidade do pai dos pobres, retórica antiimperialista, oratória voltada a construção da América Grande (daí o bolivarianismo). Um discurso bastante atraente, já que dá uma roupagem nova a velhas práticas políticas patrimonialistas, caudilhistas ecoam nos ouvidos engajados, seduzem elementos da classe média, atraem poucos dos grupos econômicos poderosos (em busca de serem amigos do rei) e queimam como capim seco nas universidades, gerando um clima de esperança e lealdade quase cega que vê em qualquer voz destoante um inimigo do povo.

Tudo isso já foi visto antes e sabemos bem como vão se desenvolver esse modelo de estado onipresente necessita da presença constante quase perpétua do líder (nada diferente de Perón e Vargas na mecânica).

Assim se criou um cenário tenso em um país que sofre com a pobreza e com a criminalidade e vizinho da Nicarágua, que pode ser vista como a cabeça de praia do Chavismo na América Central e que tem passado por muitos problemas internos. Os eventos da deposição de Zelaya foram necessários a meu ver, mas conduzidos estupidamente, a defesa da democracia e do império da lei, têm por questão de principio ser conduzidas de maneira condizente, Zelaya deveria ter passado pelo devido processo legal, e se considerado culpado, deve receber a pena apropriada.

Qualificar o que ocorreu como golpe de estado é uma opção ideológica e rasa sobre a situação, muitos jornalistas repetem isso na melhor das hipóteses por ranços e temores ainda vivos dadas ditaduras que varreram o continente. Essa abordagem acaba por tornar a questão uma questão de recolocar no poder aquele que foi escolhido pelo povo (para governar e defender a constituição do país, diga-se de passagem).

Do ponto de vista judicial a situação em Honduras é difícil de ser qualificada, por que de maneira geral as instituições continuam em funcionamento e a constituição em vigor, mas o presidente deposto, sem o devido processo legal e ai está o erro principal, que está sendo usado por Zelaya e seus aliados conscientes ou inconscientes.

A partir disso um verdadeiro circo foi montado em nome da defesa da democracia, as organizações de noticia têm reportado com viés claro, chegando ao ponto como hoje, de ignorar o que diziam as placas e afirmarem que uma multidão que rejeita Zelaya e deseja que ele seja preso, eram seus apoiadores.

Sejamos honestos o governo interino manteve todos os representantes da imprensa em Honduras reportando livremente e isso não combina com uma ditadura, o governo interino está em negociações e tem sofrido pressões econômicas e políticas inacreditáveis, somadas a tensão que tem sido acrescentada de um risco de guerra civil, com as ameaças e com a prisão de vários e vários nacionais de países vizinhos que tem cruzado a fronteira para participar de protestos, nicaragüenses, bolivianos e venezuelanos, fato que tem sido pouquíssimo divulgado no Brasil. E pelas grandes empresas de mídia. (isso por que as gigantes empresas da mídia são poderosas direitistas que querem atrasar o povo, ou algo assim gritam os “engajados”).

A OEA legalmente não tinha muita alternativa quanto a suspensão de Honduras, pelo que já disse acima, mas podia principalmente na pessoa de seu Secretário Geral José Miguel Insulza, ter agido para normalizar a situação, compreender suas causas e procurar uma saída viável, com ênfase no viável. Uma Organização que tem uma Carta Democrática tem o dever de evitar rupturas, principalmente não escalar uma situação, com ultimatos e bravatas que podem terminar em derramamento de sangue em um dos países mais pobres do mundo, todos deveriam se preocupar não só com a Constituição, a democracia, mas com o Bem-Estar do povo hondurenho.

A participação dos líderes da região tem variado da omissão a irresponsabilidade, pontuada pela falta de coerência, por que, de novo, sejamos honestos, condenar um golpe depois de abraçar Kadafi, é no mínimo ridículo. Um papel lamentável para um presidente, isso por que eu entendo e aceito uma enorme dose de cinismo na política externa.

É a minha opinião e desse blog, mas não de seus anunciantes, leitores e apoiadores, que toda essa crise foi conduzida de forma errada. A deposição foi um desastre legal, e uma burrice política. A tentativa de subverter a ordem democrática ouvindo o canto de sereia do chavismo por parte de Zelaya foi perigoso e estúpido, por que pode jogar seu povo no caos. A influência de Chávez e seus apelos sem o mínimo pudor a resistência violenta foram uma intromissão e uma vergonha, maior ainda por estar envolto no financiamento e na incitação da baderna em Honduras. A retumbante e hesitante atuação de Obama, pode lhe ter dado pontos na opinião pública, mas deu a quase carta branca para expansão do chavismo, que teve que reverter patrocinando as negociações na Costa Rica.

Mas, o Troféu “Óleo de Peroba” vai para Fidel Castro, que teve a pachorra de criticar o golpe e ainda seqüestrou o assunto para fazer das suas ironias pouco inspiradas contra a Secretária Clinton. Por favor, Cuba que não quer voltar a OEA, por temer o sistema interamericano de Direitos Humanos e a Carta Democrática. Deveria se abster de comentar, mas seu comentário, no entanto, elucida e reitera o argumento que a crise e seu desfecho tem sido conduzido com uma mentalidade guerra-fria. Principalmente se considerada e aceita a hipótese que Honduras é a primeira grande resistência ao sistema de subversão da ordem democrática e do império da lei, que tem sido substituído por uma democracia direta que na verdade é claramente manipulada por uma máquina clientelista que usa do Estado.

Esse blog teme pelas ações irresponsáveis que estão a ocorrer, o presidente deposto Zelaya parece determinado a provocar uma confrontação, ele discursa com palavras de ação pacífica, mas suas ações são todas provocativas. E na humilde opinião desse blog toda e qualquer morte ou ferimento decorrente da entrada a força de Zelaya estará em “sua conta”.

Esse texto é uma das poucas vezes que vocês serão obrigados a ler uma declaração desse tipo, mas senti ser a hora de tomar uma posição, uma seqüência de atos tolos exagerados por interesses geopolíticos externos, inocência, complacência ou ideologia da mídia também serviu como combustível, para tornar um impasse político numa situação potencialmente muito perigosa.

Zelaya é um homem que não tem o respaldo popular que julgava e todas as instituições todas não o apóiam. A lição que podemos tirar até o momento é que violações da lei, não podem ser toleradas, e todo o processo deve seguir ao devido processo legal, mas cabe também, as forças políticas da região pensarem antes de falar, mas há a possibilidade de que alguns desses líderes querem isso mesmo uma cortina de fumaça externa, que lhes dê uma causa para lutar, uma causa para ser herói.

Abandonar uma possibilidade real de uma saída negociada e em algum nível satisfatória para todas as forças políticas envolvidas é uma, repito, irresponsabilidade!

E a maldita tradição de violência política tão cultuada na região (veja que Che é um herói), parece ainda dá sinais de força. Essa é sim a verdadeira tragédia e vergonha desse continente. Essa é a verdadeira ferida, seja a violência política das elites (ditas conservadoras ou direitistas), seja a violência dos manifestantes de esquerda (ditos excluídos, humanistas, progressistas, campesinos, indígenas, sem-terra).

Deixem que o povo de Honduras determine seu futuro. Como? Alguns se perguntam? E, respondo, com a antecipação das eleições, com toda a supervisão e liberdade. Mas, os líderes da região parecem querer enfiar goela abaixo do povo e das instituições hondurenhos uma colher de “Fel” Zelaya (sim tenho ciência que trocadilho é por si só vergonhoso). E por fim, a verdadeira ferida aberta, Vossa Excelência Presidente Lugo, o Trânsfuga, da democracia na América Latina é a pouca aceitação dos ideais democráticos.

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