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Golpe militar em Honduras? Para variar, muita calma nessa hora

Tempos atrás produzi um texto que se chamava futuro do pretérito, uma imagem que gosto de usar ao falar que a política na América Latina parece se manter num eterno loop. E o golpe militar que se deu hoje em Tegucigalpa que fez com que o presidente hondurenho fosse recebido como “convidado” pelo governo costarriquenho.
A que tudo indica uma crise institucional havia se estabelecido desde que a Corte Suprema de Honduras e o Parlamento declararam ilegal a reforma constitucional via consulta popular, em que o presidente atual pretendia incluir a re-eleição, no corpo da Carta Magna desse país.

Como todos sabemos Honduras integra o grupo de países da tal Alternativa Bolivariana, logo não me parece estranho que o governo hondurenho tenha escolhido o mesmo caminho que os demais países da corrente, que é impor a tese de que o legitimado pelas urnas, tem precedente sobre o que é legal. O que é meus leitores uma descarada afronta ao Estado de Direito e aos valores democráticos, por que entre vários motivos deixa a segurança jurídica ao sabor da sempre mutante opinião pública.

Essa tese da superioridade do legitimo sobre o legal tem servido aos membros da Alba, como mecanismo de destruição das instituições e concentração do poder em um grupo partidário, ou no personalismo de algum, líder, assim criam um novo clientelismo, substituindo as oligarquias tradicionais, mas não alterando o método de controle da população por meio da distribuição de benesses do governo, sem ações concretas e amplas de emancipação desses recipientes da ajuda estatal e isso transforma esses grupos em ferrenhos defensores do regime, não só por ideologia, mas por medo da perda desses “direitos sociais”.

Além disso, o discurso inflamado com a velhíssima retórica de luta de classes cria o clima para a centralização da economia pelo estado a despeito de combater o “neoliberalismo ianque”, e assim qualquer um que não se alinhe a esses regimes vai sendo caracterizado de inimigo do povo, lacaio do império e por ai vai.

Essa política de polarização vinha dando certo, principalmente pelo enorme apoio popular nos países em que está em curso, não sem enfrentar resistência, como o caso Boliviano nos mostra. É lógico que esse modelo só se sustenta, por que o pouco desenvolvimento capitalista dessas nações criou grupos privilegiados, que em nome de sustentar seus privilégios não construiu instituições políticas fortes, e seus serviços de segurança em geral eram usados como coerção havendo um legitimo sentimento pela mudança que é capitalizado pela tal alternativa, que na verdade, acaba por ser o velho modelo, só que agora acompanhado de belas palavras ao vento do discurso esquerdista e um assistencialismo estatal clientelista.

A insistência em promover as consultas populares mesmo depois do veto da Corte Suprema colocou o Presidente Hondurenho em situação de clara ilegalidade e de desafio as instituições. Coisa que ocorreu em outros membros da Alba, que, contudo, contavam e se fiavam no apoio popular incluso ai as Forças Armadas, seduzidos, talvez pelo discurso nacionalista ou satisfeito pela legalidade e legitimidade aparente vinda do clamor das ruas.

As Forças Armadas Hondurenhas até onde tudo indica sob o Comando de Romeo Vásquez, que segundo relatos, chegou a ser exonerado do cargo, mas imediatamente re-admitido, tomaram o poder, ainda não há manifestações, pelo menos que eu saiba até a hora em que escrevo dos militares sob “seu regime de transição” sempre usam dessas táticas, não duvido se seu comunicado incluir algo na linha de que: “agimos na defesa da ordem constitucional que estava a ser solapado”, o que é falso em si, uma vez, que há meios constitucionais de depor um presidente, ainda mais em flagrante desrespeito a decisões da Corte Suprema.

Contudo, chegam noticias de que em busca de uma normalidade institucional o Congresso Nacional de Honduras nomeou seu presidente, como presidente até a conclusão do termo do presidente deposto em 2010 e prometeu um governo de conciliação, o nome do “novo presidente” é Roberto Micheletli. A decisão se baseia em uma comissão que acusa Zalaya de descumprimento da constituição e que teria renunciado (coisa que ele nega veementemente) Mas, como disse acima, devemos ser céticos com militares golpistas, tanto quanto com políticos populistas.

Os relatos que chegam dão conta de manifestações com pouca aderência popular e a principio pacificas em frente ao ocupado palácio presidencial, a esperança é que assim se mantenham, mas a história dos golpes não nos anima quanto a esse intento, então é provável que atos de violência ocorram. O que é inquietante, por que podemos ter uma escalada de violência o que é sempre trágico.

É natural, esperada e saudável que haja uma reação de todos os países que tenham influencia na região ou que tenha interesses em Honduras, assim vem à condenação ao golpe por parte da União Européia, com palavras fortes. Os EUA clamaram pelo retorno da ordem constitucional, que é uma dupla reprovação ao presidente destituído e aos golpistas militares. Mas com retóricas pouco inflamadas numa situação como essa não cabe a priori tencionar ainda mais a situação.

A OEA convocou uma sessão de emergência que deverá ter uma resolução de repudio a esse passo atrás que é um golpe militar na América Latina. Provavelmente não deverá aceitar como legitimo o novo governo instalado.

Destoante como não poderia deixar de ser foi à reação do líder da Alternativa Bolivariana, o presidente venezuelano Hugo Chávez, esse líder além de clamar pelo imediato retorno do presidente deposto, já acusou o “império” pelo golpe e conclamou aos patriotas hondurenhos que resistam armados e que militares não sirvam ao golpe da “elite burguesa”.
E foi mais adiante ao declarar que se seu embaixador sofrer qualquer tipo de agressão ele intervirá militarmente (ao melhor estilo imperialista, que ele diz combater). Inclusive chega a exigir uma reação mais forte da Casa Branca (que em meio à batalha da reforma do sistema de saúde, pode não se focar pessoalmente nessa questão). Por sinal, quais interesses teriam os EUA na região além do combate as famigeradas “maras”? Claro há uma presença militar na região, até onde se sabe apenas como instrutores. E essa presença já atiça as mentes conspiratórias entre as fileiras da Alba.

Óbvio que era esperado uma reação mais forte do bloco da Alba, há um golpe contra um de seus membros, não sei se a retórica explosiva do Chávez é a melhor alternativa dada à delicadeza do momento e a quantidade de vidas que podem ser perdidas, além de que essa fala evidencia uma pré-disposição do regime de Caracas a intervenção direta em sua recém criada zona de influência, que caso se concretize, abre a caixa de pandora do intervencionismo que pode desestabilizar toda a região. Parece-me que mais uma vez o presidente venezuelano se aproveita de uma situação interna de outro país para se promover, como sucessor no imaginário revolucionário da região de Fidel Castro.

Quem, também, clamou por medidas fortes da “comunidade internacional” em repudio ao suposto golpe, foi outro membro da corrente Bolivariana o presidente Morales, nas próximas horas deve se manifestar com veemência também, o presidente equatoriano, nenhuma surpresa até aqui.

O Brasil se juntou aos que “defendem a estabilidade constitucional”, que como sempre no jargão diplomático pode ser uma afirmação maleável. Veremos se o MRE será pragmático, como é em outras regiões do mundo ou será adepto da defesa da democracia, em uma espécie de moralidade ad hoc de nossa Política Externa.

De toda maneira a esse episódio evidencia que os valores democráticos não estão consolidados em na América Latina e por isso mesmo devemos nós a sociedade civil estar vigilantes contra projetos que por qualquer justificativa visem enfraquecer de qualquer maneira as instituições e a segurança jurídica, principalmente movimentos de caráter populista, não importa, repito não importa a orientação ideológica a aceitação dos valores democráticos não podem ser de qualquer maneira diminuídos de importância.
Quero que uma coisa fique muita clara a meus leitores. A maneira correta de lidar com esse caso é pela via constitucional, pelo impeachment ou equivalente constitucional, provado que o presidente agia contrariando a decisão da Corte Suprema, assim são as democracias, poderes independentes e vigilantes entre si. Não sei ainda se podemos qualificar o que houve como golpe militar (como conhecemos) já que Corte Suprema e Parlamento apoiaram a ação militar, por isso fica a duvida se foi um golpe, ou não.
E de acordo com a mesma Corte as eleições presidenciais próximas, outubro, salvo engano, estão mantidas. Então pela enésima vez é esperar para saber os desdobramentos, (cientes dos riscos e esperançosos que a normalidade institucional e a ordem nas ruas prevaleçam, há a clara possibilidade de retorno do atual presidente, provavelmente vinculado a desistir de seus planos e manter o balanço atual de poder que perdura desde o fim do ultimo período militar).

Chega de ditaduras em nosso continente, chega de sangue, chega de golpes militares, chega de golpes constitucionais. Resta que o atual presidente interino, se quiser reconhecimento, esclareça algumas coisas tais como o presidente deposto teve direito a se defender das acusações na Suprema Corte? Foi detido com ordem judicial válida? O processo que escolheu seu sucessor foi um ato jurídico perfeito?

Todos os países latinos conhecem a dura realidade de períodos ditatoriais que sacrificam a liberdade, trazem o medo e a desconfiança não importa se castrista de esquerda ou direitista de Pinochet. O resultado desses regimes é sempre desastroso do ponto de vista humanitário é a falência do que há de melhor em nossas sociedades e a exarcebação do que há de pior.

Reitero, não há a meu ver complacência possível com quem pretende usar da democracia para acabar com a mesma. Eleição e apoio popular não significam justiça da causa, lembram-se de Hitler? Igualmente inadmissível é golpe por parte de quem quer que seja até o momento as evidências mostram que os militares não assumiram de fato o poder civil, repassando ao parlamento essa função. O fato novo nessa crise é a ameaça do uso da força pela Venezuela uma novidade negativa na região.

‘Cachorro mordido de cobra tem medo de lingüiça’, logo aguardemos, para ver como as coisas ficarão. Mesmo por que muito do que digo aqui pode ser corroborado ou não pelas evidencias e acontecimentos das próximas horas. Estou com problemas técnicos na internet e não poderei ficar up to date, no assunto o que pode até ajudar numa análise mais equilibrada, que é afinal nosso objetivo aqui.

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