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Futuro do pretérito

Os filólogos costumam classificar o futuro de pretérito como relacionado com as noções de hipótese, incerteza e irrealidade, um importante gramático Gladstone de Mello nos ensina sobre seu uso: “Empregam-se também as formas do futuro do pretérito, quando se quer atenuar a expressão, por polidez ou timidez; portanto, eufemismo” [MELO, Gladstone Chaves de. Gramática Fundamental da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1970, p. 287. apud Site Migalhas], contudo o objetivo aqui não é fazer análises gramaticais, não sou qualificado para isso, quem lê aqui sabe que não são poucos e quão graves são os erros que passam e vão ao ar nesse sentido, gosto da expressão futuro do preterido, não por suas características gramaticais, mas pela combinação de futuro e passado e a projeção de uma idéia de um futuro do passado, um futuro alternativo, ou como eu vejo o passado que se repete em um tempo que não lhe pertence, sei que há o termo anacrônico que descreve isso, entretanto a imagem que a palavra evoca em mim é uma imagem que parece ser o retrato da política na América Latina.

A ultima reunião da OEA e seus discursos sobre alternativas ao capitalismo, movimentos sociais, solidariedade a Cuba. É pelo menos no discurso parece que estamos presos num loop eterno dos anos 60, um "loop eterno", na Argentina se fala em peronismo, no Brasil, os estudantes praticamente cantam o petróleo é nosso (como se uma estatal fosse do povo e não do governo, para usar um linguajar que gostam como se os lucros não fossem apropriado pela burocracia estatal, tal qual uma empresa privada qualquer).

Estou ciente que esse texto pode gerar reações apaixonados, geralmente os adeptos do outro mundo possível, não gostam muito de quem não compartilha seus valores e visão de mundo. Uma pena sou um democrata por excelência, por tanto que cada um tenha a liberdade de acreditar em qualquer ideologia que queira, mas aceite o contrário. Tolerância é uma dessas coisas que muito se fala, pouco se prática, e menos ainda se sabe o que é de verdade. Mas, estou fugindo do ponto, não defendo aqui que não houve evolução, ou melhor, mudanças no cenário político latino, novas forças se legitimaram, as esquerdas estão no governo, eleitos e re-eleitos democraticamente, mas há no ar algo, como se os períodos de regimes militares, tivessem congelado o imaginário político, as propostas partidárias, e análises na imprensa.

Lógico que seria um reducionismo absurdo afirmar que isso existe de fato, ou seja, corroborado com elementos empíricos, por isso falo em sentimento. Os militantes mais radicais são imbuídos de uma crença imutável que seu fervor revolucionário é a solução e salvação da humanidade, não obstante cada um dos exemplos de total fracasso é impraticabilidade dessas idéias, se atribui as falhas as circunstâncias atenuantes, não a própria natureza desse sistema, uma crença que nada deve ao espírito religioso que aceita um dogma, sem contestação.

Como falei sou um democrata, o que significa que acredito no estado de direito, nos direitos individuais, na limitação do poder estatal, no devido processo legal e nos Direitos Humanos, sim, muitos seqüestram uma nobre conquista da humanidade por que essa declaração tão menosprezada pelos truculentos e tão parcialmente defendida pelos “humanistas” garante o direito a Liberdade de Culto, o Direito a julgamento justo, as liberdades pessoais, a propriedade. Mas, as ideologias seqüestram a agenda para seus objetivos.

Partidos fazem isso, estardalhaço para direitos de minorias, por exemplo, e nenhum respeito a direitos humanos que não tem pedigree de causa.

Voltando ao futuro do pretérito não deixa de ser interessante ver lideres populistas, com as mesmas promessas de sempre, as mesmas justificativas de sempre pra quando suas promessas não são alcançadas, todos lembram que Chávez deu a Obama, uma cópia de veias abertas da América Latina o mesmo alias que se alia a qualquer um que seja ou se considere inimigo dos Estados Unidos e realizou exercícios militares com a Rússia (muito guerra fria, não?) e para completar empreende uma onda de nacionalização de empresas de vários setores, o mesmo vale para outros países. Aqui no Brasil, quem é contra o governo, logo é taxado de antipatriota. Ou entreguista (eita anos 60 que não passam). Até em Nova Iorque Hair, re-estreou. … Let the Sun shine, let the Sun shine ...

Estudantes da USP enfrentando policiais em uma greve, meu Deus, eles estudam por conta dos impostos da sociedade e desperdiçam essa dádiva, voluntariamente se negando a assistir aulas, e bloqueando entradas pra quem quer. Pergunto-me terá esse protesto ocorrido ao som de “Pra não dizer que não falei das flores” de Geraldo Vandré? Pelo menos parece que os ares da democracia estão fortes e ninguém anda a organizar marchas com Deus e pela Família.

É fui longe sai da nossa seara de sempre, não usei o meu corriqueiro senso analítico como se diz posso até ter viajado, mas essas questões não querem sair da minha cabeça hoje, e não há duvidas que isso é algo para se pensar, as vezes o automatismo das nossas vidas nos afasta de certas considerações. Escândalos, atrás de escândalos, nacionalismos recrudescendo, divisão por gênero, cor, opção sexual e vamos aceitando como fato, mas será que essas coisas são fatos. E me questiono o que há de novo em nossa política? O que há de efetivo para o povo? Quais caminhos queremos? Quem somos?

Desculpo-me aos leitores pelas palavras tão longe do padrão desse Blog e tão pouco correlatas com as Relações Internacionais, mas nesse blog há espaço pra tudo, até pra pura opinião, de tempos em tempos, apenas, a temática que temos até agora será a primordial, mas há períodos que fico a “cismar, sozinho, à noite”. (e sim as aves daqui gorjeiam mais que as de lá, se comparado Pirapora, no interior de Minas, com Brasília, no meio do lindo cerrado, ah! Que saudade daquela beleza desolada).

Fico aqui no interior da América Latina, numa pequena cidade olhando para esse luar do sertão e a sombra dos buritizeiros na silueta da lua, refletida nas águas serenas do São Francisco, como uma personagem, do “grande sertão veredas”, mas ao invés de tentar decodificar o que significa a palavra inferno, fico tentando desolado por não estar apto ao tamanho do desafio de decodificar a política mundial e com cada vez mais perguntas.

E preso nesse exílio em minha própria cabeça, temo honestamente, que o destino desse continente, que por acidente da geografia eu nasci e que por capricho d’alma passei a amar seja o futuro do pretérito?

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