Pular para o conteúdo principal

Welcome to the real world Mr. Obama - II

Continuando o nosso ensaio sobre o governo Obama, aos pontos que apresento nesse ensaio, cuja primeira parte está aqui, se soma o ensaio que escrevi sobre os primeiros 100 dias da administração Obama, aqui. Continuamos pelo tabuleiro geopolítico.

Extremo e médio Oriente

No extremo oriente temos a rivalidade pela hegemonia regional entre Japão e China. E a Coréia do Norte, agindo como fator de desconfiança e controvérsia polarizando politicamente uma região que parece vocacionada a ter cadeias produtivas verdadeiramente regionais. A questão norte-coreana é de longe a mais complicada e exigirá do novo Presidente e de sua Secretária e Secretaria de Estado, muita habilidade e atenção, que, no entanto as guerras e as questões econômicas podem relegar esse assunto a uma inserção de novos atores nesse processo.

Oriente Médio, é o grande desafio político global atual, há várias forças atuando na região manipulando e tentando manipular a opinião pública global, e há lógico interesses de vários atores regionais por uma hegemonia local, além de ser um local que se tornou ponto de honra e fulcral da Política Externa Americana, tanto é que a questão que parece girar entre a questão Israel-Palestina, nos mostra que há uma briga política entre Estados pela liderança na região (Irã, Egito, Jordânia, Síria até mesmo Turquia), há conflitos internos ideológicos dentro desses estados, sobre visões políticas e religiosas. Um erro comum é tratar os países do chamado bloco islâmico como um só grupo de interesses, ou por estereótipos o Oriente Médio é na verdade bastante diversificado, temos Estados compromissados com avanços tecnológicos e sociais, como os Emirados Árabes Unidos, Israel, de certa forma o Kuwait, e a Arábia Saudita. A tensão reside na questão palestina, muito bem conduzida pelo Irã, como maneira de se legitimar e voltar a ter peso na região se posicionando como ator relevante.

A questão Israel-Palestina se expandiu como fator desestabilizador, por causa da capacidade aglutinadora da chamada causa palestina que serve de justificativa a forças extremistas na região e por conta da inexistência de estados fortes e capazes de conter o terrorismo na região, assim essa questão palestina é usada como um buraco negro no qual o horizonte de eventos (estudem física se não entenderam) draga todas as discussões seja Iraque, Afeganistão, Irã ou Paquistão. Mas, não sejamos inocentes cada um desses conflitos e cada uma das justificativas usando Israel ou o Islã, está condicionada a fatores locais, regionais e por isso o desafio é enorme.

Um exemplo dessa complexidade enorme. É necessário para os EUA e as Forças da OTAN, evitar a retomada de fôlego dos talibãs no Afeganistão que o Paquistão se mantenha como rota de abastecimento e principalmente que se envolva ativamente no conflito, contudo o Paquistão foi usado pelos EUA durante a guerra fria como Proxy para treinar os próprios talibãs para enfrentar os soviéticos, e as forças de segurança do Paquistão emularam esse comportamento ao permitir, incentivar e segundo alguns até fornecer treinamento, para que esses guerrilheiros e terroristas atacassem a Índia, percebido como eterno inimigo paquistanês, o governo Bush, conseguiu manter a Índia longe desse conflito e tentou retirar esse estigma de inimigo, para que as forças paquistanesas se envolvessem mais na proteção de suas fronteiras, não permitindo espaço de recuo aos talibãs e a Al Qaeda.

A Al Qaeda repetiu, então uma tática já usada na Espanha e no Reino unido ao melhor estilo Sun Tzu, de atacar membros mais fracos ou relutantes de coalizões (com sucesso no caso espanhol) e realizou os recentes ataques em Mumbai, tentando força a uma reação Indiana que polarizasse o Paquistão. A Índia reagiu diplomaticamente com rigor, mas não com uma ação incendiária e sob pressão de Washington o Paquistão, também, teve que agir, no entanto, sua atuação ainda é dúbia, já que por um lado diz combater os extremistas, mas por outro cedeu à agenda extremista da permissão do uso da Sharia em algumas províncias, mas imagens de violência contra mulheres em decorrências desses tribunais escandalizaram a sociedade paquistanesa, o que mostra que pluralidade da região. Por isso o uso do sofrimento palestino para aglutinar, fazer esquecer as diferenças internas, e enfraquecer as forças modernizadoras, vistas e acusadas de serem pró-ocidentais e pró-Israel.

Eurásia

Para temperar mais um pouco o tabuleiro geopolítico tem a Rússia exercendo poder coercitivo, em sua antiga esfera soviética, reagindo ao avanço da influencia da OTAN e da Europa e usando a energia como arma estratégica, se aproveitando da dependência européia. E a Turquia lutando contra separatistas curdos que são aliados americanos no Iraque, e controlam região que estava mais tranqüila nesse país. E lembremos que a Turquia uma democracia secular de maioria islâmica, também, enfrenta internamente os desafios impostos pelo buraco negro Israel-Palestina, alimentando por um sentimento nacionalista que surgiu da insatisfação do resultado dos esforços turcos de se juntarem a União Européia.

Esse é o mundo geopolítico em que os EUA cruzam com interesses de vários atores regionais de peso, convergindo em uma área, e divergindo fortemente em outra. O espaço de ação unilateral se reduziu muito com a crise global e as duas guerras que já se prolongam, uma política de alianças estratégicas mais amplas se apresenta como um método para a política externa americana, mas isso vai exigir redução de tom na retórica americana, o que pode ser muito ruim para o público interno, ainda mais se a economia não der sinais de melhora. A China joga um papel importante nesse quesito, já que a crise mundial atual é em grande medida resultado da convergência de uma política de estimulo ao consumo nos EUA, via poupança externa e uma política de elevada expansão industrial da China, que também exportou poupança para os EUA, retendo mais de 1 trilhão de dólares em títulos do tesouro americano, além desse papel econômico, há um papel político principalmente de contenção da Coréia do Norte, de frente de negociação com o Irã e com o norte da África que a China por conta de uma agenda própria reluta em aceitar.

Considerações finais

A agenda externa americana como vemos é espinhosa, global, e não será resolvida com carisma e belos discursos, mas com ações e o fator segurança interna dos EUA e de seus interesses continua no centro das atenções, podem não chamar mais de Guerra ao Terrorismo, mas o radicalismo, extremismo alimentado por religiões, já foi por ideologias pouco tempo atrás, e ainda é já que numa análise mais próxima, vemos que não está em jogo uma incapacidade de convivência harmônica do Islã com o mundo ocidental, e sim uma disputa interna pelo poder e pela organização social, que usa o Islã e toda a retórica associada como justificação para obtenção de poder, e derrotar essas aspirações, não se iludam ainda é o objetivo principal dos EUA. Por isso mesmo Washington, já desde os últimos meses do governo Bush, vem pressionando até mesmo Israel, que alguns vêem como Proxy americano e ocidental na região a se coadunar nessa busca dos EUA.

A agenda americana circula desde temas energéticos (como a redução da dependência de petróleo não abordada aqui mais veiculada e analisada por muitos), temas ambientais (mesma coisa da temática anterior), direitos humanos, mas são os temas de segurança primordiais na agenda, tanto segurança de fronteiras, quanto criminalidade transnacional, como a ameaça terrorista não só no território americano, mas contra seus interesses e aliados e claro a onipresente crise mundial, que de certa forma exacerba muitos dos pontos que vimos acima ao mesmo tempo em que diminui a capacidade americana e de seus aliados, mas também dos adversários de agir, mas fornece muito combustível retórico aos adversários dos EUA em regiões onde “corações e mentes” podem ser o fiel da balança na direção tanto do conflito, como da cooperação.

Assim, welcome to real world Mr. Obama, be careful.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Crise no Equador

Sob forte protesto das forças policiais e parte dos militares, que impedem o funcionamento do aeroporto internacional de Quito. Presidente Correa cogita usar dispositivo constitucional que prevê dissolução do Congresso e eleições gerais. Mais uma grave crise política na América do Sul. Numa dessas coincidências típicas de se analisar as coisas internacionais discutia semana passada numa excelente postagem de Luís Felipe Kitamura no laureado blog Página Internacional a situação equatoriana. A postagem tinha como título Equador: a instabilidade política e suas lições . Na qual o colega discorria sobre o péssimo histórico de conturbação política do país andino e sobre como o governo Correa parecia romper com isso usando a receita da esquerda latina de certo pragmatismo econômico e políticas distributivas. Mas, justamente a instabilidade política que parecia a caminho da extinção volta com toda força em um episódio potencialmente perigoso, que contundo ainda é cedo para tecer uma análise

Meus leitores fiéis, pacientes e por vezes benevolentes e caridosos

Detesto falar da minha vida pessoal, ainda mais na exposição quase obscena que é a internet, mas creio que vocês merecem uma explicação sobre a falta de manutenção e atualização desse site, morar no interior tem vantagens e desvantagens, e nesse período as desvantagens têm prevalecido, seja na dificuldade na prestação de serviços básicos para esse mundo atual que é uma boa infra-estrutura de internet (que por sinal é frágil em todo o país) e serviço de suporte ao cliente (que também é estupidamente oferecido pelas empresas brasileiras), dificuldades do sub-desenvolvimento diria o menos politicamente correto entre nós. São nessas horas que vemos, sentimos e vivenciamos toda a fragilidade de uma sociedade na qual a inovação e a educação não são valores difundidos. Já não bastasse dificuldades crônicas de acesso à internet, ainda fritei um ‘pen drive’ antes de poder fazer o back up e perdi muitos textos, que já havia preparado para esse blog, incluso os textos que enviaria para o portal M

Extremismo ou ainda sobre a Noruega. Uma reflexão exploratória

O lugar comum seria começar esse texto conceituando extremismo como doutrina política que preconiza ações radicais e revolucionárias como meio de mudança política, em especial com o uso da violência. Mas, a essa altura até o mais alheio leitor sabe bem o que é o extremismo em todas as suas encarnações seja na direita tresloucada e racista como os neonazistas, seja na esquerda radical dos guerrilheiros da FARC e revolucionários comunistas, seja a de caráter religioso dos grupos mulçumanos, dos cristãos, em geral milenaristas, que assassinam médicos abortistas. Em resumo, todos esses que odeiam a liberdade individual e a democracia. Todos esses radicais extremistas tem algo em comum. Todos eles estão absolutamente convencidos que suas culturas, sociedades estão sob cerco do outro, um cerco insidioso e conspiratório e que a única maneira de se resgatarem dessa conspiração contra eles é buscar a pureza (racial, religiosa, ideológica e por ai vai) e agir com firmeza contra o inimigo. Ness