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Teoria das Relações Internacionais, uma abordagem não tradicional aos velhos debates (Parte – II)

Continuando o debate iniciado pelo tópico “Teoria das Relações Internacionais, uma abordagem não tradicional aos velhos debates (Parte – I)”

A evolução e debates (?) teóricos [... continuação]

As críticas ao realismo vieram de vários campos, então esse debate opôs o realismo as correntes competitivas, que buscavam mais cientificidade, ou seja, resultados explicativo ontologicamente mais consistentes. A primeira linha de critica veio dos behavioralistas que consideravam os autores realistas e seus escritos pouco científicos, pouco empíricos, não quantificáveis. Assim os autores Realistas agora passaram a serem chamados Realistas Clássicos, uma reação forte aos métodos behavioralistas, e também crítica ao realismo clássico veio do outro lado do Atlântico veio da escola conhecida como Escola Inglesa, que não concordava com os princípios analíticos “matemáticos” em moda nos EUA, se voltaram a tradição clássica, sua diferença essencial ao realismo clássico era a negação da premissa realista fundamental (axiológica) de anarquia internacional, a escola inglesa buscava provar que havia uma ordem internacional, por isso mesmo são conhecidos como Sociedade Internacional, assim a escola inglesa critica abordagens da teoria realista clássica, mas não sua totalidade, por isso muito associam a escola inglesa ao campo realista quando as teorias são ordenadas sobre a ótica do antagonismo Realistas e Liberais. As linhas de pesquisa da escola inglesa desenvolveram conceitos de regimes internacionais que seriam fundamentais para o entendimento das RRII.

Outra fonte de crítica ao realismo clássico vem dos autores pluralistas, uma corrente liberal de interpretação das relações internacionais, notadamente preocupada em não percorrer os caminhos do liberalismo idealista-utópico, dos “trailblazers” das relações internacionais. Essa escola, portanto, combinava a herança liberal adotando os procedimentos científicos que marcavam a academia americana no período. Seus principais conceitos circulavam em torno da idéia da interdependência, novamente vemos ao se estudar o contexto social e de fenômenos internacionais que essas teorias foram formuladas que as três forças motrizes identificadas acima inspiraram esse segundo debate, no qual novamente não houve intercambio epistemológico, onde os pressupostos axiológicos pudessem ser reavaliados a partir das críticas.

Havia criticas de outros matizes teóricos que, contudo não compõe o que se costumam chamar de núcleo-duro das TRI, que são justamente o enfrentamento Realismo, Liberalismo, com a contribuição da escola inglesa, em momento oportuno trataremos dessas linhas de pesquisa que são minoritárias na academia, embora, muitas delas como as correntes marxistas influenciem as decisões políticas. Portando sendo objetos de análise dignos de um texto em separado.

Esse segundo debate foi importante para abrir o escopo das linhas de pesquisa, principais frutos disso foram os conceitos de sociedade internacional e regime internacional, que passaram a ampliar os objetos de pesquisa, que não só a segurança internacional, já que a pesquisa dos regimes internacionais, inclui temas econômicos, multilaterais, de segurança coletiva entre outros. Assim, com criticas vindo de um escopo tão variado o realismo precisava ser revitalizado para continuar como linha de pesquisa predominante no campo das relações internacionais.

Surgiu o neo-realismo, que buscou os conceitos realistas clássicos e passou a trabalhar preenchendo as lacunas, esse realismo buscou conceber as estruturas do sistema internacional (daí por que também é conhecido como realismo-estrutural), sistematizando o realismo em bases mais racionais e adotando a epistemologia emprestada na microeconomia, conceitos como mercado, oligopólio e etc. Em conformidade com o acontecia com todas as ciências sociais na academia americana no período com linhas teóricas voltadas a quantificação das variáveis internacionais, notadamente a teoria dos jogos, e a teoria da escolha racional, que passaram a ser aplicadas.

As publicações neo-realistas suscitaram o terceiro debate dessa vez opondo neo-realistas e pluralistas que a essa altura haviam evoluído para o chamado neoliberalismo (também chamado de institucionalismo neoliberal), esse debate ocorreu de maneira tal que componentes axiológicos de ambos os lados passaram a ser reavaliados ocorrendo uma crescente convergência que é facilitada, também, pela aceitação epistemológica de ambos os grupos das idéias microeconômicas neoclássicas como modelo metodológico. A aproximação para a construção de um conceito comum de regimes internacionais, e do uso de teorias como a teoria dos jogos, principalmente o famoso dilema do prisioneiro, criaram controvérsias entre os dois grupos sobre motivações para cooperação, os neo-realistas vêem a cooperação como vindo do desejo de maximizar lucros relativos aos parceiros, mantendo assim a estrutura de poder, enquanto os neoliberais crêem na cooperação motivada pelos resultados absolutos, contudo, essa convergência é suficiente para dizer que se criou linhas de pesquisa “neo-neo”.

Considerações Finais

Como vemos a corrente realista tornou-se proeminente e a mais influente escola de pensamento em relações internacionais, ainda mais em assuntos ligados a defesa, também chamados de maneira genérica de Estudos Estratégicos, não fica claro no texto, mas existem muitas variações e desdobramentos dentro das mesmas correntes teóricas, por isso mesmo a necessidade de ser ler os autores dessas correntes e as críticas a eles, para uma visão mais completa.

Fica claro que embora tenha nascido sob os auspícios do Liberalismo “idealista-utópico”, foi a corrente Realista a responsável pela inclusão das relações internacionais, como campo distinto das Ciências Sociais, mas como vemos a agenda pesquisa Liberal “sobreviveu” e hoje são assuntos primordiais na compreensão das relações internacionais, ainda mais pela convergência entre os modelos neo-realistas e neoliberais, que embora ainda tenham em suas cosmovisões a fissura inicial, no que tange a natureza humana. Mas, com novos e mais completos argumentos lado a lado, e embora sejam dominantes não estão incontestes na academia.

Em um próximo texto abordaremos as atuais críticas a convergência “neo-neo” e novas teorias inclusive as que negam a ontologia nas pesquisas, ou seja, são linhas de pesquisa que não acreditam que o racionalismo é o caminho pra entender os fenômenos internacionais já que numa tentativa de criar uma teoria explicativa, não se cria uma teoria analítica ou crítica, assim não concebem que o saber cientifico nesse campo possam alcançar a verdade, ou reposta mais perto da verdade possível, tem fundamentos altamente relativistas, que compõe só uma parte das chamadas teorias dissidentes, justamente por não aceitarem os pressupostos do núcleo duro, ou por como já disse negarem a existência ontológica da disciplina.

Esse tema voltará a ser abordado em maiores detalhes e contextualizando mais profundamente cada uma das escolas de pensamento, por hora optei por essa versão menos densa de análise por considerá-la mais apropriada ao Blog, e podendo fazer mais profunda por já termos coberto os aspectos gerais de um tema, que tenho consciência é debatido “ad nauseum” na academia, contudo ainda vale debater, afinal é simplesmente a própria natureza do que estudamos e fazemos.

Para completar o que aqui discutimos, leiam livros e artigos de [autores em ordem de lembrança, não cronológica, nem em ordem de escolas ou paradigmas]: Tuciades, Carr, Morgenthau, Schwarzenberger, Kennan, Kissinger, Wight, Bull, Aron, Hoffmann, Kuhn (não é do campo de RI, mas é fundamental para entender a força do impacto da noção de paradigma), Krasner, Waltz, Nye, Keohane, Halliday, Horkheimer, Balassa, Wendt, entre outros, muitos outros.

Isso sem citar os clássicos da filosofia, filosofia política, economia, ciência política, história e filosofia da ciência, principalmente das sociais. Afinal todo mundo sabe que não temer a leitura e o gosto pelo autodidatismo são características necessárias a pesquisa e o conhecimento em Relações Internacionais.

Essa leitura mostrará como as forças dinâmicas apresentadas por Zimmern são condizentes com o avanço das teorias e paradigmas, e com um bom esforço intelectual, pode-se aplicar o modelo tridimensional de Holton, para descobrir, questões principalmente axiológicas que motivavam cada pesquisador e assim compreender de uma maneira mais completa as teorias e suas motivações, o que nos ajuda muito a escolher marcos metodológicos para nossas pesquisas, evitando uma cópia acéfala e uma aplicação desastrosa de receituários de ações não condizentes com a nossa realidade.

Aos não iniciados minhas desculpas se os deixei no escuro quanto ao conteúdo de cada abordagem teórica no texto que citei no inicio explico mais profundamente cada teoria, mas ainda produzirei textos mais acessíveis aos não neófitos em outra ocasião, que possam ajudar no entendimento desses recursos teóricos, por favor, não deixem de voltar a visitar

Comentários

joana bastos disse…
O seu blog é muito interessante.

Será que me pode ilucidar sobre como as várias correntes do realismo explicam o fenómeno da guerra?

Desde já muito obrigada.
joana bastos disse…
O seu blog é muito interessante.

Será que me pode ilucidar sobre como as várias correntes do realismo explicam o fenómeno da guerra?

Desde já muito obrigada.

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