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Teoria das Relações Internacionais, uma abordagem não tradicional aos velhos debates (Parte – I)

Tenho feito muitas análises nos últimos dias ao calor da noticias, nesse texto volto a falar das relações internacionais, ciência que tanto amo, profissão que tento exercer com dignidade. Esse texto pode não ser muito útil aos não iniciados nas relações internacionais, mas nunca se sabe, então leiam e julguem ao final, como ficou muito grande dividirei em duas partes, espero que se mantenha inteligível a abordagem não é tradicional, mas não é obra original minha, outros autores já assim fizeram.

Uma digressão sobre teorias e suas avaliações

Todos nós versados no complexo campo das Relações Internacionais, sabemos como é complexo e por vezes difícil responder uma pergunta que nos é feita ora por neófitos a procura de respostas, ora por professores de IERI (Introdução ao Estudo das Relações Internacionais), ou TRI-I (Teoria das Relações Internacionais – I), a inocente pergunta é o que são Relações Internacionais? E toda definição recorre a elementos teóricos. [Respondo de maneira satifatória e não completamente exaustiva nesse texto (Aqui)]

Dessa forma esse post é uma continuação da reflexão que iniciei no texto “Reflexões sobre as Teorias das Relações Internacionais” (Aqui) a intenção aqui é recapitular esse assunto que considero de utilidade e importância sem par que são os rumos e modelos teóricos, mas também empreender uma análise dos debates sobre uma nova matriz, mais voltada as raízes das escolas e o por que de suas convergências e divergências, e como isso pode ser explicado em parte por um conceito que já utilizeis nesse blog o conceito da análise tridimensional das teorias inspirado em Holton, para avaliar as teorias em si e que serve como tentarei demonstrar para mitigar as principais críticas das chamadas escolas dissidentes. E a noção de Zimmern de forças que empurram e motivam avanços teóricos em Relações Internacionais

A primeira cátedra de Relações Internacionais criada foi criada na Universidade de Aberystwyth, na País de Gales, em 1919, que ficou a cargo do Diplomata e historiador Alfred Zimmern, essa primeira institucionalização das RI (coisa que ainda abordarei futuramente) se deu sob o impacto da primeira guerra mundial e sobre a égide do chamado liberalismo, suas linhas de pesquisa incluíam temas como bases econômicas da paz, possibilidade do que chamamos hoje de governança global, efeitos da interdependência econômica, papel da opinião pública e seus impactos.

Não obstante Zimmern ter sido alvo de pesadas críticas, principalmente de Carr em seu Vinte anos de Crise, e rotulado como utópico, mais tarde idealista, (rótulos que creio não são adequados) em seus esforços meta-teóricos Zimmern, observou três fontes que impulsionam o desenvolvimento das teorias das relações internacionais, observações essas que são amplamente aceitas na comunidade acadêmica, são: a) um desenvolvimento interno natural em teorias e paradigmas; b) o impacto e a evolução dos acontecimentos internacionais que essas teorias buscam explicar e c) a influência de conceitos e métodos de outras ciências sociais.

Essas forças estão presentes nas discussões e debates que delimitam o estado da arte da teoria das relações internacionais, mesmo entre as correntes chamadas dissidentes que negam em maior ou menor grau (chegando a negar completamente) os princípios ontológicos do núcleo duro das relações internacionais, que podemos dizer com um bom grau de acerto que se encontram nas correntes neo-realistas, neoliberais e sociedade internacional (escola inglesa e seus derivados).

Partindo do principio que há aqui alguns que não são versados ou pelo menos iniciados no campo das relações internacionais ou mesmo das ciências sociais, vou repassar alguns conceitos que estão presentes em outros textos aqui e em manuais de metodologia cientifica e introdução as relações internacionais.

Particularmente considero o modelo de Holton de análise de teorias, também conhecido como modelo tridimensional, um bom meio de explicar como se formam, e como se analisa uma teoria, esse modelo pressupõe três eixos (numa referencia geométrica seria um plano cartesiano (x, y) somado a mais um vetor o eixo z) esses eixos são: ontologia, epistemologia e axiologia.

De modo abreviado ontologia é ciência do ser, seu objeto é determinar o que é (em geral um cientista busca a verdade, ainda que exista um crescente avanço do relativismo, considero essa busca por uma verdade, o objetivo fim da ciência, admito que haja criticas a esse modelo, mas discorrer sobre isso desvirtuaria o propósito desse texto). Epistemologia é a ciência do conhecimento seu objeto é saber como sabemos o que sabemos (é o método, que usamos). Axiologia é ciência da escolha moral ou das escolhas fundamentais. (nesse ramo estão as escolhas que fazemos que condicionam o trabalho, como por exemplo, aceitar ou não postulados, como anarquia internacional e se a intenção é ser realmente cientifico é importante ter esses postulados claros, mas não os ter como dogmas, como verdades inquestionáveis por isso inviabiliza qualquer dialogo ou debate cientifico).

A evolução e debates (?) teóricos

Tradicionalmente os debates no campo teórico das relações internacionais se dão entre dois campos distintos: Realismo e Liberalismo. Explicarei essas diferenças sem muitos pormenores, o objetivo aqui não é incentivar o Ctrl C, Ctrl V. Portanto, ler isso não elimina a necessidade da leitura dos autores das relações internacionais. Nem vou ficar resumindo o que era cada teoria (posso vir a fazer, acho interessante) nem citar obras e autores, isso é feito por todos os manuais, e fazer isso consumiria muito espaço e tempo.

Embora as primeiras cátedras de relações internacionais tenham sido criadas no período entre guerras, como sabemos somente depois da Segunda Guerra Mundial, a disciplina ganhou impulso como campo autônomo do saber, com linhas de pesquisa, que prioritariamente se desenvolviam sobre a crítica ao liberalismo do período Entre-Guerras, agora batizado pejorativamente de idealismo, assim essa linha de abordagem teórica ficou conhecida como Realismo. Não obstante o pensamento sobre teorias políticas seja tão antigo o mais que Platão e Aristóteles, a grande inovação do Realismo iniciado com Carr, mas formulado objetivamente por Morgenthau foi a pretensão de construir uma teoria normativa das relações internacionais, com bases racionais, em oposição ao idealismo atribuído aos pensadores e políticos do Entre-Guerras.

As duas escolas mesmo tendo bases epistemológicas distintas eram igualmente construídas sobre suposições dogmáticas acerca da natureza humana, assim o Realismo é construído sobre o pessimismo antropológico e o Liberalismo é construído sobre uma noção otimista sobre a natureza humana, ou seja, para os realistas a natureza humana inevitavelmente leva a situações de conflito e de busca de poder (daí a preocupação dos realistas com o poder, a fungibilidade do poder e o interesse nacional, não havendo assim nenhum tipo de restrição moral ou ética ao uso do poder, alias é desejável que uma política externa seja desprovida de moralidade).

Os adeptos do Liberalismo acreditavam por sua vez que a natural evolução da capacidade humana levaria a uma condição em que os conflitos seriam substituídos pela percepção do bem comum, acreditavam em instituições e tratados como mecanismo para a construção da paz, (assim vemos que a criação da Liga das Nações, e sua ênfase na igualdade jurídica e com um repúdio enorme a noção de balança de poder, e ignorar o poder e sua distribuição ilegal, foi umas das causas de seu fracasso).

Aplicando os conceitos de Zimmern podemos ver que as forças que impulsionaram o crescimento do realismo podem ser atribuídos a situação de duopólio do poder instituída pela Guerra Fria, onde a fria explicação de interesse nacional e poder, justificavam e modelavam as políticas americanas da épocas, ou seja era a influência das mudanças no objeto de pesquisa, que levaram ao crescimento dessa corrente. Embora toda a literatura de Relações Internacionais, qualifique esse período como um debate, na minha concepção não houve de fato um debate, já que as duas escolas não se comunicavam quanto aos seus preceitos epistemológicos, ou métodos assim não houve um debate, mas uma discussão entre duas famílias teóricas, onde as linhas de pesquisa realista se tornaram majoritárias e declaradas vencedoras do debate.

Na verdade a vitória do Realismo, se o termo puder ser aplicado se deve a sua tentativa de criar uma teoria positiva e empiricamente testável, e essa foi a natureza do chamado segundo debate, que foi um debate em torno de métodos, nesse sentido o debate não foi entre Realistas e Liberais que estavam diluídos entre todas as frentes de debate. Essa apreciação será feito no próximo post.

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