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Crise de Crédito Internacional, deja vu?

[Esse texto é um releitura de outro texto meu aqui publicado, então sua percepção de deja vu pode ser dupla, a que pretendo e a provocada pela releitura, mesmo assim a maior parte é uma nova abordagem e mesmo se não fosse não existe auto-plágio :) ]
O aumento dos juros internacionais na década de 1980 limitou o acesso dos países, então conhecidos como de terceiro mundo ao crédito, o que teve como conseqüências seguidas moratórias, que por sua vez dificultavam ainda mais a obtenção de recursos, essas crises da “década perdida”, sepultaram o modelo cepalino de substituição de importações, que vigorava no Brasil e era o sustentáculo das políticas de reserva de mercado, que mantiveram a nossa indústria ineficiente e tecnologicamente deteriorada, e é bom que nos lembremos disso nesses tempos de crise global, para afastar o fantasma da construção de mecanismo de fechamento da economia.

Uma vez que esse modelo fechado, embora tenha sido o modelo que propiciou a industrialização do Brasil, se notabilizou pela ausência de concorrência externa o que gerou um quadro de baixa inovação tecnológica, baixa produtividade com uma capacidade instalada no limite ao que se somaram fatores econômicos e intervenções governamentais desastrosas o que gerou um quadro inflacionário insustentável, que aumentou muito a divida dos governos o que aliado ao desestimulou para a ação privada deteriorou a infra-estrutura brasileira, contudo esse período foi marcado pela transição de volta a democracia que se concluiu com a eleição direta de Fernando Collor de Melo. (sei que a luz da história não parece um avanço, mas foi).

E sob a égide de crise inflacionaria e baixo nível tecnológico industrial se deu a abertura econômica e inicio da regularização financeira com o começo das negociações entorno da divida externa, o Brasil foi rapidamente exposto ao mercado mundial. Óbvio que houve um período de acomodação para as empresas nacionais, além de ter sido necessário uma extensa mudança de legislação, principalmente no comércio exterior, o fim de monopólios estatais e um extenso programa de privatização (polêmico até hoje, por sinal).

Contudo, continuava a existir uma necessidade de poupança externa duas vias foram escolhidas a atração de capitais especulativos (hot Money) que serviam para regular temporariamente as constantes crises e a atração de capitais de risco (investimentos produtivos), mas para isso era necessário quadros regulatórios e condições macroeconômicas que fornecessem aos investidores de risco. De fato esses modelos continuam a coexistir até hoje.

A partir da estabilização macroeconômica, um esforço exportador foi deflagrado no Brasil sob o lema cunhado no Governo Fernando Henrique Cardoso, de exportar ou morrer. E assim o Brasil passou a adotar um modelo, que historicamente não era novo em si, mas tinha na sua amplitude pretendida a diferença, ou seja, voltamos a ter uma cultura e um modelo econômico exportador.

Esse esforço exportador diferiu das experiências anteriores por que se valendo de uma economia com bases mais diversificada e mais industrializada que em períodos de monocultura exportadora, como nos famosos ciclos econômicos (borracha, ouro, café, etc.), agora o esforço buscou diversificar produtos e parceiros econômicos, tanto por motivos internos como por fatores que derivados da globalização. Esse esforço culminou na quebra da barreira histórica dos US$ 100 Bilhões, resultado amplamente comemorado pelo setor exportador.

Esse resultado favorável, contudo, não resultou em um aumento especial da participação das pequenas e micro-empresas no bolo exportador, essas empresas são grandes empregadoras e sua inclusão pode permitir que os resultados econômicos obtidos com as exportações sejam sentidos por uma parcela maior da população brasileira. E foi um resultado que, também, foi muito influenciado por um período de crescimento global, que culminou na atual crise, assim o Brasil aumentou consideravelmente o valor absoluto de suas exportações, passou a desfrutar de sucessivos superávits na balança comercial, mas como vimos acima nossa participação no comércio mundial continuou muito baixa, ou seja, mesmo envoltos na globalização o Brasil ainda é voltado para dentro.

Outra grande questão para o comércio internacional brasileiro é a questão de que grande parte desse comércio deriva de uma posição comprada, isto é não resultado da promoção e venda do exportador e sim da venda originada pelo interesse do comprador. Esse tipo de venda não desperta no exportador o interesse por renovar suas ferramentas gerenciais e mercadológicas para conquistar novos mercados e o deixa numa posição muito passiva quanto ao comércio exterior.

A sociedade brasileira agora deve encarar esse debate de frente, pois muitas alterações se fazem necessárias para que o Brasil seja uma plataforma exportadora, contudo a tomada consciência começou organizações de classe como a FIESP têm sido lócus de difusão da cultura exportadora.

Fica claro, entretanto, que não há como continuar inserido no cenário internacional se o Brasil ceder a tentação de abandonar a preocupação com fatores como o risco-país e fiel cumprimento dos acordos internacionais e do pagamento da dívida externa, na verdade esse modelo de inserção pelos negócios pressupõe um fluxo, de poupança externa, continuado que não exclui a captação de recursos de carteira, mas fica claro pelo números da economia mundial que depender desses recursos nos torna muito suscetíveis a crises de confiança e de humor dos grupos de investimento. Portanto, um abandono de uma política macroeconômica ortodoxa pode resultar em ainda mais dificuldades de obtenção de empréstimos e alarmar investidores.

É importante agora que os empresários, as entidades de classe os governos em todos os níveis façam um esforço concentrado, aproveitando a crise como oportunidade pra demolir modelos ineficientes e buscar um aumento da pauta e dos parceiros comerciais.

Doha está e permanecerá travada, não obstante os esforços pessoais do Presidente Lula e do Chanceler Amorim, o caminho então está em driblar as barreiras protecionistas inovando para deprimir preços, pelo lado da oferta, e diminuindo o nefasto “custo Brasil” pelo lado dos governos, é necessário que se torne mais barato o escoamento da produção principalmente do interior do país, assim permitindo que cidades pequenas e médias possam receber os benefícios do comércio exterior.

Nesse momento de crise em que o animo está em baixa e o crédito escasso vale à pena lembrar que a crise dos anos de 1980 trouxe com ela o gérmen da expansão exportadora, por que foi encarada de frente e responsavelmente, e agora que o Brasil, tem pretensões de se tornar um global player, serão necessárias reformas estruturais que possam dar espaço para a baixa do spread bancário e que sejam vencidas as adversidades impostas pelo custo Brasil. E é mais que imperioso que haja mecanismos de incentivo a pesquisa e desenvolvimento, educação e principalmente educação tecnológica.

Como Schumpeter já nos ensinava, no século XIX, que para que haja crescimento econômico é necessário incrementos de produtividade, que indubitavelmente dependem de investimentos em educação, pesquisa e desenvolvimento, além como já dito da melhoria dos modais logísticos. E, claro é preciso que os empresários invistam em profissionais que sejam capazes de decodificar o cenário internacional, e assim reduzir riscos e embaraços. Quantos foram os empresários que compraram máquinas e foram pegos de surpresa pela crise e um aumento do preço da moeda estrangeira, um simples contrato de hedge e mercado de futuros poderiam ter-lhes evitados prejuízos.

A crise é grave e o crédito ainda não se normalizou, e creio que não vá se normalizar tão cedo, mas sem chavões é hora de criatividade e esforço, para salvar empresas, empregos e conquistar novos mercados ou nos posicionarmos para conquistá-los assim que as coisas comecem a evoluir. Mas, correndo o risco de ser rotulado como pessimista e antipatriota (sic) pelo governo, creio estar longe à normalidade.

E com a expansão global dos gastos públicos dá um clima de deja vu, pois não demorará que pressões inflacionárias forcem aumentos de juros, ou o pior pesadelo chinês, a desvalorização massiva do dólar. Podemos torcer pelo melhor, mas é bom aprende as lições do passado e não perdemos vantagens em setores importantes como combustíveis alternativos.

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