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Guerra assimétrica – Terrorismo (Parte I)

Com vistas a continuar os estudos sobre guerras assimétricas que comecei em meu texto intitulado “Guerra assimétrica muito além de David versus Golias”. [E por que não em homenagem a estréia da nova temporada de 24 horas].

São exemplos de guerra assimétrica a insurgência e o terrorismo, para fins didáticos vamos trabalhar esses dois assuntos de maneira separada. Assim nesse texto abordaremos unicamente o terrorismo e tentaremos definir esse fenômeno de maneira ampla para isso apresentaremos o assunto em seus aspectos mais genéricos para que em estudos posteriores possamos estudar as características mais particulares de cada caso concreto.

É óbvio que moralidade do ato terrorista é algo discutível, para dizer o mínimo, contudo, uma digressão sobre moralidade nesse sentido seria longa e pouco produtiva, já que também, esse tipo de discussão costuma ser carregada de subjetivismos, a não ser quando conduzida por pessoas versadas em filosofia ou com conhecimentos superiores aos que acumulo até o momento. Portanto esse aspecto não será abordado nesse texto, onde me limitarei a apresentar o fenômeno e a tecer algumas considerações sobre o assunto.

As principais premissas que nortearão esse texto são a racionalidade dos líderes e dos membros de organizações terroristas e que sua eficácia tática depende da repercussão dos meios de comunicação, tanto para angariar suporte e financiamento, como para cumprir seus objetivos estratégicos.

O método utilizado será o da revisão bibliográfica, não pretendo aqui, apresentar todas as facetas desse tema complexo, na verdade este estudo, não ambiciona apresentar soluções e muito menos julgamentos morais, apresentarei o tema nos moldes que estão explicitados abaixo, nada obsta que em textos futuros expandamos as definições, justificativas e explicações. Assim esse texto é o que podemos qualificar como um texto descritivo de um fenômeno internacional relevante, com algum conteúdo analítico, mas como sempre não viso esgotar o assunto ou apresentar a plenitude do tema, isso na verdade nem seria apropriado a linguagem dos blogs. Ou seja, embora feito com respeito pelo método científico o ensaio atual não pode ser considerado um paper, sobre o assunto.

Esse post será dividido em dois esse primeiro aborda as definições, tipologia e racionalidade, apenas no nível organizacional, no segundo post abordaremos, racionalidades individuais, estados que apóiam o terrorismo, efeitos do terrorismo e algumas considerações finais.

Para tentar suprimir o caráter prolixo de minha argumentação (para os padrões do blog), me absterei de fazer um levantamento histórico sobre o fenômeno e serei breve no que concerne a suas causas, sendo esses assuntos conteúdos de futuros posts. Embora, exemplos de terrorismo na história possam ser traçados até os tempos bíblicos ou um dos mais famosos exemplos, o assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinand, em 1914.


Definições, justificativas e marcos conceituais

Guerra assimétrica consiste no uso de assimetrias para a obtenção de vantagens em combate. (Para uma visão mais profunda ler esse post, e lógico buscar apoio na literatura)

Definir terrorismo é uma tarefa árdua que esbarra em concepções ideológicas, um conceito que seja cientifico e ao mesmo tempo conciso exige algumas condições, nesse texto não trabalharei com definições jurídicas do que seja terrorismo, não vou me valer de definições encontradas em tratados ou em leis nacionais, tentarei definir o objeto, de maneira que possamos identificá-lo sem cairmos em disputas, tais quais, determinado grupo é libertador e tal grupo é terrorista já que seria um tanto arbitrário o fazê-lo sem recorrer as definições legais, tratados etc. (Isso pode ser alvo de investigações posteriores).

Terrorismo pode ser compreendido como o uso sistemático de violência (primordialmente aleatoriamente e visando a população civil) com vistas a infligir medo em uma população-alvo e assim induzir a adoção de políticas desejadas pelos responsáveis pelo ato terrorista. Com uma ressalva importante, essa definição de terrorismo exclui dessa categoria ações levadas a cabo por entes estatais.

Por que excluir as ações estatais dessa definição? O porquê foi apresentado no meu post supracitado e transcrevo aqui “são forças desiguais em meios de combate, em regras de engajamento, em controle político, em sujeição a tratados e legislações e em pressão da opinião pública”. Assim as ações estatais estariam em outra esfera analítica já que não apresentam o caráter clandestino dos grupos terroristas e por terem acesso a meios mais amplos, além de que muitas das ações qualificadas como terrorismo de estado são ações de guerra e o tema ainda não suficientemente pacífico na literatura para que seja empregado largamente e sem ressalvas, e muitas das vezes que é empregado o é em um contexto de propagando ideológica.

Assim a premissa central desse texto está na racionalidade do terrorista, muitos são os estudiosos que corroboram essa tese, tanto os responsáveis por criar perfis psicológicos quanto os estudiosos das relações internacionais como Robert Pape, para citar um que influenciou fortemente esse texto. Também são autores que contribuíram para esse texto o Professor Dr. Frederico Carlos de Sá Costa com seu trabalho “TERRORISMO, RACIONALIDADE E DEMOCRACIA” em que ele magistralmente, devo dizer disseca o trabalho de Pape e tece considerações muito interessantes sobre o tema. O trabalho dos pesquisadores do “The Strategic Studies Institute”, organização ligada ao Departamento de Defesa dos EUA, principalmente os estudos dos professores doutores Steven Metz e Douglas V. Johnson II.

Também contribuíram para entender a racionalidade do terrorismo os trabalhos “Characteristics of Terrorism” e “Decision Processes of a Suicide Bomber - Integrating Economics and Psychology” ambos dos professores Karen Pittel [Swiss Federal Institute of Technology Zurich - Department of Management, Technology, and Economics (D-MTEC)] e Dirk T. G. Rübbelke [Center for International Climate and Environmental Research - Oslo (CICERO)]

Outra definição aqui importante é a de regime aberto, já que na literatura da ciência política há muita controvérsia sobre o que são democracias? Como tipificá-las e empreender isso alongaria ainda mais esse texto didaticamente vou me valer de um conceito, novamente propositalmente amplo o de regimes abertos, que seriam regimes onde há eleições regulares, liberdade de culto, liberdade de expressão, habeas corpus, limitações do uso legitimo da força pelo estado, devido processo legal para a condenação de alguém, liberdade de ir e vir, e livre associação. Entre outras das chamadas garantias dos direitos e liberdade individuais, ou liberdades civis, como queira.

Tipologia

Seguindo o modelo apresentado pelos autores acima arrolados (em especial PAPE apud COSTA) podemos dividir os tipos de terrorismo de acordo com o método empregado em três categorias: demonstrativo, destrutivo e suicida.

Demonstrativos: seriam ações que visam dar visibilidade a uma causa e implicam na ameaça e no uso de força, são ações como seqüestro de pessoas (autoridades em geral), seqüestros de aeronaves, uso de artefatos explosivos com aviso anterior.

Destrutivos: São ações agressivas, que implicam em fatalidades, seu objetivo é coagir opositores mesmo as custa de perda de apoio da opinião pública.

Suicida: São ações extremamente agressivas “tenta matar o maior número possível de pessoas, procurando coagir a população inimiga e seus governantes, mesmo que às expensas de perder o apoio de sua própria comunidade de origem. O ataque suicida pode ser definido de duas formas: a primeira é aquela em que o terrorista comete suicídio durante a operação (um homem-bomba, por exemplo), a outra é aquela em que o terrorista espera ser morto por outros durante a operação (algum militante armado cuja missão seja atirar indiscriminadamente sobre a população-alvo, sem contar com um plano pré-determinado de fuga).” (COSTA, p. 4)

Racionalidade

O senso comum costuma qualificar o terrorismo, em especial o suicida, como ato de violência sem sentido, ou fruto de uma loucura, porém se observarmos alguns aspectos desse fenômeno veremos que atos terroristas são quase sempre parte de uma estratégia de enfrentamento e que seus executores e planejadores são atores racionais.

Contudo o sacrifício supremo em nome de uma causa, religião, povo ou governo não é algo novo na história da humanidade, não pode ser tratado como um fenômeno ligado a aspectos religiosos ou econômicos apenas, mas deve ser compreendido em dois níveis: a racionalidade das organizações (bem fácil de perceber, até pelos que consideram o terrorismo insanidade, algum tipo de psicopatia) e a racionalidade do individuo, que executa a ação, é de especial atenção os atentados da categoria suicida.

Racionalidade é aqui entendida como “rationality just means that, whatever the goal, a person chooses the best means to achieve it” (WINTROBE 2006 p. 170).

“[...] descreve-se a estratégia terrorista segundo um cálculo de utilidade: ΣU = P(B) – C, sendo que ΣU representa a utilidade esperada, P(B) representa o pay-off do benefício esperado e C representa o curso da ação. Os adeptos do terrorismo demonstrativo e destrutivo, e mesmo os adeptos do terrorismo suicida fazem esse cálculo quando esperam atingir algum objetivo (conseguir simpatia para a causa, arregimentar quadros, causar o maior número de mortes possível ou alcançar concessões territoriais por parte de algum invasor)”. (COSTA, p. 9)


Nível organizacional

Não importa para esse trabalho como se distribui ou se organiza o grupo estruturalmente (se centralizados ou em células) a racionalidade desses grupos pode ser auferida na percepção que ataques terroristas são sempre partes de uma campanha maior que tem objetivos estratégicos a serem alcançados, embora a característica mais forte desse tipo de campanha seja elevar a população alvo a um estado constante de suspeição e medo já que os atacantes estão infiltrados e podem ser qualquer um. Ou seja, o aspecto aleatório da seleção de vitimas.

Contudo esse aspecto não pode nos iludir de que objetivos estratégicos orientam a escolha dos alvos, um exemplo empírico pode ser observado no caso dos ataques de 11 de março em Madrid, é preceito de qualquer campanha militar desde os tempos de Sun Tzu que se objetive romper as alianças de seus inimigos, nesse caso víamos que um dos membros de maior vulto e ao mesmo tempo relutante da coalizão que invadiu o Iraque era a Espanha, assim os terroristas agiram, estrategicamente atacando o membro mais fraco da coalizão e foram nesse feita bem sucedidos.

Percebe-se que os objetivos de um grupo terrorista derivam de uma série de fatores que constroem uma visão de mundo, podem ser; religiosos, nacionalistas, ideológicos, mas a condução da campanha se dá por meio racional, com escolha de alvos, com recrutamento de executores das ações, treinamento, mecanismo de incentivo aos mesmos, mecanismos coercitivos em caso de desistência, esses grupos utilizam argumento enviesadas de maneira constante como forma de aumentar sua influência em sua própria população.

Todas essas ações, mas as ações de lavagem de dinheiro e operações bancárias clandestinas, falsificações de documentos e principalmente o pensamento estratégico por trás da seleção de alvos, demonstra racionalidade e pensamento estratégico o que é corroborado pelas equações de utilidade utilizada pelos cientistas políticos e economistas.

“[...] O autor [PAPE] aborda os objetivos nacionalistas das organizações terroristas e, a seguir, indica que seus alvos preferenciais são países democráticos”. (COSTA, p. 9)

Isso se dá por que países com regimes fechados são sucetiveis a pressões da opinião pública e suas ações são limitadas pela lei e uma resposta militar pode ser, como já vimos, vista como um exagero e o país alvo do terrorismo pode passar a sofrer censuras.

Além disso, essas organizações buscam criarem laços com suas comunidades, no sentido de fortalecer sua presença cultural, assistencial, e como centro de irradiação de ideologias que servem para a consecução de seus objetivos e evidências empíricas nos mostram que organizações que falham em comunicar a importância estratégica de seus alvos e a utilidade desses atos têm um numero de deserções maiores que organizações com ideologia e comunicação mais coesa.

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