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Empregabilidade (entre o pessimismo apocalíptico e a utopia romântica) um tema delicado

Mais uma vez uma acalorada discussão no Orkut me inspirou a tocar em um assunto muito delicado. Delicado por que lida com a auto-estima de muitos e por que desperta paixões, por que envolve sonhos e esperanças e até mesmo arrebatamentos utópico. Por mais de uma vez, na verdade é quase uma constante, fui hostilizado por ressaltar pontos complexos da empregabilidade em relações internacionais. Essas ofensas, embora, insignificantes ilustram como o assunto exalta os ânimos. Vou primar nesse texto por não me refugiar em lugares comuns, tais como: “Quem é bom vai ter sempre destaque!” ou “Quem reclama ou desencoraja outrem de cursar o faz por ser frustrado!”. Tentarei, também, fugir dos casuísmos e tentar abordar o assunto de maneira séria e abrangente.

Nem vou aqui diferenciar relações internacionais, comércio exterior, diplomacia. Vou tratar do tema evitando muitas receitas, posso adiantar que existem vários tipos de inserção no mercado de trabalho e a maioria é condicionada fortemente por fatores de caráter pessoal, aspirações, dedicação a formação, percepção de oportunidades e redes de contato, além claro da pressão familiar que muitos ficam sujeitos após a formatura.

Vou deixar claro um ponto de vista que defendo a exaustão. Relações Internacionais, em stricto sensu, é indubitavelmente uma carreira acadêmica já que pressupõe a observação, pesquisa, sistematização e teorização acerca das relações internacionais, sendo disciplina e campo de estudo ao mesmo tempo. Ou seja, lidar com relações internacionais, suas teorias e tipologias é ocupação de pesquisadores e professores sejam ligados a alguma IES (Instituição de Ensino Superior) ou “Think tank” (público ou privado, independente ou vinculado a uma IES). Outro ponto que tem que ficar claro, não importa em que área de relações internacionais ou áreas próximas o egresso do curso trabalhe ele sempre vai trabalhar com uma parte menor das relações internacionais (sub-áreas). Nesse texto o enfoque será nas oportunidades no mercado de trabalho privado. Não vou entrar no mérito de concursos públicos e etc.

Quero que todos entendam não estou minimizando (nem nunca o farei) o que fazem os profissionais da academia sem esses abnegados professores e pesquisadores do fenômeno internacional, a disciplina não existiria e não teríamos os meios que usamos pra definir o mundo e acabaríamos por ver o mundo naquela limitada ótica do que convencionamos chamar “conversa de botequim”, observações sem nenhum tipo de rigor analítico ou isenção.

Feito esse pequeno prólogo vamos agora observar algumas características gerais do curso. A graduação em relações internacionais tem uma grade abrangente ou multidisciplinar que abarca temas como Ciência Política, Economia, Teoria das Relações Internacionais, Comércio Exterior e Marketing Internacional (esses dois itens estão ausentes de algumas grades e alguns acadêmicos “desdenham” que seja inclusas no bojo da graduação em RI, mas isso é tema para outro texto). A graduação em relações internacionais parece à primeira vista padecer de uma esquizofrenia no sentido em que parte da graduação parece ser um preparatório para a vida acadêmica continuada (a pesquisa) e parte para atuação no mercado.


Por que contratar um bacharel em Relações Internacionais?


Nessa segunda vertente do curso orientada ao mercado é por muitas vezes demasiadamente ampla em sala de aula e os alunos não vêem uma aplicação prática (aqui entendido como fora da seara acadêmica) do aprendem e logo surge uma complicação adicional, a multidisciplinaridade é percebida e apontada como fraqueza, muitos advogam que ao saber um pouco de tudo não sabemos nada de nada, que não teríamos habilidades específicas que nos tornariam aptos a ingressar no mercado de trabalho.

É justamente nessa questão que aparece uma característica que todos os casos que conheço de sucesso têm em comum, o uso da multidisciplinaridade a favor, como uma vantagem comparativa, numa comparação forçada é como se estivéssemos no mercado usando de uma tática de guerra assimétrica.

Explico quem aproveitou bem sua formação, somou a ela autodidatismo (assim buscou aprofundar-se, com cursos de extensão, aproveitou bem os estágios, ou oportunidades casuais) é capaz de executar múltiplas funções que demandariam vários profissionais de nível superior, assim somos uma alternativa “barata”, uma alternativa ao estilo “Downsizing”.

Claro que convencer um empregador disso é difícil, todos já passamos por profissionais de RH que não sabiam o que era o curso, nem que tipo de habilidade temos, nem como colaboraríamos para o desenvolvimento da empresa. E acho que nesse quesito há uma falha das organizações profissionais existentes, embora poucas e mal dotadas financeiramente, devo ressalvar. E das organizações estudantis, mas mesmo assim é imperioso notar que em quase todos os processos seletivos de trainee o curso é citado e a despeito de histórias de rejeição a priori, conheço casos de sucesso em que egressos do curso mostraram habilidades e capacidades profissionais e pessoais que lhes garantiram não só o acesso aos programas como a efetivação e cargos executivos nas empresas.

Todo bom profissional de relações internacionais no meu entender tem que ser capaz de pensar estrategicamente (as aulas de assuntos estratégicos nos ensinam isso), ter uma boa percepção do ambiente de negócios da empresa em que trabalha (Não parece, mas TRI ajuda muito nisso), saber identificar todos os stakeholders envolvidos nas ações da empresa, tem que saber desenvolver cenários e apontar soluções, tem que ter conhecimento técnico sobre operações internacionais, tem que ser hábil comunicador (inclusive pra se sair bem entrevistas de emprego), tem dominar métodos de negociação, fora ser cortes, polido, articulado e culto (sim sempre esperam isso de nós).

Na verdade muito, mas muito mesmo do rationale que desenvolvemos em relações internacionais nos ajuda no mercado, uma vez vencida a barreira, na universidade somos forçados a estudar temas dissociados ao mesmo tempo e com isso alguns de nós conquistamos a habilidade de aprender rápido novas coisas, nos adaptamos bem, via de regra, a ambientes multiculturais.

Agora serei honesto essas capacidades só nos são claras quando aumentamos o escopo de nossa formação, quando buscamos ler, e aprender coisas a mais. O mercado ainda desconhece o profissional de relações internacionais ainda mais as pequenas e médias empresas que lucrariam com um profissional capaz, de cuidar de todos os aspectos de seu relacionamento internacional, quase que sozinho. Uma alternativa seria um salário, mais bônus de produtividade, comissão e por ai vai.

Muita gente que estuda relações internacionais olha de cima pra baixo pro comércio exterior, logística, rotinas e procedimentos. Como se fossem coisas reles perto do tanto que estudaram, opinião cada um pode ter. Eu, particularmente, acho isso estúpido, a experiência prática com a lida internacional é vital até mesmo pra quem quer ser analista, pesquisador, professor ou diplomata, dá um senso de mundo real. Mas, essas habilidades são especificas e devem ser adquiridas de maneira extra, podemos dizer.

A atividade de consultoria a qual me dedico, consiste no meu caso (que ainda não tenho um nome que me atraia grandes projetos e estudos) na execução ad hoc de muitos dos serviços acima descritos, não vou dar fórmulas, acho que cabe cada um descobrir seu caminho. Mas, a atitude conta muito, a cara de pau de ir trabalhar de se “meter” a fazer.

Quanto a indagação, por que contratar um bacharel em relações internacionais? Eu digo por que sua empresa vai contar com um profissional capaz de calcular elasticidades das suas exportações ou importações, formular estratégias, buscar parceiros, negociar contratos e condições (posteriormente é claro que devem ser “ratificados” por um advogado). Sua empresa contará com um profissional que conhece o mundo, conhece a política, as condições que podem afetar a performance do parceiro, que é capaz de identificar competidores desleais, que é capaz de identificar grupos de pressão e outros que podem afetar seus negócios. Um profissional capaz de negociar em condições culturais e legais distintas, um profissional capaz de selecionar feiras e eventos, participar estrategicamente desses eventos, enfim, um profissional capaz de trabalhar e contribuir na melhoria de processos tanto de marketing como de vendas.

Considerações Finais

Para que possamos entregar tudo isso que descrevi acima forçosamente é preciso ESTUDAR, ESTUDAR, ESTUDAR e procurar estagiar. Trabalhar no mercado não significa um litígio com o caráter cientifico da matéria, na verdade consiste em aplicar em ambientes reais tudo que foi aprendido em termos amplos.

Agora fiquem todos cientes, sempre existirão os que mudam de carreira de enfoque, que se desiludem, que passam a querer outras coisas, por exemplo, o dono e estilista da Osklen e de uma consultoria em gestão “filha da Osklen” por assim dizer. Oskar Metsavaht é médico de formação.

A formação é deficiente no que tange ao mercado, então cabe a cada um (sou defensor fervoroso da responsabilidade individual) descobrir seu caminho e se preparar, não podemos ignorar as enormes dificuldades do caminho, nem nos assustar diante delas. Como disse Sun Tzu “A invencibilidade está na defesa; a possibilidade de vitória no ataque”. Então, recomendo que defendamos nosso ponto forte a formação geral, multidisciplinar e ataquemos nossa fraqueza a falta de um conhecimento aprofundado em assuntos especificos.

Deixo uma reflexão adicional sejamos flexiveis, é tão dificil saber que tipo de atividade nos deixará feliz profissionalmente, então estejamos abertos e preparados para as oportunidades, que acreditem são poucas. Mas estão por ai, em algum lugar.

Temos muito a oferecer, mas cada um tem que descobrir seu caminho, mas não caiam na balela de ignorar o comércio exterior, ou de que não há virtude fora da academia, ou que universidades tem que formar apenas pensadores, nenhuma dessas coisas são excludentes entre si. Você pode ser mestre e doutor em RI, pesquisador e importador e exportador ao mesmo tempo.

Uma coisa é certa esse é um campo em que depende muito de você mesmo. Você pode conseguir um emprego que você ama que não seja na area de RI e mesmo assim o curso lhe ajuda eu já vi acontecer.
Ainda assim poucos conseguirão viver da seara internacional, não quero deprimir ninguém, nem assustar, nem desestimular, só estou a alertar sobre uma realidade. Uma dica final aprendam uma coisa chamada gestão de projetos.

Comentários

Rodrigo Kenupp disse…
Parabéns Mário, excelente post!
Acho que este texto pode servir de grande ajuda, ou quem sabe para esclarecer um pouco, os desafios e dilemas da nossa profissão.
Acho que tanto graduandos como graduados passam por esses dilemas e angustias de ser de uma profissão ainda tão invulgar para a maioria das pessoas.
Espero que muitas pessoas possam ter acesso ao seu texto!
abraço!
Anônimo disse…
Ótimo, superb blog, continue com os excelentes posts.
Leo disse…
Acho que o curso não é o que eu esperava. Li por aí que RI não tem carater profissionalizante, gosto da idéia de lidar com assuntos internacionais, idiomas estrangeiros (já falo um pouco de inglês) e viagens (óbvio), mas quero uma profissão. Em tudo o que pesquisei não vi aplicação prática do curso de RI, tem uma volubilidade desinteressante.
Anônimo disse…
Vou ou ia prestar vestibular para R.I. Inicialmente pela carreira diplomática, mas depois pesquisei mais e gostei bastante da grade curricular que abrange matérias das Ciências Sociais que é o que eu queria fazer, mas tinha medo de ir parar dando aula em uma escola publica. Mas percebo que o mercado de R.I não é um dos mais atrativos. Excelente texto, um dos mais esclarecedores que li ate agora.
Anônimo disse…
Muito bom o texto. Entrei no curso de RI nesse primeiro semestre de 2012, e faço na UCB, estou muito feliz com minha escolha, e é lamentavel o pouco conhecimento que se tem em relação a um profissional de RI.

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