A interação internacional de entes subnacionais é tema controverso do ponto de vista conceitual e legal e tema de debate no mundo das idéias. Embora encontremos ao longo da história períodos em que a cooperação e ação internacional de cidades era a norma, a liga do Peloponeso na antiga Grécia, ou a ação da cidade de Florença no período renascentista. O advento do Estado-Nacional nos moldes ‘westphalianos’, concentrou a ação internacional na figura do Estado, que passa a ser o único ator legitimo para firmar tratados, celebrar acordos.
Naturalmente as cidades fronteiriças ainda mantiveram um importante componente de ação internacional nas suas atividades administrativas e políticas. Na América do Sul esse fenômeno não foi objeto de investigações e nem teve grande relevo já que as cidades fronteiriças não são grandes pólos capazes de influir nos governos nacionais, assim foi se construindo uma rede de interações complexas entre cidades e micro-regiões no caso brasileiro os maiores exemplos são as ações conjuntas de cidades fronteiriças da região norte com o governo da Guiana Francesa, com vistas à preservação ambiental, exploração de recursos naturais, atendimento médico-hospitalar. No Acre verificamos que muitos municípios dependem de importação e exportação de viveres e mercadorias da Bolívia e da Venezuela, é particularmente notório o trânsito transfronteiriço em busca de combustíveis subsidiados em cidades venezuelanas. Como esquecer nesse sentido das regiões de fronteira nos estados do sul, principalmente a sempre mencionada região da tríplice fronteira.
Embora, essas interações demonstrem complementaridades econômicas e culturais com caráter internacional indelével, não se constituem de ações coordenadas de interação política. Esse tipo de ação planejada de interação internacional de entes subnacionais, ganha corpo com o advento da globalização e da interdependência complexa que caracteriza essa etapa do capitalismo.
A compreensão de que a competição não mais se dá no nível geográfico próximo, mas em caráter global despertou em alguns governantes a necessidade de buscar por investimentos, parcerias tecnológicas e comerciais, políticas de combate ao tráfico de drogas e contrabando e promoção do turismo que em nível internacional. Assim impelidos por questões práticas e amparados pelo espírito federalista da Carta Magna de 1988. Estados e municípios se lançaram em busca de seus espaços de interação internacional, que extrapolassem os limites dos acordos de ‘cidades irmãs’, quase que exclusivamente voltados para a área cultural. Isso justifica a criação das secretárias estaduais e municipais de relações internacionais, que surgem pela primeira vez no Brasil, no estado do Rio Grande do Sul, sob o governo de Pedro Simom.
Não obstante, o foco da paradiplomacia no Brasil seja a atração de investimentos e a promoção de estados e municípios tanto turística como comercialmente. A oportunidade para conflitos se apresenta, como demonstrou a guerra fiscal entre Rio Grande do Sul e Bahia para sediar uma montadora de automóveis. Outro potencial foco de conflito se dá no campo do pacto federativo, já que firmar acordos, convênios e tratados é competência exclusiva da União, gerando assim uma espécie de área cinzenta legal.
De um modo geral a paradiplomacia está longe de ser um conceito pacífico entre os estudiosos e teóricos das Relações Internacionais, ainda mais os de viés realista, que vêem nessa ação, um enfraquecimento do Estado, ente básico na concepção de sistema internacional dessa corrente e das que derivam ou de certa forma aceitam esse postulado.
E é justamente nesse campo de conflito potencial entre diretrizes de política externa geral e ações desses entes, que está o ponto mais delicado dessa modalidade de interação internacional já que por questões de ordem política interna podem ser usadas para causar mal estar ou embaraçar uma liderança nacional de orientação político-partidária antagonista a dos chefes do executivo desses entes subnacionais, ou para evidenciar um governo fraco em via de ruptura. Além disso, podem ser arriscadas em Estados cuja união e identidade nacional são fragmentadas e competitivas, como nos ensina a história da Iugoslávia. De modo geral os Estados nacionais tendem a criar mecanismos legais ou de incentivo para que os entes subnacionais se coadunem as grandes decisões políticas e estratégicas da Diplomacia Estatal.
Voltando ao caso brasileiro no campo das ações práticas vemos que estados e municípios exercem pouca pressão na formulação da política externa nacional, se comparado aos Estados Unidos da América. Na maior parte dos casos a pressão é exercida por entidades de classe, sindicatos e associações empresariais majoritariamente em assuntos ligados a negociações multilaterais e defesa comercial. E por parte de ONG’s, movimentos estudantis e sindicatos em assuntos ligados a tratados ambientais e emergências humanitárias.
O pragmatismo tem sido a tônica das relações internacionais de entes subnacionais no Brasil, ou seja, a busca por interação internacional nasce da necessidade econômica que não encontra respaldo na União. Pode ser dizer que a globalização impulsiona os estados e municípios para além da fronteiras nacionais. Ainda que haja potencial para conflitos graves os governos FHC, e Lula, tem de certa maneira estimulado essa empreitada ao incluir representantes estaduais e municipais em missões e visitas oficiais. Talvez, por que essa busca se assente sob o sempre forte viés desenvolvimentista da Política Externa Brasileira.
Uma coisa é certa a experiência mostra que essas ações internacionais de entes subnacionais brasileiros carecem de caráter perene sendo em sua grande maioria ações levadas a cabo em tempos de crise ou de forte viés comercial-industrial do grupo político no poder sendo descontinuadas em gestões seguintes o que diminui sobremaneira a capacidade de gerar inteligência e a curva de aprendizado desses entes em matéria de relações internacionais.
É possivel afirmar com uma certa tranquilidade, que se a tendência de perpetuação desse modelo continuar não demorará que surjam conflitos legais de caráter constitucional e políticos de caráter federativo a cerca da matéria. Será preciso construir um arranjo institucional, ou até mesmo reformas constitucionais (um tanto vulgarizadas no Brasil, diga-se de passagem) que possibilite a participação mais efetiva de estados e municípios (embora haja desde o governo FHC, secretaria dedicada a isso no organograma do Itamaraty) que permita, também, o apaziguamento de interesses contrastantes desses entes nesse sentido o fim da possibilidade de guerra fiscal parece ser um passo nessa direção.
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