Pular para o conteúdo principal

Acordo Sobre Agricultura – V

Nesse post vamos analisar a cláusula da devida moderação, que estipulava quando vigente condições diferenciadas para os bens agrícolas no que tange os produtos agrícolas. Esse post encerra a nossa análise sobre o AsA, que foi resultado das condições da Rodada Uruguai.

Você pode ler os posts anteriores aqui.

Cláusula da devida moderação (cláusula de paz)

Um ponto resultante das dificuldades das negociações da Rodada Uruguai foi à inclusão do dispositivo da devida moderação (Artigo 13), também conhecido como cláusula de paz, com vigência prevista por nove anos. Esta cláusula estabelece que, durante sua vigência, os países deverão exercer a devida moderação na aplicação de medidas compensatórias quando, embora concedendo subsídios através de políticas incluídas no AMS e subsídios à exportação, estes estejam dentro dos limites estabelecidos em seus compromissos decorrentes da Rodada Uruguai. Como asserva Tolini (2004) ”A Cláusula da Paz cria a impossibilidade de contestar na OMC subsídios que não excedam em valor aos subsídios dados em 1992”.

A principal divergência que envolve essa cláusula é a interpretação e o alcance que deve ser dada à ela. Sua redação é suficientemente dúbia para atender os interesses conflitivos das diferentes partes. (TOLINI, 2004).

Embora, o AsA objetive a redução das medidas de subsídios diretos dos governos e suas agências. A cláusula da paz impede que esses subsídios sejam acionados no marco do acordo sobre subsídios impedindo que a parte prejudicada recorra ao DSB para dirimir a controvérsia, por um período de nove anos e pede moderação dos membros ao abrirem processos de investigação. Mesmo tendo o objetivo claro de inibir que os membros utilizem os mecanismos previstos no Acordo Sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, a cláusula para ser aplicada necessita que os subsídios concedidos estejam dentro das categorias previstas no Artigo 13 necessariamente a devida moderação exigida aos membros não deve ser fator de inibição caso as medidas contestadas, extrapolem os limites do previstos na clausula. Conforme descrevem Coelho e Werneck:

O item “a” isenta incondicionalmente de ações os subsídios domésticos que se enquadram completamente nas regras do Anexo 2 do AsA (subsídios não-sujeitos a redução), tanto conforme os objetivos das medidas compensatórias,como segundo o artigo XVI do Gatt-94 e da parte III do SCM, ou mesmo baseadas na quebra da não-violação ou no impedimento dos benefícios tarifários auferidos por outro país membro. O item “b” isenta os subsídios contidos no artigo 6, sujeitos a redução (AMS), os pagamentos diretos ligados ao controle de produção (artigo 6.5) e os subsídios cobertos pela cláusula de minimis, nos seguintes casos:
a) de ações baseadas no artigo VI do Gatt-94 e parte V do SCM, a menos que for provado prejuízo ou ameaça de prejuízo em termos de volume e preços;
mesmo assim, a parte interessada deve mostrar “devida moderação” antes de iniciar a ação;
b) de ações baseadas no artigo XVI do Gatt-94, ou nos artigos 5 e 6 do SCM, a menos que o valor da medida de apoio para determinado produto for maior do que o valor concedido durante o ano comercial de 1992;
c) de ações baseadas no artigo II do Gatt-94 ou do artigo XIII (quebra da não-violação ou impedimento dos benefícios tarifários auferidos por outro país membro), a menos que o valor do suporte concedido for superior ao valor de 1992.
O item “c” não isenta os subsídios às exportações descritos claramente na parte V do AsA, notificados nos compromissos do país membro, de tarifas compensatórias, quando houver determinação ou ameaça de prejuízo, em termos de impacto, no volume e nos preços, de acordo com o artigo VI do Gatt-94 e parte V do SCM, e isenta esses mesmos subsídios de ações baseadas no artigo XVI do
Gatt-94, ou baseadas no artigo 3 do SCM, que trata da proibição de subsídios às exportações, e nos artigos 5 e 6 do SCM, que tratam de discriminações sérias.(COELHO, WERNECK, 2004. p.11).


Conclusões

Os acordos multilaterais de comércio no escopo da OMC devem ser adotados por consenso e a construção desse exige acomodação de interesses diametralmente opostos, desse fato deriva a grande dificuldade em avançar em matérias em que tanto os que se opõe quanto os que favorecem o protecionismo têm movimentos de “Grass roots” muito bem desenvolvidos e as pressões desses grupos diminuem muito o espaço para acordo.

Com o espaço de manobra reduzido são necessários arranjos como da cláusula da paz, ao estudar esse acordo vemos que os princípios da OMC de liberalização e tarificação encontram resistências organizadas em pontos sólidos como “Segurança Alimentar” e “Padrões Fito-sanitários”, esses últimos usados constantemente como “Salvaguardas não-oficiais”, ou barreiras não tarifárias. A isso se soma o fato de que atores de maior poder relativo Estados Unidos, Japão e União Européia por motivos internos são pressionados a não ceder muito além do mínimo e com contrapartidas, por vezes desproporcionais em produtos industriais ou Direitos de Propriedade, entre os mais interessados em liberação comercial, grupo de Cairns, composto por um misto de potências médias ou regionais consolidadas (Austrália e Canadá) e as chamadas potências emergentes (Brasil, Índia, China).

A cláusula da paz foi desafiada pelo processo brasileiro contra os programas agrícolas americanos dentro do corpo da “Farm Bill, de 1996 e de 2002” no que tange ao Algodão, contencioso que foi vencido pelo Brasil.*

Fica claro que o grande mérito do AsA, também encontrado na literatura especializada como AARU (Acordo sobre Agricultura da Rodada Uruguai) foi ter incluindo o comércio agrícola no marco normativo do comércio internacional. Principalmente nos compromissos de acesso a mercados e subsídios.

Pela importância do tema da agenda do comércio internacional e na agenda da Política Externa Brasileira esse tema será ainda tratado aqui em futuras ocasiões.

_________________________________________________
* Para sabe mais ver SILVA FILHO, Mário Machado. A Defesa Comercial Brasileira e as Disciplinas Agrícolas da OMC: A Questão da Cotonicultura. Universidade Católica de Brasília. Professor Orientador: Dr. Wilson Almeida de Jesus. Junho. 2005. Menção Máxima. [no prelo]
Não posso deixar de citar e agradecer ao Prof. Dr. Egídio Lessinger da Universidade Católica de Brasília e do Ministério da Agricultura, que me ensinou tudo que sei sobre agricultura não só por suas aulas, mas, também, por suas indicações de bibliografia.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Crise no Equador

Sob forte protesto das forças policiais e parte dos militares, que impedem o funcionamento do aeroporto internacional de Quito. Presidente Correa cogita usar dispositivo constitucional que prevê dissolução do Congresso e eleições gerais. Mais uma grave crise política na América do Sul. Numa dessas coincidências típicas de se analisar as coisas internacionais discutia semana passada numa excelente postagem de Luís Felipe Kitamura no laureado blog Página Internacional a situação equatoriana. A postagem tinha como título Equador: a instabilidade política e suas lições . Na qual o colega discorria sobre o péssimo histórico de conturbação política do país andino e sobre como o governo Correa parecia romper com isso usando a receita da esquerda latina de certo pragmatismo econômico e políticas distributivas. Mas, justamente a instabilidade política que parecia a caminho da extinção volta com toda força em um episódio potencialmente perigoso, que contundo ainda é cedo para tecer uma análise

Meus leitores fiéis, pacientes e por vezes benevolentes e caridosos

Detesto falar da minha vida pessoal, ainda mais na exposição quase obscena que é a internet, mas creio que vocês merecem uma explicação sobre a falta de manutenção e atualização desse site, morar no interior tem vantagens e desvantagens, e nesse período as desvantagens têm prevalecido, seja na dificuldade na prestação de serviços básicos para esse mundo atual que é uma boa infra-estrutura de internet (que por sinal é frágil em todo o país) e serviço de suporte ao cliente (que também é estupidamente oferecido pelas empresas brasileiras), dificuldades do sub-desenvolvimento diria o menos politicamente correto entre nós. São nessas horas que vemos, sentimos e vivenciamos toda a fragilidade de uma sociedade na qual a inovação e a educação não são valores difundidos. Já não bastasse dificuldades crônicas de acesso à internet, ainda fritei um ‘pen drive’ antes de poder fazer o back up e perdi muitos textos, que já havia preparado para esse blog, incluso os textos que enviaria para o portal M

Extremismo ou ainda sobre a Noruega. Uma reflexão exploratória

O lugar comum seria começar esse texto conceituando extremismo como doutrina política que preconiza ações radicais e revolucionárias como meio de mudança política, em especial com o uso da violência. Mas, a essa altura até o mais alheio leitor sabe bem o que é o extremismo em todas as suas encarnações seja na direita tresloucada e racista como os neonazistas, seja na esquerda radical dos guerrilheiros da FARC e revolucionários comunistas, seja a de caráter religioso dos grupos mulçumanos, dos cristãos, em geral milenaristas, que assassinam médicos abortistas. Em resumo, todos esses que odeiam a liberdade individual e a democracia. Todos esses radicais extremistas tem algo em comum. Todos eles estão absolutamente convencidos que suas culturas, sociedades estão sob cerco do outro, um cerco insidioso e conspiratório e que a única maneira de se resgatarem dessa conspiração contra eles é buscar a pureza (racial, religiosa, ideológica e por ai vai) e agir com firmeza contra o inimigo. Ness