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Acordo sobre Agricultura – III

Nesse post avaliaremos os compromissos do Acordo Sobre Agricultura, no que tange as medidas de apoio interno. [Ler antes, aqui, aqui e aqui]


Medidas de Apoio Interno

A metodologia adotada para esse fim busca classificar as políticas em diferentes “caixas”, distinguindo-as de acordo com seus efeitos sobre a produção e o comércio. Para tanto, o disciplinamento se dá a partir de critérios de classificação entre políticas de apoio interno que distorcem a produção e o comércio daquelas que não têm efeito de distorção ou que esses efeitos sejam mínimos, ao mesmo tempo em que os governos mantêm a faculdade de atuarem através de políticas públicas sobre os problemas inerentes à atividade agropecuária. As primeiras são enquadradas dentro de critérios estabelecidos pela denominada “caixa-amarela” enquanto que as demais nos da “caixa-verde”.

Em relação às medidas da “caixa-verde”, dada a sua natureza, não é exigido nenhum compromisso de redução e nem são passíveis de serem acionadas por outros países, por meio de mecanismos de medidas compensatórias, havendo apenas a obrigação de notificá-las, com vistas ao seu monitoramento pelos demais países. Para que uma medida possa ser enquadrada na “caixa-verde”, além de respeitar o requisito fundamental de ser neutra, ou ter efeito mínimo, em termos de distorção sobre a produção e o comércio, deve também obedecer a dois princípios básicos, quais sejam deve ser implementada por meio de um programa governamental, financiado com recursos públicos (inclusive através de renúncia fiscal), que não implique transferências diretas dos consumidores aos produtores, e não pode ter objetivos de sustentar preços.

Além desses dois critérios básicos, existem critérios específicos* a serem observados, a saber:

· Serviços gerais prestados pelos governos, tais como: pesquisa agropecuária e difusão de seus resultados; extensão e assistência técnica rural; defesa e inspeção sanitária; classificação de produtos; divulgação de informações de mercado; educação rural e infra-estrutura pública;
· Estoques públicos, para fins de segurança alimentar;
· Programas de ajuda alimentar;
· Pagamentos diretos e sustentação de renda aos produtores (desde que a ajuda não esteja, de alguma forma, vinculada à quantidade produzida);
· Participação em programas de seguro agropecuário;
· Programas de ajustamento estrutural;
· Programas ambientais, e
· Apoio dentro de programas de desenvolvimento regional.

O outro grupo de medidas, as da “caixa-amarela”, refere-se às políticas que devem ser incluídas no cálculo da Medida Agregada de Apoio (Aggregate Measure of Support – AMS), a qual serve de referência para os compromissos de redução. Pode-se citar, como exemplo, as políticas de sustentação de preços de mercado, os pagamentos diretos que de alguma forma estejam vinculados a níveis de produção e outras que reduzam os custos de produção ou de comercialização.

Os países assumiram o compromisso de que, durante a implementação do AsA, o valor monetário do AMS, calculado para o período base 1986/88, deveria ser reduzido, de forma linear e automática, em 20% pelos países desenvolvidos e, em 2/3 desse percentual, pelo os países em desenvolvimento. Deve-se mencionar que esses compromissos foram assumidos de forma agregada e não por produto, o que vem facilitando sobremaneira o seu cumprimento por parte dos países membros. Essa forma de cálculo permite migrar subsídios de um produto para outro, não havendo uma disciplina rígida em relação a produtos individuais. A única referência a disciplinamento por produto foi a limitação de não ultrapassar os subsídios decididos no ano de 1992, informação cuja notificação não foi exigida por ocasião da apresentação dos compromissos, quando então deixaria de ser aplicada a “cláusula de paz” para o produto/país.

No cálculo do AMS, pode ser invocada a “cláusula de minimis”**. Segundo ela, quando o apoio expresso por meio do AMS para um determinado produto for inferior a 5% do valor da sua produção, para os países desenvolvidos, e de 10%, para os países em desenvolvimento, este apoio é descartado do somatório dos AMS específicos por produto, para efeitos do cálculo do “AMS Total”. A idéia é de que apoios inferiores a este percentual do valor da produção, ainda que concedidos através de políticas que distorcem a produção e o comércio, teriam efeitos negligenciáveis sobre a sua competitividade.

Ao final da Rodada Uruguai, como parte do chamado Acordo de “Blair House”, entre EUA e União Européia - UE, foi criada ainda a “caixa azul”, que trata de políticas de compensação à redução de preços, vinculadas ao controle de produção. A criação desta caixa foi essencial para a conclusão do AsA na medida em que nela foi possível enquadrar políticas que foram fundamentais para a reforma da Política Agrícola Comum – PAC, de 1992, abrangendo alguns setores da agropecuária da UE, permitindo a sua exclusão dos compromissos de redução. A justificativa da UE era de que este conjunto de políticas viabilizariam a transição para uma produção mais orientada para o mercado, sendo um avanço em relação às políticas de sustentação de preço previamente existentes. Além disso, julgavam que seria impossível reabrir negociações entre os seus 15 membros para se conseguir mudanças adicionais na PAC, no prazo previsto para o fim das negociações da Rodada Uruguai.


____________________________________
* O Anexo II do AsA apresenta uma lista ilustrativa de políticas que podem ser enquadradas na “caixa-verde”, juntamente com os respectivos critérios específicos exigidos.
** A “cláusula de minimis” é normalmente referenciada em acordos comerciais como um percentual abaixo do qual os valores não são considerados, tanto para efeito de cálculo como neste caso, como para efeito de cumprimento de compromissos

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